Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Geral

- Publicada em 25 de Setembro de 2016 às 22:19

'Questão curricular não pode ser discutida isoladamente'

Professora Maria Beatriz Luce acredita que um problema complexo requer uma solução complexa

Professora Maria Beatriz Luce acredita que um problema complexo requer uma solução complexa


RAMON MOSER/UFRGS/DIVULGAÇÃO/JC
Deivison Ávila
A Medida Provisória (MP) do governo federal que prevê a reforma do Ensino Médio tem gerado preocupações na comunidade escolar. A ideia é diminuir os conteúdos obrigatórios, privilegiando cinco áreas de concentração: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.
A Medida Provisória (MP) do governo federal que prevê a reforma do Ensino Médio tem gerado preocupações na comunidade escolar. A ideia é diminuir os conteúdos obrigatórios, privilegiando cinco áreas de concentração: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.
As principais críticas se deram em razão da possibilidade de disciplinas como Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia perderem carga horária ou, até mesmo, serem extintas. A definição do que será eliminado ou mantido dependerá do conteúdo da futura Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em fase de conclusão.
O Jornal do Comércio conversou com a professora Maria Beatriz Moreira Luce, do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), para entender o que o Ensino Médio tem a ganhar e a perder com a mudança, prevista para entrar em vigor no início do ano letivo de 2018.
Jornal do Comércio - As escolas estão preparadas para receber estas alterações na grade curricular?
Maria Beatriz Moreira Luce - Para aumentar a carga horária (que passará das atuais 800 horas para 1,4 mil horas anuais), a escola tem que funcionar em três turnos. É preciso um prédio maior ou diminuir o número de alunos atendidos. O corpo docente e técnico também precisa aumentar. O governo está propondo R$ 1,5 bilhão, o que não dá para muita coisa no conjunto de escolas de Ensino Médio no Brasil. O problema não é apenas curricular. É de recursos, é de formação de professores, é de investimento na infraestrutura. É a falta de laboratórios, é a falta de bibliotecas, é a falta de quadras de esporte... A questão curricular não pode ser isolada dos demais fatores que compõem uma escola: infraestrutura, profissionais, currículos e materiais de tecnologia, tudo isso em função do aluno. Agora, que o Ensino Médio tem que melhorar, isso é claro. No entanto, um problema complexo requer uma solução complexa.
JC - Quais os principais desafios que o governo federal encontrará para implantar as mudanças no novo currículo?
Maria Beatriz - Antes de o governo executar estas mudanças, seria necessário que os professores fossem integrados a um programa de formação continuada. Para que os estudantes passem as 1,4 mil horas anuais na escola, o educador precisa estar preparado adequadamente. Hoje em dia, este profissional se divide em mais de uma instituição de ensino para complementar a renda. Ele deveria ter uma exclusividade de 60 horas em apenas um lugar. É melhor que ele se dedique mais a uma escola, conheça mais seus alunos, participe das reuniões e se aprimore nesta escola.
JC - A MP indica que o aluno, no terceiro ano do Ensino Médio, poderá escolher as disciplinas que mais se adequarem ao curso que ele pretende fazer na universidade. A senhora acredita que adolescentes estejam preparados para fazer esta escolha?
Maria Beatriz - Se a escolha for prematura, ela acaba sendo excludente. O que se critica muito é que essa preparação prematura por parte do aluno prejudique sua formação futuramente. Porém, isso não quer dizer que a gente não deva ter um currículo com variedade de temas. Por exemplo, ele pode estudar uma língua com diferentes opções da literatura. Ou, ainda, dar uma ênfase à crônica ou à poesia. O importante é valorizar a multidisciplinaridade. Um projeto integrado, por exemplo, de um clube de cinema no currículo do Ensino Médio, é uma ótima opção. Esta flexibilidade já está posta e incentivada na legislação e nas diretrizes curriculares brasileiras. O que as nossas escolas têm é pouco incentivo, pouco tempo e pouca formação para trabalharem desta maneira.
JC - Como a senhora avalia a questão dos profissionais da educação com notório saber, já que a MP prevê que estas pessoas com essa atribuição possam ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação?
Maria Beatriz - É muito delicado. Em primeiro lugar, isso vai contra a política de valorização profissional. Nos preocupa muito, porque uma coisa é ter o domínio de um ofício, outra é ter a formação pedagógica para ser professor de um adolescente. Não se espera que este profissional venha apenas compartilhar seu conhecimento, mas sim fazer parte de um corpo docente que irá elaborar um projeto curricular. O que mais nos causa preocupação é que, da forma como está escrito, parece sugerir que profissionais que trabalham com outras perspectivas, que não a educação, venham atuar na escola.
JC - De que forma a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) pode influenciar nas mudanças do novo currículo do Ensino Médio?
Maria Beatriz - A BNCC, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), diz que deverá haver uma parte diversificada em cada sistema de ensino e em cada escola. A BNCC não pode ser o todo do currículo na escola. Ela é apenas a parte comum a todas as instituições de ensino. Por outro lado, é obrigatório ter uma parte diversificada. Por exemplo: no Rio Grande do Sul, tem a questão da cultura regional. Isso também tem que estar no currículo. As escolas definem o que querem ter em seus currículos. Agora, a forma que esta MP está querendo modificar a LDB acaba por impor. Porém, se a BNCC já está praticamente pronta para ser examinada e discutida pelo Conselho Nacional de Educação (órgão que irá conciliar alguns pontos pendentes), serão acrescidas as cinco áreas que deveriam estar no Ensino Médio. Isso não estava posto como um condicionante para esta discussão que já foi feita da Base Comum.
JC - A senhora acredita que haverá mudanças nesta MP ou o governo federal implantará o novo currículo como ele está sendo apresentado?
Maria Beatriz - O mundo da política é muito forte. É muito pouco educativo se ter uma política educacional que não seja participativa. Afinal, o debate é a essência da política nacional, para que uma diversidade de concepções possa aflorar. É preciso deixar claro o conceito que está em disputa. Eu temo pelo fato de que eles se apressaram. Acredito que foi algo, aparentemente, açodado. Eles se deram conta que, ao nomear a extinção de coisas que tinham sido postas na LDB, por força de organizações de base e por movimentos sociais organizados, iriam inviabilizar a discussão disso no Congresso Nacional. A MP tem 120 dias para ser votada. Eu estimo que este período seja no verão. Agora, o Congresso está em meio a uma campanha eleitoral, daqui a pouco vem o final de ano, férias e Carnaval. Então, eles estão contando com um tempo com pouca participação do Congresso. No entanto, eu creio que haverá uma grande mobilização para esta discussão.
JC - A justificativa para a urgência da mudança foi de que as avaliações do Ensino Médio mostram números muito ruins.
Maria Beatriz - Muitas escolas realizaram mudanças curriculares junto às secretarias de Educação estaduais que ainda não têm resultado em exames como o Enem, como a Prova Brasil e outras avaliações. Essas mudanças vêm ligadas à divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que apresentou números ruins. A gente sabe que o modelo curricular de uma escola não está dentro dos fatores que mais influenciam nos resultados dos estudantes em uma prova. O que influencia são as circunstâncias de vida de cada um, a formação do professor, a escola ter equipamentos e laboratórios, ter uma boa infraestrutura. Estes são fatores que aparecem visivelmente associados aos melhores resultados da escola, e não se o currículo tem mais opcionais. Os objetivos do Ensino Médio precisam ser de uma formação humanística, científica e tecnológica no mundo de hoje.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO