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entrevista especial

- Publicada em 23 de Outubro de 2016 às 22:09

Sociedade é cada vez mais fiscalizadora, diz Beckhausen

Compra de votos é a prática eleitoral mais antifa e mais frequente, diz Beckhausen

Compra de votos é a prática eleitoral mais antifa e mais frequente, diz Beckhausen


Marco Quintana/JC
O procurador regional eleitoral Marcelo Beckhausen, responsável pela fiscalização das eleições municipais no Rio Grande do Sul por parte do Ministério Público, acredita que o cidadão é o principal agente fiscalizador de uma eleição. Para ele, a legislação eleitoral está, cada vez mais, incorporada a nossa cultura política. "Quanto maior o conhecimento da cidadania política se tem, maior a capacitação do eleitor para informar as autoridades", constata.
O procurador regional eleitoral Marcelo Beckhausen, responsável pela fiscalização das eleições municipais no Rio Grande do Sul por parte do Ministério Público, acredita que o cidadão é o principal agente fiscalizador de uma eleição. Para ele, a legislação eleitoral está, cada vez mais, incorporada a nossa cultura política. "Quanto maior o conhecimento da cidadania política se tem, maior a capacitação do eleitor para informar as autoridades", constata.
Os números deste pleito confirmam o pensamento: foram quase 2,3 mil denúncias de irregularidades, contra 1,7 mil em 2012. "Nas próximas eleições, provavelmente, estes números vão ser ampliados", comenta. O procurador avalia que a campanha deste ano avançou também em relação à diminuição de custos e à utilização das redes sociais. No entanto, dele também partem críticas.
De um lado, o encurtamento da campanha exigiu celeridade das instituições responsáveis pela fiscalização. De outro, a alteração na lei da Ficha Limpa tira do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e repassa ao Legislativo decidir sobre as contas de prefeitos, o que já acontece no caso dos governadores. O Ministério Público (MP) Estadual é crítico a estas alterações.
"Sinceramente, ficamos decepcionados por estarmos agora a depender de um ato político e não de um exame técnico de contas de um chefe de um Executivo", explica. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Beckhausen afirma que um julgamento político pode conflitar com o parecer técnico do TCE.
Jornal do Comércio - Qual a sua avaliação das eleições 2016?
Marcelo Beckhausen - De uma forma geral, as eleições foram muito dinâmicas. Tivemos uma campanha encurtada pela nova lei, que deixou a campanha com 45 dias. Isso fez com que todos os envolvidos - candidatos, partidos, coligações, Ministério Público e Justiça Eleitoral - tivessem que se empenhar para se adequarem ao novo ritmo. Para as instituições públicas responsáveis pela fiscalização, foi uma eleição complicada, já que aumentou o número de processos e recursos. A demanda precisou ser atendida de forma bastante rápida. Às vezes a reflexão sucumbiu um pouco em torno da necessidade de prestar a jurisdição de uma forma mais célere. Em um processo eleitoral encurtado, foi um grande desafio. Enfim, esta campanha teve avanços, no sentido de que foi uma campanha, ao que tudo indica, mais barata e on-line.
JC - A celeridade na apreciação dos processos prejudicou de alguma maneira o trabalho do MP Eleitoral?
Beckhausen - Como o período eleitoral encurtou e o número de processos aumentou, a dinâmica eleitoral se alterou naturalmente. O número de processos que venceríamos facilmente em uma eleição de 90 dias, nesse ficou mais difícil. Nesse sentido, o rito processual tem que estar adequado ao período da campanha. Do ponto de vista processual, talvez seja necessário realizar algumas mudanças que possibilitem a apreciação e o enfrentamento de todos os processos. O que se nota é que, com o aumento do volume, é necessário que as estruturas institucionais estejam mais aparelhadas ainda para poder dar uma resposta adequada.
JC - Então houve a alteração da lei com a minirreforma sem haver a adequação das instituições que fazem as eleições?
Beckhausen - O que deve ser repensado é esta ideia em relação ao processo, para que a dinâmica não se perca. O processo eleitoral tem que ser rápido. O prazo tem que ser adequado para que sejam respondidas todas as demandas. Isso é uma queixa minha, aqui da Procuradoria Regional do Ministério Público Eleitoral.
JC - E como isso foi transposto?
Beckhausen - Alguns processos que chegaram à procuradoria até o dia da eleição em primeiro turno foram devolvidos. E se sabe que muitos processos continuaram tramitando. A verdade é que a Justiça Eleitoral deu uma amostra de eficiência e qualidade. Isso é algo que nos dá uma satisfação em trabalhar com um tribunal e com uma Justiça Eleitoral que conseguem, mesmo com todas essas dificuldades, atender àquilo que é de sua responsabilidade. E o Ministério Público é um órgão que atua perante a Justiça Eleitoral, e é uma instituição importante na fiscalização e controle, também estava enfrentando estas dificuldades. Entendemos que atendemos a esta demanda de uma forma adequada.
JC - E quais foram os números destas demandas?
Beckhausen - Temos alguns números que são bastante significativos. De 2012 para cá o número de recursos aumentou consideravelmente. Nas últimas eleições foram 660, e agora foram 1.031. Ocorreu também, paralelamente ao processo judicial, um aumento considerável de denúncias, que passaram de 1.707 para 2.259.
JC - Isso é reflexo do quê?
Beckhausen - A legislação eleitoral vai sendo incorporada em nossa cultura política, como a Lei da Ficha Limpa. A sociedade vai se apropriando dessas ferramentas. Quanto maior o conhecimento da cidadania política se tem, maior a capacitação do eleitor para informar as autoridades. Isso é uma tendência natural. Nas próximas eleições, provavelmente, estes números vão ser ampliados. A sociedade vai se envolvendo e se tornando um agente fiscalizador e não depende mais somente das instituições públicas. Diria que o ator mais importante na fiscalização da eleição, e que está em todos os lugares, é o cidadão.
JC - Quais os mecanismos para o cidadão fazer uma denúncia?
Beckhausen - Existem vários caminhos nos quais pode-se informar às autoridades sobre irregularidades. Deslizes devem ser informados ao MP Eleitoral local, à Justiça Eleitoral, aos cartórios eleitorais. A ferramenta principal está na página do Ministério Público, na denúncia via e-mail. Muitas denúncias não têm exatamente a ver com o pleito. Elas envolvem corrupção não eleitoral ou improbidade. Uma grande massa diz respeito ao uso da máquina pública, de forma irregular. Mas a compra de votos também é bastante frequente. Ela é, talvez, a prática ilícita eleitoral mais antiga e que envolve não somente os candidatos que estão ocupando a máquina pública, mas candidatos que possuem dinheiro ou bens. Existem outras ferramentas para a denúncia, como o Pardal, que foi desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao mesmo tempo em que os mecanismos de fiscalização foram aprimorados, também temos uma ferramenta do Ficha Limpa, que é o Sisconta, desenvolvido pela Procuradoria-Geral Eleitoral. Ele analisa as incidências de hipóteses de inelegibilidade dos candidatos. Temos também o Conta Suja, que analisa as doações para candidatos e verifica inconsistências. Doações que podem vir de fontes vedadas - como pessoas jurídicas, empresas ou sindicatos ou autoridades que ocupam cargos de chefia - são apuradas por este sistema.
JC - Falando em irregularidades, houve alguma alteração na Lei da Ficha Limpa que impactou este pleito?
Beckhausen - Sim, uma muito séria. Agora, para que prefeitos se tornem inelegíveis, é necessário que os legislativos avaliem o parecer do Tribunal de Contas. Para nós do MP, isso foi um retrocesso. Claro que a jurisprudência segue esta linha. O Supremo Tribunal Federal que entendeu desta maneira, mas isso é um retrocesso. O que seria um ato técnico se tornou um ato político, dependendo de uma maioria eventual em uma Câmara de Vereadores. Mas enfim, é a decisão do STF e está sendo observada pelo MP e pelo TRE.
JC - E as outras esferas do Poder Executivo?
Beckhausen - É difícil falar como isso vai se projetar numa eleição geral. É necessário salientar o seguinte: no caso de prefeitos, o STF não enfrentou, por hora, a situação de convênios com entidades não municipais, estes que existem com União e Estado e derivaram recursos públicos a serem gerenciados pelos prefeitos. Existem alguns elementos que ainda podem, bastando o parecer e o entendimento do Tribunal de Contas, decretar a inelegibilidade de um candidato que foi prefeito. É difícil falar sobre o futuro, mas não esperávamos que esta decisão fosse por este caminho. Sinceramente ficamos decepcionados por estarmos agora a depender de um ato político e não de um exame técnico de contas de um chefe de um Executivo.
JC - Boa parte dos governos costuma ter maioria nos Legislativos...
Beckhausen - E se for ao contrário? Que não tenha e fique refém de uma Câmara de Vereadores. O ideal seria que o parecer, um exame técnico, pudesse valer no sentido de fazer incidir ou não a inelegibilidade. Existe uma possibilidade de uma desaprovação das contas não gerar automaticamente inelegibilidade. O importante é um exame técnico de especialistas nesta questão. Semana passada, por exemplo, foi julgado pelo TSE uma questão importante sobre os candidatos que são condenados em ações de improbidade. Entendeu-se que, para ocorrer a inelegibilidade, é necessário que a improbidade gere danos ao erário, com lesão aos cofres públicos, e que também tenha o enriquecimento ilícito do candidato ou terceiros vinculados a ele. Foi decidido pela cumulatividade de dano mais enriquecimento. Sempre entendemos aqui que bastaria um destes elementos.
JC - E os números deste ano referentes às impugnações?
Beckhausen - Foram 813 ações de impugnação ao registro de candidatura só pelo Ministério Público Eleitoral. Destas, 53 relativas a prefeito e vice, e o restante a vereador.
JC - Foram impugnados o presidente do Legislativo da Capital, Cassio Trogildo (PTB), o prefeito eleito de Gravataí, Daniel Bordignon (PDT), e o prefeito eleito de São Leopoldo, Ary Vanazzi (PT). Inclusive, o último após as eleições. Como fica a situação destes políticos?
Beckhausen - A candidatura do Vanazzi foi impugnada tempestivamente. O julgamento dela no segundo grau se deu após as eleições. Ele estava com a candidatura deferida no momento do pleito. Pode participar normalmente e foi indeferido no segundo grau. Provavelmente o advogado do partido tentará reverter a decisão junto ao TSE. Ele foi julgado e tinha a candidatura deferida. O nosso parecer foi no sentido de deferimento da candidatura. Eles aguardam julgamento do TSE.
JC - Outra alteração foi quanto ao espaço em debates e o tempo de TV dos partidos. Como essa nova legislação se saiu na prática?
Beckhausen - Hoje se entende que os candidatos precisam ter uma representatividade no Congresso para serem automaticamente convidados para debates. Senão precisam ter sua participação aprovada pelos outros. Julgo importante essa legislação, já que visa a atender uma parcela do interesse público no sentido de que os candidatos, em tese, principais, são os que vão poder participar. Tem a questão de um certo freio aos outros, que são bons candidatos, e que querem mostrar a sua plataforma. Posso estar fazendo um exercício de futurologia, mas a tendência é de que os partidos que não têm uma representatividade no Congresso sofram bastante já que não poderão ocupar espaços destinados aos demais partidos para apresentar seus projetos.
JC - A utilização da internet na campanha seria uma maneira de contornar isso?
Beckhausen - Estas foram as eleições em que as redes sociais mais foram utilizadas. É uma maneira de enfrentamento. Diria que, para quem trabalha com fiscalização e controle de gastos nas eleições, é algo bastante esperançoso. A internet permite que as pessoas ocupem esses espaços sem a necessidade de dispender grandes quantias. Às vezes a criatividade pode valer mais. E também, de certa forma, coloca todos no mesmo patamar. Quando a legislação e a jurisprudência proíbem artifícios de links patrocinados, justamente favorece que os candidatos tenham uma estatura muito parecida, ao menos na internet.
JC - Em Porto Alegre tivemos eleições com acirramento de discursos e, inclusive, com candidatos partindo para representações judiciais. No que isso implica?
Beckhausen - Todo o pleito tem o enfrentamento judicial. Os candidatos que se sentem lesados por afirmações podem utilizar do Poder Judiciário para tentar um direito de resposta ou algum tipo de sancionamento ao infrator. O acirramento dentro dos limites razoáveis e que não afetem a compreensão dos eleitores por permanecer em uma esfera de acusações que não apresenta projetos ou planos de governo é normal. Mas o eleitor quer saber de propostas. O acirramento pode desconstituir isso. Nosso Judiciário enfrenta isso de uma maneira bastante temperada. Os candidatos podem criticar a administração ou o candidato, mas obviamente isso tem um limite definido pela lei e pela jurisprudência.

Perfil

Marcelo Veiga Beckhausen nasceu em Porto Alegre em 1969. Foi empossado como procurador regional eleitoral do Rio Grande do Sul em maio de 2014, cargo no qual atua até o momento. Neste ano, Beckhausen completou 20 anos de Ministério Público, onde também exerceu os cargos de procurador regional dos direitos do cidadão e procurador-chefe da Procuradoria da República do Rio Grande do Sul. Promovido a procurador regional da República, atuou na Procuradoria Regional da República na 4ª Região na Área Criminal, como membro do Núcleo de Apoio Operacional à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (Naop/4ª Região) e como procurador regional eleitoral substituto. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 1992. Também é mestre pela Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), com pesquisa sobre o reconhecimento constitucional da cultura indígena. Desde 2000, é professor assistente da Unisinos.