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Teatro

- Publicada em 23 de Março de 2017 às 23:04

Sobre quem pode voar

Um espetáculo incomum e inesperado este Ícaro, com texto de Luciano Mallmann e direção de Liane Venturella. Trata-se de uma situação sui generis em que um ex-publicitário, num exercício de trapézio que experimentava junto ao Circo Girassol, caiu e tornou-se cadeirante. A partir de sua própria experiência de vida, ele idealizou um espetáculo, de pouco mais de uma hora de duração, em que agrega, a seu próprio depoimento, as experiências de outras pessoas que experimentaram igual desafio: em sendo cadeirantes, sobreviverem e encontrarem sentido em suas vidas. São mais quatro histórias, variadas, em que o ator assume as personalidades dos narradores, sem jamais poder trocar de figurino ou deixar sua cadeira de rodas com que se apresenta em cena.
Um espetáculo incomum e inesperado este Ícaro, com texto de Luciano Mallmann e direção de Liane Venturella. Trata-se de uma situação sui generis em que um ex-publicitário, num exercício de trapézio que experimentava junto ao Circo Girassol, caiu e tornou-se cadeirante. A partir de sua própria experiência de vida, ele idealizou um espetáculo, de pouco mais de uma hora de duração, em que agrega, a seu próprio depoimento, as experiências de outras pessoas que experimentaram igual desafio: em sendo cadeirantes, sobreviverem e encontrarem sentido em suas vidas. São mais quatro histórias, variadas, em que o ator assume as personalidades dos narradores, sem jamais poder trocar de figurino ou deixar sua cadeira de rodas com que se apresenta em cena.
Portanto, a interpretação fica dependente do jogo de luzes, para mudança de climas, e da variação de vozes, para integrar minimamente as personagens que traz à boca do palco. Encontramos aí uma menina que tem problemas de relacionamento com a mãe, que será sua permanente companhia e apoio após o acidente, tornando-se a jovem modelo; o caso do jovem suicida que já se filiou a um hospital suíço que promove os suicídios assistidos, mas que espera a morte da mãe para concretizar sua decisão; o lutador que, depois de vencer a luta e tornar-se campeão, ou assim se imaginar, nocauteado, no leito hospitalar, experimenta situações ilusórias que, aparentemente, culminam na morte; e, enfim, uma mulher cadeirante que, não obstante, torna-se mãe e, na cena final do espetáculo, participa do aniversário do filho, aos seis anos de idade.
A escolha das narrativas, variadas, permite experiências diferentes e avaliações múltiplas dos desafios que se colocam àqueles que sofrem tais acidentes e acabam condenados a tal condição. Os textos, contudo, evidenciam que talvez o verbo não deva ser exatamente este - condenado - eis que cada personagem encontrou saídas e soluções para suas situações.
Não se pode avaliar o quanto Liane Venturella, enquanto diretora, interferiu na escrita de Mallmann. Nem esta é, necessariamente, uma questão maior, pois cabe ao espectador apenas avaliar, emocionar-se ou integrar-se ao espetáculo que tem a sua frente. A trilha sonora de Monica Tomasi tem boas interferências, comentando ou sublinhando climas dramáticos, do mesmo modo que a iluminação de Fabrício Simões garante as passagens de cenas e as trocas de espaço e de tempo nos diferentes monólogos. Houve preocupação em uma preparação vocal do ator, a cargo de Ligia Motta, e que certamente ajudou-o bastante na personificação de suas figuras, mas também existe um cuidado especial com a expressão corporal: mesmo que reduzida pela vinculação à cadeira de rodas, Luciano Mallmann compõem expressivamente suas figuras, com destaque a esta personagem da modelo, por exemplo, com o movimento de mãos e punhos afetados pela paralisia sofrida.
Certamente o grande desafio de toda a equipe, em especial o autor e a direção, foi escapar ao melodramático. Neste sentido, o texto e os cortes neste texto são importantes. Acho, contudo, que
Mallmann pode e deve se distanciar ainda mais de um certo envolvimento emocional com ele mesmo e com suas personagens, com o que ganhará o espetáculo. É evidente que ninguém ali está buscando autocomiseração. Pelo contrário, o simples fato de se ter concretizado este espetáculo mostra o ultrapassamento de tal condição. Mas também é natural que ainda persistam alguns laivos desta emocionalidade tipicamente humana, mas que precisa ser transformada racionalmente numa fala dramática capaz de mobilizar a plateia, não por uma identificação imediata e irracional, mas sim, por uma percepção mais profunda do desafio que significa tal condição.
De qualquer modo, Ícaro é um espetáculo raro, profundamente emocionante, que nos faz refletir sobre a potencialidade do ser humano de ultrapassar a si próprio, projetando-se num diálogo altamente produtivo e sensível com o próximo. Parabéns a todos os que se reuniram em torno deste belo projeto, significativamente denominado Ícaro, e cujo sentido encontra-se numa fala quase final em cena.
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