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Cidadania

- Publicada em 22 de Setembro de 2016 às 18:53

CNJ pode instituir nome social em órgãos do Poder Judiciário

Com votação pela metade, decisão está nas mãos do Conselho Nacional de Justiça

Com votação pela metade, decisão está nas mãos do Conselho Nacional de Justiça


GIL FERREIRA/AGÊNCIA CNJ/DIVULGAÇÃO/JC
Uma resolução próxima de ser aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode ampliar a cidadania para pessoas trans, transexuais e travestis nos ambientes ligados ao Judiciário. A partir dela, o uso do nome social - pelo qual a pessoa prefere ser identificada e que reflete sua identidade de gênero - passa a ser regulamentado em foros, varas, tribunais e cartórios de todo o Brasil. O texto passou por um processo de sistematização, após consulta popular entre os meses de junho e julho.
Uma resolução próxima de ser aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode ampliar a cidadania para pessoas trans, transexuais e travestis nos ambientes ligados ao Judiciário. A partir dela, o uso do nome social - pelo qual a pessoa prefere ser identificada e que reflete sua identidade de gênero - passa a ser regulamentado em foros, varas, tribunais e cartórios de todo o Brasil. O texto passou por um processo de sistematização, após consulta popular entre os meses de junho e julho.
No momento, a proposta está com votação pela metade no plenário do CNJ. No final de agosto, quatro conselheiros, incluindo o relator Carlos Eduardo Dias, votaram de forma favorável à versão mais recente do texto - mas o corregedor João Otávio de Noronha pediu vistas, o que interrompeu a sessão. Com o prazo regimental para que o texto seja devolvido já quase encerrado, caberá à nova presidente do CNJ, Carmen Lúcia, pautar a questão em uma das próximas sessões.
De acordo com Dias, a natureza da resolução fazia com que fosse especialmente importante realizar uma consulta pública. Foram cerca de 80 contribuições, vindas de entidades ligadas a demandas LGBT, servidores, advogados e psicanalistas. "A receptividade ao texto original foi muito boa, e foi possível fazer um aprimoramento grande a partir das sugestões recebidas", acentua. Segundo o conselheiro, já há um "esclarecimento grande" dentro do CNJ sobre a questão. "Acredito que o assunto será enfrentado sem dificuldades", reforça.
A resolução garante a possibilidade de uso do nome social a "pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, aos magistrados e magistradas, aos estagiários, aos servidores e trabalhadores terceirizados do Poder Judiciário em seus registros, sistemas e documentos". A adoção do nome social será prioritária em quase todas as esferas do Judiciário, com exceção de comunicações a órgãos externos onde a não utilização do nome de registro possa causar problemas na obtenção de direitos por parte do requerente. No caso de magistrados, servidores, estagiários ou terceirizados, a solicitação de uso do nome social pode ser feita por escrito no ato da posse ou em qualquer momento posterior.
Pela norma, fica garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços separados por gênero de acordo com a identidade de gênero e não do sexo de cada pessoa. Também estão previstos esforços de formação continuada sobre o tema pelas escolas nacionais da magistratura, bem como pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário, em cooperação com as escolas judiciais.
Além de normatizar o uso do nome social por parte de magistrados, servidores e terceiros, Dias defende que a nova regra terá efeito positivo sobre os usuários do sistema judiciário. "Não é raro acontecer de chamarem uma testemunha com nome masculino e ingressar na sala uma pessoa com aparência de mulher, por exemplo. Isso causa um embaraço tanto para a própria testemunha quanto para os servidores, que ficam sem saber como dirigir-se a essa pessoa, se devem perguntar o nome feminino... A principal ideia é que, a partir da resolução, possamos eliminar esses constrangimentos."
A iniciativa do CNJ dialoga com outras medidas que vêm sendo adotadas por órgãos públicos estaduais e federais. Em abril deste ano, foi editado pela então presidente Dilma Rousseff o Decreto nº 8.727, que dispõe sobre o emprego do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais na administração pública federal. Em 2014 e 2015, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) também editou duas resoluções sobre o tema. Uma delas, de nº 11/2014, criou parâmetros para a inclusão dos itens "orientação sexual", "nome social" e "identidade de gênero" em boletins de ocorrência policial, enquanto a Resolução nº 12/2015 trata do reconhecimento da identidade de gênero em instituições de ensino.

Medida deve criar 'efeito cascata' positivo

Mulher transexual e militante de direitos humanos, a advogada Luisa Stern acredita que, uma vez lançada, a resolução pode causar um "efeito cascata" benéfico à causa das pessoas trans. Ela lembra o trajeto seguido por outra conquista importante dentre as demandas LGBT: o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
"Após as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o CNJ aprovou uma resolução (em 2013) impedindo que cartórios se recusassem a firmar o casamento igualitário. Foi uma medida que consolidou uma conquista", explica.
De acordo com Luisa, existe uma barreira social que dificulta o acesso de transexuais e travestis ao ambiente judiciário, e que tende a ser aliviada na medida em que a resolução seja aprovada. "São pessoas muito maltratadas, e que acabam deixando de reivindicar direitos por terem medo de serem maltratadas novamente dentro do serviço público. São agredidas, roubadas e preferem não ir na delegacia, por medo de serem tratadas como se fossem elas as criminosas. A partir dessa decisão, talvez isso vá deixando, aos poucos, de ser um receio."
A ativista participou ativamente das discussões do Decreto Estadual nº 49.122, de 2012, que instituiu a emissão e o uso da carteira de nome social para travestis e transexuais no Rio Grande do Sul. Segundo ela, mesmo sendo uma medida "intermediária", ela continua tendo força simbólica na conquista de direitos em escala nacional. "Mesmo que a carteira não tenha valor fora do Estado, foi a primeira vez no País que um órgão emissor atendeu à identidade de gênero."

Expectativa de vida trans é menos da metade da média nacional

A situação envolvendo pessoas trans no Brasil é extremamente grave. Segundo dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis do Brasil (Antra), a expectativa de vida de uma pessoa transexual ou travesti no País é de cerca de 35 anos - bem abaixo da média nacional, estimada pelo IBGE em 75,2 anos. Além disso, 40% de todos os assassinatos de pessoas trans registrados no mundo ocorrem em solo brasileiro. Ainda segundo a Antra, 90% das travestis e transexuais brasileiras vivem da prostituição.
Na medida em que ações voltadas a essa população vão sendo adotadas por órgãos públicos, também ocorrem reações contrárias. Em maio deste ano, deputados de dez partidos protocolaram projeto que pretende revogar o Decreto Presidencial nº 8.727. Os parlamentares alegam que a alteração ou abreviatura de nomes deve ser alvo de lei, não estando dentro do alcance de um decreto. Entidades ligadas a causas LGBT criticam a proposta, alegando que o nome social não causa mudança no registro civil.