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Teatro

- Publicada em 22 de Setembro de 2016 às 22:43

Uma vida provisória

A apresentação de Ulisses no País das Maravilhas não foi apenas a estreia de mais um texto do dramaturgo Julio Zanotta, mas, também, a abertura de um novo espaço para o teatro na cidade. Zanotta já tem lugar assegurado na história das artes cênicas da Capital. Foi ele quem, nas difíceis décadas da ditadura mais recente do País, ajudou a criar o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, escrevendo textos, dirigindo espetáculos, revisando espetáculos históricos em si mesmos, como a montagem de O café, única produção dramática de Mário de Andrade, num estreito, mas vibrante espaço na Ramiro Barcelos.
A apresentação de Ulisses no País das Maravilhas não foi apenas a estreia de mais um texto do dramaturgo Julio Zanotta, mas, também, a abertura de um novo espaço para o teatro na cidade. Zanotta já tem lugar assegurado na história das artes cênicas da Capital. Foi ele quem, nas difíceis décadas da ditadura mais recente do País, ajudou a criar o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, escrevendo textos, dirigindo espetáculos, revisando espetáculos históricos em si mesmos, como a montagem de O café, única produção dramática de Mário de Andrade, num estreito, mas vibrante espaço na Ramiro Barcelos.
Zanotta enfrentou censura e polícia, tornou-se editor e, depois, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro. Então, sumiu. Viajou, refletiu e renasceu, como fênix, publicando uma dezena de textos dramáticos inéditos e buscando concretizá-los em montagens variadas. Foi aí que se deu o encontro entre ele e o Instituto Histórico e Geográfico Rio-Grandense (Ihgrgs). Situado num antigo prédio da rua Riachuelo, o Ihgrgs passa dificuldades para manter suas atividades, graças à exasperante falta de atenção e apoio das autoridades constituídas para uma missão tão significativa quanto a do instituto. Pois Zanotta descobriu o espaço, decidiu-se por recuperá-lo, transformá-lo num novo teatro e cumpriu sua palavra. Zanotta é um visionário.
É como visionário, aliás, que, de certo modo, ele também escreve. Ulisses no País das Maravilhas é, por óbvio, uma paráfrase do romance de Lewis Carroll e da epopeia de Homero. Do mesmo modo como aquelas narrativas desafiavam a realidade, o dramaturgo propõe-se a discutir a sua realidade imediata. Frise-se, ele não tem respostas ou soluções, apenas apresenta a sua problematização, e é assim que a encenação se coloca.
Tenho uma primeira versão deste texto, editada pelo próprio autor, em 2013, graças à prefeitura municipal de Porto Alegre. Nele, temos dois personagens: Ulisses, "escritor frustrado", como o qualifica o dramaturgo, e Clara, "garota sensível", mas perdida. Na rua, o caos. A jovem adentra o apartamento de Ulisses, transformado numa espelunca suja e infecta. Os dois personagens se digladiam ao longo de todo o espetáculo. Na montagem atual, Zanotta transformou a jovem Clara no velho Nero. A situação básica é a mesma, mas a troca de personagens, evidentemente, retirou a referência sexual do texto original.
Ulisses é um antigo professor de literatura, frustrado, transformado num quase farrapo humano, dependente de drogas. Nero é, nesta versão, um velho gagá que inventa sua realidade para fugir às frustrações de seu contexto imediato. O público é convidado a acompanhar o que, de certo modo, são as buscas de ambos os personagens (daí a referência a Alice - ela à procura de sua realidade e Ulisses que, na mitologia grega, depois da guerra de Troia, perambula pelo mar de Egeu, de ilha em ilha, antes de regressar à casa, onde o espera Penépole, a tecer diariamente, uma certa busca de sua própria identidade). Se, no texto de Homero, esta identidade é política, na dramaturgia de Julio Zanotta a identidade é subjetiva, mas, ao mesmo tempo, social.
Na encenação, a música de Vagner Cunha acentua a dramaticidade, enquanto a cenografia de Gelson Radaelli, o figurino de Irene Machado e a iluminação de Luís Acosta enfatizam os contextos em que a ação se desenvolve.
Sirmar Antunes, um dos mais respeitáveis atores de Porto Alegre, encarna com convicção a figura do velho até certo ponto propositadamente desmemoriado, enquanto Pablo Parra incorpora um revoltado e, ao mesmo tempo, dependente Ulisses, para quem aparentemente não há saída. A peça se encerra como começou: os personagens estão sem solução. Suas decisões e sua sorte não dependem deles mesmos e, sim, de outros. Não se trata, evidentemente, de um espetáculo animador, do ponto de vista emocional. Na noite de estreia, com os convidados, o auditório esteve bem ocupado. Espera-se que a temporada alcance boa repercussão. De qualquer modo, Julio Zanotta evidencia manter-se fiel a si mesmo. E é isso o que importa.
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