O início oficial da colheita de soja no País, hoje, em Ponta Porã (MS), na Fazenda Jotabasso, dá a largada a um dos períodos de maior incerteza sobre a cotação do grão nos últimos anos. Apesar de os preços terem crescido nas últimas semanas, a cotação da moeda norte-americana no Brasil traz um cenário de instabilidade sobre os lucros possíveis. No Rio Grande do Sul, a maior parte do trabalho terá início apenas em março.
Para Luiz Fernando Gutierrez, consultor da Safras & Mercado especializado no grão, o excesso de chuva na Argentina é o maior responsável pelo recente movimento de alta na cotação internacional. Mas, mesmo com as perdas previstas para a safra hermana, os gaúchos não devem se basear nos valores obtidos no ano passado para negociar o grão.
"No Rio Grande do Sul, o preço FOB (na fazenda) hoje é de cerca de R$ 74,00 a saca. Em 2016, no mesmo período, estava em torno de R$ 83,00. O produtor não deve esperar obter esse mesmo valor. E, ao que parece, é o que o produtor está fazendo", diz Gutierrez.
O especialista avalia ser este um ano especialmente difícil para projeções devido ao cenário político nacional e também às incertezas advindas do governo de Donald Trump nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que a moeda norte-americana tende a cair no Brasil (que aparentemente está deixando a crise para trás), o componente Trump pode alterar a qualquer momento a valorização da moeda nos quatro cantos do mundo. De acordo com Gutierrez, o sinal de que há muito agricultor segurando os negócios em vez de diluir as vendas para conseguir um preço médio melhor é o percentual retraído de venda antecipada. Em geral, o produtor gaúcho já iniciou a lavoura com 20% dela negociada e deve avançar ao longo da colheita. No Brasil, normalmente, 40% da produção já estaria vendida nestes últimos dias de janeiro, mas não é o que ocorre agora, de acordo com o consultor.
"O índice, hoje, é de apenas 34% da safra nacional já comercializada. Os produtores estão tomando como base, em alguns casos, o valor de até R$ 100,00 por saca em 2016, porque a cotação da moeda norte-americana estava na casa dos R$ 3,80, e a cotação em Chicago estava em alta. O produtor se capitalizou, acredita que pode esperar e conseguir algo semelhante, sem pressa. Mas isso dificilmente ocorrerá", pondera o consultor da Safras & Mercado.
Na Fazenda Jotabasso, fundada por gaúchos em Ponta Porã nos anos 1970, o percentual de vendas já efetuadas é de 50%, revela o diretor-superintendente da empresa, Airton Francisco de Jesus. A empresa prevê colher 1,6 milhão de sacas em duas propriedades. Além de Ponta Porã, há outra fazenda destinada à lavoura de soja em Rondonópolis (MT).
"Só não negociamos um percentual maior da lavoura porque o clima aqui ainda gera incertezas sobre a produtividade devido à ocorrência muito irregular de chuva", diz o administrador da propriedade. Economista da Farsul, Antonio da Luz repete o alerta de Gutierrez para que os produtores não alimentem falsas esperança de vender a safra pelos mesmos valores do ciclo 2015/2016. Apesar da alta crescente no consumo do grão, especialmente na China, o melhor é não tomar a safra passada como referência de valor, alerta o representante da Farsul.
"Mesmo com queda projetada para a safra norte-americana e da redução prevista para a Argentina, o mundo produziu muita soja nos últimos anos. A demanda chinesa cresce entre 8% e 9% por ano, mas a oferta mundial vem atingido patamares ainda maiores. E isso, claro, tem reflexo no preço. Tivemos um pico de US$ 11 o bushel na semana passa, mas está em queda, e hoje gira em torno de US$ 10,50 para vencimento em maio", alerta o economista.