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Crise nos presídios

- Publicada em 26 de Janeiro de 2017 às 16:01

Uso das Forças Armadas pode ferir a Constituição

Com a explosão da violência entre facções, militares começarão a apoiar os estados a partir desta semana

Com a explosão da violência entre facções, militares começarão a apoiar os estados a partir desta semana


ANDRESSA ANHOLETE/AFP/JC
Segundo o Ministério da Defesa, a partir desta semana, cerca de mil homens das Forças Armadas estarão disponíveis para apoiar os estados no combate à violência crescente nas prisões, que gerou mais de uma centena de mortes apenas em janeiro deste ano. A medida foi autorizada há duas semanas pelo governo federal, que condicionou a chegada das tropas à solicitação prévia dos estados em situação mais difícil. A decisão, descrita como "pioneira" pelo porta-voz da presidência, Alexandre Parola, é questionada por especialistas, que apontam a falta de previsão constitucional para a medida.
Segundo o Ministério da Defesa, a partir desta semana, cerca de mil homens das Forças Armadas estarão disponíveis para apoiar os estados no combate à violência crescente nas prisões, que gerou mais de uma centena de mortes apenas em janeiro deste ano. A medida foi autorizada há duas semanas pelo governo federal, que condicionou a chegada das tropas à solicitação prévia dos estados em situação mais difícil. A decisão, descrita como "pioneira" pelo porta-voz da presidência, Alexandre Parola, é questionada por especialistas, que apontam a falta de previsão constitucional para a medida.
Em princípio, a atuação dos militares seria focada no uso de detector de metais e na inspeção de celas, procurando drogas, celulares e armas. O confronto direto com os presos em áreas conflagradas, como a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, não seria autorizado. Roraima deve ser o primeiro estado a receber ajuda para vistorias na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista. No local, 33 presos foram mortos em janeiro.
A fiscalização de presídios é, por definição, uma atribuição dos estados da Federação. No entanto, segundo representantes da presidência, a crise ganhou "contornos nacionais", o que tornou inevitável uma "ação extraordinária" do governo. A cooperação entre estados e a União no combate à crise carcerária é um dos itens do Plano Nacional de Segurança, lançado pelo presidente Michel Temer no começo do mês.
O artigo 142 da Constituição delimita a atuação das Forças Armadas "à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Em acréscimo, a Lei Complementar nº 97/1999 delimita a atuação de oficiais em "ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores". Da mesma forma, prevê o auxílio de Exército, Marinha e Aeronáutica no combate a "delitos de repercussão nacional ou internacional, no território nacional", mas limita essa atuação a "apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução".
Na visão do criminalista Fernando Augusto Fernandes, o artigo 142 não permite o uso das Forças Armadas nos presídios, no formato e condições propostas pelo texto assinado por Temer. "Trata-se de desvio de função, de caráter inconstitucional. Está ocorrendo uma 'Guantanamização' dos presídios", acentua, referindo-se à base dos Estados Unidos onde são mantidas presos acusados de atividade terrorista.
As possibilidades de uso constitucional dos militares nesse cenário, segundo Fernandes, estariam em decretar estado de sítio ou intervenção da União nos estados em crise. Isso exigiria, contudo, aprovação pelo Congresso Nacional, de acordo com o artigo 34, inciso VII, alínea b da Constituição. "Do modo como está proposto, deveria ser questionado junto ao Supremo (Tribunal Federal). Acredito que seria rapidamente declarado como inconstitucional", reforça.
O advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, por sua vez, considera que a medida não fere o artigo 142, uma vez que pode ser enquadrada como um esforço de manutenção da ordem nacional. Mas reitera que, em sua visão, o governo toma uma medida "de fundo eminentemente político", como forma de disfarçar a falta de ações práticas para a melhoria do sistema prisional.
"É uma medida extrema, mas que foge da finalidade das Forças Armadas. O Estado argumenta pela necessidade de ordem, mas é só isso que deve ser levado em conta? E a obrigação de zelar pela integridade física e moral dos presos?", questiona. "Será que todos lá dentro fazem parte de facções? Muitos são provisórios, em processo de reeducação, trabalhando. Será que as Forças Armadas têm treinamento adequado? E se forem recebidos à bala? Vamos derrubar os prédios? Vamos resolver o problema das facções matando todo mundo?"
Somado a precedentes como a atuação de tropas nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, ano passado, e na Copa de 2014, o uso de soldados federais em presídios gera "um precedente perigoso", adverte Fernandes. "Vivemos um momento de enorme fragilidade constitucional. É preciso responsabilidade. Uma solução imediata, como essa, pode criar grandes dificuldades mais adiante, ainda mais em um país com histórico de regimes militares e de exceção."
Procurada pelo Jornal da Lei, a seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil declarou que, por tratar-se de tema de alçada federal, aguardaria a posição do Conselho Federal da entidade antes de dar sua posição. Até o fechamento da matéria, a Ordem federal não havia se manifestado sobre a questão. 

Falta uma estratégia nacional, afirma advogado constitucionalista

Na leitura do advogado criminalista e constitucional Adib Abdouni, o uso das Forças Armadas em estabelecimentos prisionais tende a ser ineficaz, pela falta de um trabalho prévio de inteligência que guie as ações. "Como ir para a guerra sem estratégia?", questiona. Para ele, é preciso um esforço integrado das polícias para separar as facções e deixar os líderes incomunicáveis, o que seria o primeiro passo efetivo para pacificar as prisões.
O criminalista Fernando Fernandes concorda, e vai além. Para ele, é fundamental rever a forma como o Direito Penal vem sendo aplicado no País. "Hoje, temos 35% dos detentos em cautelar, um índice extremamente alto. Isso numa realidade onde apenas 14% estão presos por homicídio e 3% por latrocínio. Estamos lotando os presídios de pessoas que não deveriam estar presas, colocando-as ao lado de homicidas", critica. 
Uma situação que, de acordo com ele, passa também pela postura dos juízes. "O comportamento da magistratura, muitas vezes, remete ao pensamento do tempo das capitanias hereditárias", ataca. "É preciso que os juízes se submetam à lei, que parem de resistir às mudanças legislativas. Hoje, muitos, infelizmente, estão interpretando a lei e os direitos dos acusados da forma que bem entendem", lamenta Fernandes.