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memória

- Publicada em 04 de Setembro de 2016 às 22:12

Caso das mãos amarradas completa 50 anos em 2016

Monumento ao caso das mãos amarradas no Parque Marinha

Monumento ao caso das mãos amarradas no Parque Marinha


ANTONIO PAZ/JC
A descoberta do caso das mãos amarradas completou 50 anos em agosto passado. A vida do sargento Manoel Raymundo Soares, um dos militares que se opôs ao regime militar instalado no País a partir de 1964, atrai curiosos pela sua combatividade.
A descoberta do caso das mãos amarradas completou 50 anos em agosto passado. A vida do sargento Manoel Raymundo Soares, um dos militares que se opôs ao regime militar instalado no País a partir de 1964, atrai curiosos pela sua combatividade.
Ligado a grupos de resistência à repressão, Soares foi encontrado morto, com as mãos amarradas por sua própria camiseta, às margens da Ilha das Flores, em Porto Alegre, no dia 24 de agosto de 1966, ano em que foi preso.
Nascido no Pará em 1936, o militar abriu mão de sua carreira consolidada para marcar posição contrária ao golpe de Estado protagonizado pelas Forças Armadas. "Aos 18 anos despediu-se da mãe com um beijo e a promessa de um dia retornar a Belém com motivos suficientes para ela sentir orgulho do filho e ter certeza de que o seu esforço não fora em vão", descreve Rafael Guimaraens, no livro O Sargento, o Marechal e o Faquir, editado pela Libretos.
"Aos 20 anos já era sargento. Mudou-se para o Rio de Janeiro a fim de seguir carreira militar e se envolveu com movimentos de resistência, por toda aquela furiosa hierarquia do Exército", conta Guimaraens, em entrevista.
A consequência de sua luta foi além do que se esperava. A temporalidade de sua morte em relação a sua prisão é atípica. O militar foi sequestrado pelo regime em março e permaneceu na Ilha do Presídio até seu último mês de vida, enquanto a maior parte dos presos políticos eram assassinados ainda nas sessões de tortura, focadas em conseguir informações da resistência. Soares resistiu à dor física e psicológica sem denunciar seus companheiros, mas não aguentou uma sessão de afogamento que foi desencadeada graças às tentativas de deixar a Ilha. Seu paradeiro foi denunciado em cartas vazadas.
Enfurecidos pelo terceiro pedido de habeas corpus aberto pela esposa do militar, orientada pelo próprio por meio das cartas, os repressores resolveram dar um basta e descobrir de que maneira Soares conseguia comunicação com pessoas de fora da Ilha. "Quem fazia a guarda não era gente do sistema. Era a polícia militar e a polícia civil. Muitos destes policiais, que não eram do sistema, foram solidários com os presos por verem a situação em que eles estavam", conta o coordenador da Comissão Estadual da Verdade (CEV), Carlos Frederico Guazzelli.
Soares recebeu diversos reconhecimentos pela sua história. Uma rua em Porto Alegre e outra no Rio de Janeiro levam o seu nome. O Centro Acadêmico das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense também. Algumas escolas pelo País foram nomeadas em homenagem ao militar. Na capital gaúcha, ainda existe um monumento relativo ao caso no Parque Marinha do Brasil, em linha reta em relação ao local em que o corpo de Raymundo Soares foi localizado na Ilha das Flores.
Informações da CEV foram utilizadas no livro de Rafael Guimaraens, que narra detalhadamente a vida do militar-militante. Os jornais da época também foram usados na reconstrução do caso. Segundo o autor, em um primeiro momento o caso foi tratado como um assassinato comum, versão confirmada também por Guazzelli. "O caso foi tratado até com sensacionalismo por todos os jornais já que era um crime misterioso", conta.
Isso permitiu que uma investigação civil fosse iniciada antes mesmo de se saber do envolvimento da ditadura no caso. "A investigação já estava em rumo, os jornais já estavam fazendo matérias. Isso favoreceu a investigação policial. O promotor Paulo Tovo teve uma coragem muito grande no sentido de superar as pressões e levar até o fim as investigações", ressalta Guimaraens, ao falar do livro, com 272 páginas que incluem um caderno de fotos e reprodução de documentos relativos ao caso.

Major que comandou Dopinha é um dos responsáveis por morte de Soares

O major Luiz Carlos Menna Barreto era bastante conhecido durante os anos de chumbo em Porto Alegre. Ele comandava o centro clandestino de torturas conhecido como Dopinha (localizado na rua Santo Antônio, 600, em Porto Alegre), de acordo com a Comissão Estadual da Verdade (CEV), bem como foi responsável por uma liberação falsa de Manoel Raymundo Soares do Dops, dias antes de sua morte.
Durante o inquérito, o promotor Paulo Tovo chegou à seguinte conclusão, conforme narra Rafael Guimaraens em seu livro: "Já se sabe que a ordem para a liberação do ex-sargento (...) partiu do major Luiz Carlos Menna Barreto e quem o executou foi José Morsh", escreve. "Por muitas vezes se pensou que Soares tivesse sido levado ao Dopinha, que ficava na rua Santo Antônio, para ser torturado", conta Rafael Guimaraens, que acredita na passagem do personagem apenas pelo Dops.
Ainda assim, Guimarães apoia a criação de um centro de memória no antigo centro de torturas, proposta encabeçada pelo Comitê Carlos de Ré (CCR) de Memória, Verdade e Justiça. "Estamos com muitas feridas abertas ainda, familiares que não acharam seus entes, torturadores que estão pelas ruas, temos pessoas desinformadas que tem uma ideia da ditadura como algo que trazia segurança, que não existia conflito. Era o contrário", explica. Guimaraens enfatiza a "política do esquecimento" promovida com a Lei de Anistia. O prédio foi colocado no rol de interesse histórico da cidade pela atual administração.