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Tecnologia

- Publicada em 16 de Fevereiro de 2017 às 19:36

Relação trabalhista entre Uber e motoristas chega à Justiça

Nova organização do trabalho surgiu com o desenvolvimento da tecnologia

Nova organização do trabalho surgiu com o desenvolvimento da tecnologia


AGÊNCIA FREE LANCER/AE/JC
As relações de trabalho entre a empresa Uber e os motoristas que usam o aplicativo começam a ser abordadas na Justiça. A mais recente decisão, anunciada na semana passada pela 33ª Vara do Trabalho, em Belo Horizonte (MG), reconhece a existência de vínculo empregatício entre as partes - o que forçaria a empresa, que fornece tecnologia alternativa para transporte individual de passageiros, a pagar direitos trabalhistas a seus motoristas.
As relações de trabalho entre a empresa Uber e os motoristas que usam o aplicativo começam a ser abordadas na Justiça. A mais recente decisão, anunciada na semana passada pela 33ª Vara do Trabalho, em Belo Horizonte (MG), reconhece a existência de vínculo empregatício entre as partes - o que forçaria a empresa, que fornece tecnologia alternativa para transporte individual de passageiros, a pagar direitos trabalhistas a seus motoristas.
Autor da ação, o motorista Rodrigo Leonardo Silva Ferreira foi desligado pela Uber em dezembro de 2015, e exigia o pagamento de benefícios previstos na CLT, referentes ao período em que fez corridas pelo aplicativo. Pela decisão do juiz Márcio Toledo Gonçalves, a Uber fica obrigada a fazer recolhimento de FGTS, além de pagar horas extras, adicional noturno e valores proporcionais de férias e 13º salário. A empresa teria igualmente a obrigação de quitar verbas referentes a aviso-prévio, já que a decisão considera a saída do motorista do sistema Uber como análoga a uma demissão.
Segundo o magistrado, há uma nova organização do trabalho a partir do surgimento de novas tecnologias, mas que não exclui a "aplicação de princípios, direitos fundamentais e estruturas normativas que visam manter a dignidade do trabalhador"."Por qualquer ângulo que se analise a matéria, é inconteste a estreita correspondência entre o labor do reclamante (função de motorista) com as atividades normais da reclamada (serviços de transporte)", reforça o texto.
No entanto, uma outra decisão, também ocorrida na Justiça do Trabalho de Minas Gerais, chegou a entendimento oposto. No dia 31 de janeiro, o juiz Felipe Sickert, da 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, havia negado pedido de outro motorista, afirmando que não existia subordinação entre o reclamante e a Uber, uma das exigências para a caracterização do vínculo empregatício. Ou seja, embora existam obrigações contratuais entre as partes, não pesaria sobre o motorista a obrigação de cumprir as diretrizes dadas pelo empregador para a atividade, como a obediência a horários e período mínimo de trabalho. As duas decisões são em primeira instância, e é provável que o caso chegue até o Tribunal Superior do Trabalho antes de se poder falar em jurisprudência.
Pela lei brasileira, cinco elementos são necessários para caracterizar vínculo entre empresa e empregado. Além do pagamento de remuneração e de uma relação de subordinação entre as partes, é preciso que haja pessoalidade (ou seja, que a prestação de serviço do empregado só possa ser feita por ele próprio), que a relação de trabalho não seja eventual e que o trabalho acordado seja prestado por uma pessoa física.
Os advogados da Uber alegam que os motoristas não recebem remuneração pelo uso do aplicativo. Ao contrário, são eles quem pagam pela tecnologia, ao cederem ao Uber uma parcela dos valores obtidos nas corridas. Além disso, dizem que não há habitualidade, na medida em que o motorista aciona o aplicativo apenas quando deseja usá-lo para gerenciar suas corridas, nos horários e locais de sua preferência. Por fim, não reconhecem a existência de pessoalidade, já que qualquer motorista que use a plataforma pode atender um passageiro que peça uma corrida.

Ainda é cedo para medir impacto de decisões, dizem advogados

A mais recente decisão da Justiça mineira dialoga com a leitura feita em países como Reino Unido e Estados Unidos, onde a tendência é de reconhecer uma relação empregatícia entre a Uber e os condutores. Frisando que são legislações distintas da brasileira, Saulo Oliveira do Nascimento, da Paese Ferreira Advogados, acredita que o ambiente jurídico internacional acaba influenciando os julgadores brasileiros, na medida em que traz o debate para o centro das atenções do Direito.
Na visão de Nascimento, a principal indefinição é sobre a eventual subordinação dos motoristas às determinações da Uber. "Se por subordinação entendermos um controle rígido sobre o funcionário ou o uso de cartão ponto, o modelo de negócio da Uber não se encaixa nessa leitura. Teorias mais de vanguarda, porém, entendem essa subordinação como a participação efetiva nos processos produtivos da empresa, com submissão às diretrizes desta, e então o vínculo estaria caracterizado", explica.
Por sua vez, Tiago Silveira de Almeida, especialista em Direito do Trabalho e sócio da Dupont Spiller Advogados, entende que a confirmação da decisão contrária à Uber pode repercutir negativamente nas startups de enfoque semelhante. "Isso pode fechar as portas a esse tipo de prestação de serviço", diz Almeida. Para ele, a decisão contrária à Uber "banaliza" o conceito de subordinação entre empregado e empregador.
Ele acredita que, uma vez que a Uber passou a aceitar pagamento em dinheiro pelas corridas, o sistema aproximou-se ainda mais do serviço de táxis regulamentado no Brasil. "Aqui no Estado, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região tende a não reconhecer vínculo empregatício entre os permissionários e os motoristas autônomos, mesmo que haja exigências em termos de vestuário e área de atuação", exemplifica Almeida.
O consenso, entre os advogados consultados pelo Jornal da Lei, é que ainda é cedo para falar no impacto das decisões sobre o panorama do direito trabalhista no País. Giancarlo Borba, sócio do setor trabalhista da Siqueira Castro Advogados, acredita na necessidade de ajustar a CLT para o uso de aplicativos, mas não vê necessidade de mudanças profundas. "Por tudo que ela representa, e por ter exigido tanto esforço para sua consolidação, creio que ela ainda tem capacidade para guiar esse tipo de relação", defende. "Nada sobrevive tanto tempo sem ajustes, ainda mais com a tecnologia ditando tantos rumos. Mas acredito que ela ainda é eficiente."