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entrevista especial

- Publicada em 31 de Julho de 2016 às 22:01

Luciana Genro quer aumentar a participação popular em Porto Alegre

"Hoje, a população vota e não participa mais. Quero inverter essa lógica"

"Hoje, a população vota e não participa mais. Quero inverter essa lógica"


MARCO QUINTANA/JC
Candidata à prefeitura de Porto Alegre pelo PSOL, Luciana Genro defende - como um dos principais eixos do seu programa de governo - a participação da população através de uma plataforma na internet, onde as pessoas possam contribuir com o governo com sugestões de projetos.
Candidata à prefeitura de Porto Alegre pelo PSOL, Luciana Genro defende - como um dos principais eixos do seu programa de governo - a participação da população através de uma plataforma na internet, onde as pessoas possam contribuir com o governo com sugestões de projetos.
Luciana inaugura a série de entrevistas do Jornal do Comércio com os postulantes ao Paço Municipal. A ordem dos candidatos foi estabelecida segundo a sequência em que foram sendo confirmados em convenção por seus respectivos partidos.
Ciente das dificuldades financeiras dos municípios, cuja receita própria e recursos transferidos pela União e Estado tem minguado, a candidata do PSOL tem um série de propostas com baixo custo aos cofres públicos. Especialmente em saúde e segurança pública, duas das áreas mais requisitadas pela população.
Luciana também fala das tratativas - frustradas, segundo a própria candidata - com a Rede Sustentabilidade para tentar uma coligação. A Rede deliberou na semana passada por um indicativo de apoio ao principal adversário de Luciana, o vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB), que já conta com 13 partidos em sua coligação. Apesar de aparecer na liderança das pesquisas de intenção de voto, até agora, o PSOL conta apenas com o apoio do PPL.
Jornal do Comércio - O que difere a sua candidatura das demais?
Luciana Genro - A gente vive hoje um descrédito muito grande na política. Esse descrédito tem base na deterioração no modo de operação dos partidos. Esse desgaste acontece a nível nacional, como ficou exposto na Operação Lava Jato, nas propinas, na corrupção, no loteamento partidário, feito desde o governo Lula (PT), passando pelo governo Dilma (PT), e agora no governo Temer (PMDB). Mas isso também acontece aqui em Porto Alegre. Estamos vendo o principal candidato da base do governo (Sebastião Melo) fazer alianças políticas sem nenhuma afinidade ideológica, o que pode resultar em uma coalizão de até 17 partidos. Só que, em vez de um debate programático, houve loteamento de cargos, de secretarias, quem sabe até de favores e recursos para as campanhas. A população vem rejeitando cada vez mais essas práticas.
O PSOL se diferencia desse método. Construímos nossa proposta de governo com base em um debate com a sociedade, depois de fazer dezenas de reuniões com professores, médicos, especialistas das mais diversas áreas, com propostas concretas nas áreas da saúde, segurança pública etc. Também recebemos sugestões da sociedade através de uma plataforma na internet que criamos no início do ano, chamada Compartilhe a Mudança.
JC - A plataforma na internet para receber sugestões da população também consta no seu programa de governo, até como alternativa para governar sem maioria na Câmara de Vereadores...
Luciana - Nossa relação com a Câmara vai ser baseada na transparência e na afirmação de projetos que não serão de partidos, nem do meu, nem de nenhum que eventualmente governe conosco. Serão projetos da própria sociedade. Essa ideia de governar com democracia real é um dos eixos fundamentais da nossa proposta. Inclusive pretendo levar para o governo a plataforma de internet que usamos para construir um programa, a exemplo do que vi na prefeitura de Madri, com a prefeita Manuela Carmena, cujo governo é resultado de uma confluência de forças políticas e sociais de esquerda e da própria cidadania organizada. As pessoas vão contribuir com as suas propostas e, se elas tiverem o apoio de 2% do eleitorado, vão a um plebiscito. Se forem vencedoras na consulta popular, o governo vai encampar as propostas e apresentá-las para a Câmara como projeto de lei. E vai ter força porque veio da sociedade. Então, a relação com qualquer partido - seja de oposição ou que componha o governo conosco - vai ser baseada nessa correlação de forças entre a sociedade organizada e o próprio Legislativo, que é muito sensível a essa pressão externa.
JC - É uma modernização da democracia participativa...
Luciana - Exatamente. É uma busca pela democracia real. Hoje, a nossa democracia é muito precária: as pessoas são chamadas a votar e depois não participam mais do governo, não participam mais da gestão da cidade. Hoje, as pessoas são convocadas apenas para chancelar um candidato no pleito eleitoral. Quero inverter essa lógica. Quero uma participação real das pessoas, durante todo o processo do governo. Porto Alegre tem uma história que vai nesse mesmo sentido. Basta vermos a história do orçamento participativo, que, aliás, precisa ser revitalizado, porque hoje está esvaziado e burocratizado. De qualquer forma, isso demonstra que a Capital tem uma cidadania organizada, com potencial e com vontade de participar e construir as políticas públicas para a cidade.
JC - No lançamento da sua candidatura, foram mencionadas algumas propostas que podem ser feitas com pouco dinheiro. Que exemplos poderia dar?
Luciana - Na área da segurança pública, temos a clareza de que a prefeitura não pode ser uma mera espectadora, se limitando a um papel subsidiário na segurança da cidade. Ela precisa ser mais pró-ativa, sob diversos ângulos. Claro que vamos cobrar que o Estado faça o seu papel, mas também vamos fazer da Guarda Municipal uma guarda comunitária, vinculada à cidadania de Porto Alegre, inserida nos bairros. Informação é um dos maiores requisitos para fazer uma segurança pública de qualidade. Só que a informação só chega às forças de segurança se a população confiar nelas. Hoje a população não confia e, em muitos lugares, têm até medo. Por isso, queremos que a Guarda esteja presente nas comunidades e, assim, possa ajudar a Brigada Militar, a Polícia Civil e a cidadania a se organizar.
JC - A Guarda Municipal vai ter um novo direcionamento...
Luciana - Mais do que isso, uma novidade que queremos implantar é a integração da EPTC no sistema de segurança pública. A EPTC é muito importante para a segurança viária, prevenção de acidentes e educação no transito, mas precisamos aproveitar os recursos humanos que temos na EPTC para incrementar a rede de segurança na cidade e nas vias públicas. É nas ruas e avenidas, onde acontece grande parte dos assaltos e roubo de carros. Então é muito eficaz integrar a EPTC nesse processo.
JC - É necessário ter uma maior integração entre as forças de segurança...
Luciana - Imagina uma política assim... Hoje temos o Balada Segura, que basicamente é uma barraca na avenida para multar motoristas embriagados, o que temos que fazer realmente. Mas imagina uma Balada Segura de verdade. Funcionaria assim: eu, como prefeita, anuncio que hoje a Balada Segura vai ser na Cidade Baixa, e as pessoas poderão ir tranquilas para lá, porque encontrarão agentes da EPTC, guardas municipais espalhados pelas ruas, para ajudar na vigilância, na ocupação da cidade, para impedir que seja ocupada por elementos que pretendem cometer crimes. Faremos isso na Cidade Baixa, no Bom Fim, no Centro, na Zona Sul, na Zona Norte... Vamos revezando os locais da operação, criando uma rede de segurança que possa integrar os diversos atores do Estado, da prefeitura e da cidadania.
JC - Além da segurança pública, outro anseio da população porto-alegrense diz respeito à saúde, principalmente para quem depende do sistema público. Quais as ideias para a área?
Luciana - Hoje, temos um déficit de profissionais, especialmente médicos especialistas, déficit de leitos, principalmente nas emergências, além da precariedade dos postos de saúde, onde as estruturas estão velhas, e faltam até remédios. O governo federal tem diminuído os recursos dos municípios, inclusive das UPAs. De 10 que deveriam estar funcionando, oito estão paradas, porque a União não manda os recursos. Além disso, o dinheiro que vem para o SUS está defasado em relação ao custo do atendimento ao paciente. Isso está sobrecarregando Porto Alegre. Como buscar soluções criativas e que ataquem esses problemas estruturais, com essa escassez de recursos? Temos duas propostas que vão ajudar a amenizar o problema: a utilização de um sistema que já existe e não custa nada para a prefeitura, que é o Telessaúde; e o atendimento telefônico para a população.
JC - Como funcionaria?
Luciana - O Telessaúde é um convênio que existe entre as faculdades de Medicina, o governo federal e as prefeituras, em que os médicos especialistas prestam auxílio aos médicos do Programa Saúde da Família, fazendo com que o atendimento deles nos postos de saúde tenha uma maior resolubilidade. Hoje, o cidadão vai ao posto e o médico de lá remete a um especialista, porque sequer pode requisitar alguns exames, por causa de algumas portarias municipais. Só que o especialista para o qual os pacientes são encaminhados estão sobrecarregados, e a população acaba ficando em uma fila interminável. Em algumas cidades, o Telessaúde teve sucesso em diminuir até 70% a fila de determinadas especialidades. Então, vamos revogar essas portarias que impedem o médico do posto de requisitar exames e aparelhar os postos para que, na hora de atender o paciente, o profissional da saúde tenha o auxílio do especialista por telefone ou internet. Quanto ao serviço telefônico de atendimento à população, esse serviço pode ser criado pelo mesmo grupo que criou o Telessaúde, por um custo de cerca R$ 5 milhões ao ano, o que é pouquíssimo em relação ao que é gasto com saúde anualmente.
JC - O PSOL busca uma aliança com a Rede Sustentabilidade, que, embora ainda não tenha batido o martelo, está inclinada a apoiar a candidatura do vice-prefeito. É possível reverter essa tendência?
Luciana - É muito difícil. Buscamos fazer uma aliança programática com a Rede Sustentabilidade, que infelizmente não se realizou porque os setores reacionários dentro da rede venceram a batalha política. Mas vamos ter certamente o apoio de lideranças da Rede, como o Marcos Rolim e o Montserrat Martins, que certamente não vão apoiar o Melo. Nosso debate político consolidou os setores mais progressistas da Rede conosco, mas infelizmente os métodos de cooptação do Melo foram mais poderosos que o debate programático.
JC - Sem a aliança com a Rede, as emissoras de rádio e televisão ficam desobrigadas de convidá-la para os debates, apesar das pesquisas de intenção de votos a indicarem como favorita. Além disso, dois terços dos candidatos têm que aprovar a sua participação nos debates. Como avalia essa situação?
Luciana - Acho que, se eu não for convidada para os debates, vai ser um prejuízo gigantesco não só para a minha campanha, mas também para todo o processo democrático das eleições. É absolutamente inaceitável que uma candidatura competitiva e com respaldo popular seja vetada nos debates. E, mesmo que não fosse competitivo, seria injusto. Não consigo acreditar que as emissoras não vão me convidar ou que os candidatos vão me vetar. O candidato que me vetar vai estar demonstrando sua absoluta covardia, seu absoluto desrespeito ao processo democrático e com a população, que tem o direito de conhecer as propostas de todos os candidatos. Além disso, eu vou ter 12 segundos na televisão. Como vou apresentar propostas nesse tempo, sem participar dos debates?
JC - Um dos adjetivos usados para defini-la, do ponto de vista político, é radical. Como o eleitorado vê essa designação?
Luciana - Cada vez menos as pessoas têm a percepção de radical, no sentido ruim da palavra. Quanto mais as pessoas me conhecem, escutam e leem as minhas propostas, mais compreendem que o meu radicalismo significa uma vontade de ir à raiz dos problemas e não simplesmente ficar na superfície. O meu radicalismo significa um apego a princípios que não são só meus, mas compartilhados pela grande maioria das pessoas, da ética, do respeito, da lealdade, da combatividade. Minha postura não é intransigente ou de recusa ao diálogo, é uma postura de recusa a fazer o jogo da política tradicional. Nesse sentido, o radicalismo é bem visto.

Perfil

Luciana Krebs Genro nasceu em 17 de janeiro de 1971, em Santa Maria. Logo, mudou-se com a família para o Uruguai, por conta da repressão da ditadura militar ao pai, o ex-governador Tarso Genro (PT, 2011-2014). Voltou à Capital em 1974. Começou a trajetória política no movimento estudantil do Colégio Júlio de Castilhos, discursando no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 1985. Trabalhou como professora de inglês de 1988 a 1994, profissão que deixou para assumir o primeiro mandato como deputada estadual pelo PT. Se reelegeu em 1998. Foi eleita deputada federal em 2002, na mesma eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu a corrida presidencial. Crítica das alianças e das políticas do primeiro governo federal do PT, acabou sendo expulsa da sigla em 2003, quando votou contra a reforma da Previdência proposta pelo Planalto. Participou da campanha de coleta de assinaturas para fundar o PSOL. Em 2006, se reelegeu deputada federal. Dois anos depois, disputou a prefeitura de Porto Alegre. Em 2014, foi candidata à presidência da República, ficando em quarto lugar, com 1,55% dos votos.