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entrevista especial

- Publicada em 19 de Junho de 2016 às 22:13

Carlos Araújo acredita que volta de Dilma ao poder é remota

"Temer perderá o seu principal aliado. Quero ver ele dominar o Congresso sem Cunha", diz Araújo

"Temer perderá o seu principal aliado. Quero ver ele dominar o Congresso sem Cunha", diz Araújo


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Ex-marido e advogado da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), Carlos Araújo (PDT) acredita que a possibilidade de Dilma voltar a governar o País é "remota". Para ele, o processo de impeachment da presidente foi motivado por interesses de diversas forças políticas nas eleições de 2018.
Ex-marido e advogado da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), Carlos Araújo (PDT) acredita que a possibilidade de Dilma voltar a governar o País é "remota". Para ele, o processo de impeachment da presidente foi motivado por interesses de diversas forças políticas nas eleições de 2018.
"Por trás do impeachment está a eleição presidencial de 2018, está o medo de o (ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) se eleger outra vez", avaliou Araújo. Ele também fez um prognóstico do cenário para 2018: possíveis candidatos e alianças entre partidos.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Carlos Araújo ainda criticou o governo do presidente interino Michel Temer (PMDB), por desfazer avanços sociais conquistados ao longo das gestões de Lula e Dilma. Como advogado da petista, também falou sobre a ação que busca reaver benefícios que cabiam a ela antes de ser afastada do cargo - como o uso do avião presidencial, por exemplo.
Jornal do Comércio - Qual a possibilidade de Dilma voltar ao cargo de presidente?
Carlos Araújo - Essa possibilidade existe, mas é remota. Há uma possibilidade, porque a conjuntura muda muito, por conta de todas essas notícias sobre o novo governo, denúncias de corrupção etc. Isso acaba alterando um pouco a conjuntura. Mas acho que ainda persiste a vontade do Senado de afastá-la. Afinal, por trás do impeachment está a eleição presidencial de 2018, está o medo de o Lula se eleger outra vez. Se o Lula morresse amanhã, terminavam todas as disputas políticas em torno do impeachment. Porque o raciocínio dos apoiadores do golpe - entendo que a deposição da Dilma é um golpe - é mais ou menos o seguinte: primeiro, vamos afastar a presidente para ela não ter força para apoiar o Lula em 2018; depois, vamos condenar o Lula para ele não poder ser candidato, senão ele ganha a eleição, como apontam as pesquisas de intenção de voto até agora. Como o bloco majoritário no Senado está envolvido nessa jogada, quem vai se opor a isso? Quem se opõe é o PT, o PCdoB, o PDT... Mas eles não têm uma força muito expressiva.
JC - O senhor diz que o impeachment está relacionado à próxima eleição presidencial. Como antevê o cenário de 2018?
Araújo - O atual governo é comandado por uma fração do PMDB que tem uma postura quase de extrema-direita, uma postura anti-movimentos sociais. Acho difícil que esse grupo ganhe a eleição em 2018, por conta de todas as medidas que estão tomando, algumas inclusive difíceis de acreditar, como, por exemplo, o fechamento de todos os mais de 5 mil centros sociais. Além disso, dão sinais de que vão acabar, de um jeito ou de outro, com o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família etc. Essa auditoria que estão anunciando para o Bolsa Família tem o objetivo de deixar o programa "desse tamanhozinho". Por todas essas questões, acho que não vão ganhar a eleição.
JC - Em outras palavras, o que está dizendo é que Michel Temer - possível candidato peemedebista em 2018 - não sobrevive politicamente ao próprio governo?
Araújo - Acho que o Temer não é o melhor candidato para o PMDB. Além disso, agora, as coisas em torno das eleições parecem apaziguadas, porque fizeram um acordão nesse governo em cima do afastamento de Dilma. Mas não é uma coisa pacífica. Na luta interna, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, vão disputar com o Temer a candidatura à presidência. O Temer está desgastado, como mostram as pesquisas de popularidade. E, quanto ao Paes, agora, começaram a vir à tona os esquemas de corrupção no Rio de Janeiro. Então, não vejo qualquer candidato do PMDB com chance.
JC - Historicamente, os candidatos a presidente do PMDB não conseguem ir muito longe...
Araújo - A gente não pode ignorar a história. Por exemplo, ex-governador de São Paulo e ex-presidente do PMDB, Orestes Quércia foi boicotado pelo seu próprio partido em 1994, quando concorreu à presidência, no auge da sua popularidade. O PMDB é uma federação de lideranças estaduais, cada estado tem um líder, que não se comunica quase nada com o outro. Aí, quando surge uma candidatura própria à presidência, têm os caciques que apoiam e os que não apoiam. Então, está fadado ao fracasso, porque não tem uma unidade interna. E acho difícil que haja unidade em 2018. Principalmente se o Temer cumprir o que está nos jornais: que vai acabar com 4 mil cargos de confiança. Se acabar, vai ser o suicídio político dele. Porque aí que não consegue a unidade mesmo. Além disso, o custo desses cargos para o orçamento é muito pequeno.
JC - Quais são os possíveis adversários do PMDB em 2018?
Araújo - Um partido que tem a obrigação de disputar a presidência da República é o PSDB, mas ele está rachado - de forma irreversível, ao que parece. Na convenção para a eleição municipal a prefeito de São Paulo, ficou claro que existem dois grupos ligados a dois presidenciáveis: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador Aécio (Neves). Acho que os dois serão candidatos. O Alckmin sabe que o Aécio domina a estrutura partidária, por isso, ao escolher o seu vice (Márcio França, PSB) na reeleição ao governo do estado, já preparou sua ida para o PSB. Então, teremos Aécio pelo PSDB e Alckmin pelo PSB. Tem ainda Marina Silva (Rede), que é uma pessoa que representa os grandes monopólios internacionais de minérios, o que foi denunciado de forma muito branda na campanha eleitoral de 2014. Veja que, apesar de ela dizer que é comprometida com os movimentos ecológicos, não emitiu uma nota sequer sobre a tragédia no Rio Doce, em Mariana, Minas Gerais. Por quê? Porque ela é comprometida com aquele esquema. Além disso, têm ainda as denúncias de doações ilegais a sua campanha presidencial. Tudo isso fragiliza a candidatura dela.
JC - Isso cria um ambiente mais favorável ao PT?
Araújo - Não digo que fica um ambiente propício para o PT. Fica propício para o Lula. O Lula é parecido com o Getúlio Vargas: as conjunturas se alteram, mas parece que não acontece nada com ele. É claro que, se o Lula for impedido de concorrer, vai ser difícil para esse bloco mais ou menos formado hoje - entre PT, PCdoB e PDT - encontrar um candidato. Prestaria o Jacques Wagner (PT) e o Ciro Gomes (PDT). Só que agora já estão processando o Jacques Wagner para não poder ser candidato também. Talvez reste o Ciro, que, com todo o seu temperamento e as suas considerações, é um candidato interessante.
JC - Como avalia a ascensão do pré-candidato Jair Bolsonaro (PSC), que tem melhorado a posição nas pesquisas de intenção de voto. O que isso significa?
Araújo - No mundo inteiro, por causa da crise do capitalismo, há uma tendência de partidos de extrema-direita se fortalecerem, mas não a ponto de tomarem o poder. O único caso que tem essa possibilidade é a Áustria, porque, por toda a história do país, a extrema-direita tem uma força mais expressiva lá. Na França, por exemplo, eles fazem entre 15% e 20% dos votos. Aqui, o Bolsonaro aparece nas pesquisas com 8% dos votos, o que são muitos votos. Creio que ele tem potencial para crescer um pouco mais até. Acho difícil que chegue aos patamares da extrema-direita francesa, com 18%, 20% dos votos. Mas pode acontecer, o que tornaria o Bolsonaro uma força expressiva. O problema na candidatura dele é outro, na minha opinião. Acho que ele não consegue aliados: o PSDB não é aliado, o DEM não é muito chegado, o PPS também não... Enfim, o Bolsonaro vai seguir o seu caminho, e vamos conviver com ele.
JC - Críticos do governo Temer o acusam de resgatar a agenda neoliberal. Concorda?
Araújo - Sim. Tomara que não privatizem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal etc. Porque, quanto à Petrobras, já anunciaram que os incrementos necessários podem ser adquiridos no exterior, não precisa mais ter a preferência nacional. Isso é uma vergonha, porque, se uma parte da burguesia brasileira estava comprometida com processos de corrupção, há outra parte que só quer ganhar dinheiro. Essa burguesia é produtiva, e não dá para passar por cima dela. Proporcionou um fortalecimento da indústria naval no Brasil e vários outros setores, por exemplo. Acabar com isso é uma coisa inacreditável. É uma coisa difícil de acreditar, porque não é só antipovão, antitrabalhador, é antinacional. Nem o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que também era antinacional, radicalizava tanto.
JC - Existem avanços da gestão petista que o senhor considera comprometidos no governo Temer?
Araújo - O principal avanço são os benefícios sociais, que eles (do governo interino) vão mexer. Não é para menos que deram o Ministério do Desenvolvimento Social para uma das pessoas direitistas do Brasil, o deputado Osmar Terra (PMDB). Isso é um perigo muito grande, porque foi uma conquista lenta. Chegaram a cortar o programa de cisternas nas periferias de algumas localidades do Nordeste. Fora as baixarias, como tirar o avião da presidente, a alimentação do Palácio do Planalto, que aliás tem um monte de funcionários de carreira, além dos governantes. O que é isso? São mesquinharias.
JC - A justificativa para muitos desses cortes é cobrir o déficit deixado pelo governo Dilma. Como avalia essa afirmação do governo Temer?
Araújo - Estão extrapolando a realidade. O déficit não é daquele tamanho. Em um momento de crise, sempre tem déficit. Ele gira em torno de R$ 70 bilhões, R$ 80 bilhões. Isso é possível cobrir. A CPMF resolvia isso. Todas as questões tem como ajeitar, não precisa fazer isso aí. Poderia resgatar a economia em termos capitalistas. Aliás, o capital financeiro não apoiou esse golpe. Os bancos têm criticado o governo Temer, porque querem estabilidade para ganhar dinheiro. Essa confusão política que armaram causa intranquilidade para a economia.
JC - O governo Temer já anunciou que pretende enviar ao Congresso Nacional reformas polêmicas, como a da Previdência, por exemplo. Acredita que terão maioria no Parlamento para isso?
Araújo - Eu vejo muita dificuldade para o Temer, principalmente agora que vai perder o principal aliado dele, que é o presidente afastado da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB). Quero ver ele dominar o Congresso sem o Cunha. Agora, o Congresso vai começar a chantagear o governo. As coisas não vão ficar fáceis para o governo conseguir aprovar várias medidas.
JC - O senhor é advogado da presidente Dilma na ação que busca reaver alguns benefícios, como por exemplo o uso do avião presidencial. Como está esse processo?
Araújo - Qual é a controvérsia da ação? É que o Congresso, quando votou o afastamento da Dilma, fixou as regras que ela iria obedecer. Só que o Temer, depois de assumir, alterou tudo aquilo. Queremos que se mantenham as normas que foram definidas pelo Senado. Nada além disso. O Temer não pode mudar aquelas leis. É uma coisa insana, principalmente cortar a alimentação do Palácio do Planalto, o que contempla também centenas de funcionários, dos jardins, da segurança, funcionários de carreira, que estão lá há anos.
JC - Onde está tramitando essa ação?
Araújo - Houve uma ação popular contra a Dilma, de um cara do Rio Grande do Sul, pedindo a suspensão do uso do avião, que caiu na 10ª Vara Federal, mas não foi acolhida. Por isso, entendemos que aquela vara é a competente para ver outra ação similar, sobre o mesmo assunto. Então, entramos com dependência, que é uma possibilidade do Direito, nessa 10ª Vara. A juíza titular estava de férias, e a juíza substituta disse: "vou me dar por incompetente, porque são ritos diferentes da ação popular e dessa outra ação que é ordinária". Aí, em questão de dois ou três dias, foi para a 6ª Vara. Lá, fui falar com a juíza, e ela disse: "não dou liminar sem falar com a parte contrária". Argumentei que a parte contrária tem o prazo de 30 dias para se manifestar. "Mas tenho um acordo que estipula que o prazo aqui é de cinco dias, inclusive já comuniquei a Advocacia-Geral da União (o prazo passou a ser sexta-feira, dia 17 de junho)", completou ela. Mas a juíza pode também dizer que a competência não é dela. Aí vai ter que ir para o tribunal e, consequentemente, a ação perde todo o caráter de urgência.

Perfil

Carlos Franklin Paixão Araújo, 77 anos, nasceu em São Francisco de Paula. Aos 14 anos, ingressou na Juventude do Partido Comunista Brasileiro - na época, clandestino. Sua trajetória é marcada por inúmeras prisões - as primeiras quando pichava os muros de Porto Alegre com os dizeres O Petróleo é Nosso. Seguiu no partido até 1957. Depois, participou de grupos de esquerda, inclusive fora do Estado. Retornou na Campanha da Legalidade, em 1961, ao lado de Leonel Brizola. Formou-se em Direito pela Ufrgs. Uniu-se a grupos armados do Centro do País, sendo um dos dirigentes da VAR Palmares. Ficou preso de 1970 a 1974. Na guerrilha, conheceu Dilma Rousseff (PT), com quem foi casado por 30 anos. Depois dos anos duros, voltou à advocacia e uniu-se a Brizola no PDT. Elegeu-se deputado estadual em 1982, sendo reeleito por mais duas legislaturas. Concorreu à prefeitura da Capital em 1988 e 1992. Deixou a vida pública em 1995, em razão de um enfisema pulmonar. Desfiliou-se do PDT no início dos anos 2000. Voltou ao partido em 2013.