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Teatro

- Publicada em 20 de Junho de 2016 às 13:47

Shakespeare em dose dupla

Estreada possivelmente em 1604, mas só impressa em 1623, Medida por medida é uma das tantas obras dramáticas de Shakespeare inspiradas a partir de múltiplas fontes. Nos volumes das obras completas do bardo de Stratford-on-Avon, em geral, Macbeth segue-se a Medida por medida. Também Macbeth se inspira em obra alheia, uma coleção daquelas antigas lendas fundadoras da Inglaterra, e eventualmente não seria obra de redação exclusiva de Shakespeare, mas teria contado com a contribuição de um contemporâneo, Thomas Middleton, sobretudo nas passagens em que se apresentam as bruxas em diálogo com Macbeth.
Estreada possivelmente em 1604, mas só impressa em 1623, Medida por medida é uma das tantas obras dramáticas de Shakespeare inspiradas a partir de múltiplas fontes. Nos volumes das obras completas do bardo de Stratford-on-Avon, em geral, Macbeth segue-se a Medida por medida. Também Macbeth se inspira em obra alheia, uma coleção daquelas antigas lendas fundadoras da Inglaterra, e eventualmente não seria obra de redação exclusiva de Shakespeare, mas teria contado com a contribuição de um contemporâneo, Thomas Middleton, sobretudo nas passagens em que se apresentam as bruxas em diálogo com Macbeth.
Macbeth foi estreada provavelmente em torno de 1609, mas só veio a ser impressa, igualmente, na edição de 1623. Assim, pois, mais que uma simples vontade do ator-produtor Thiago Lacerda e do diretor Ron Daniels, a proximidade dessas duas peças não é casual e, na verdade, guardadas as características específicas de cada uma delas, ambas possuem um tema em comum, extremamente atual, que é a ambição - ambição, no entanto, que deva ser travestida de humildade e respeito à lei. Assim acontece com Ângelo, que impõe uma perspectiva extremamente dura no cumprimento da lei para com seus súditos, mas rende-se aos encantos de Isabela e por ela não titubeia em quebrar a regra por ele mesmo defendida; do mesmo modo, Macbeth, tão logo ouve as profecias das bruxas, deixa-se dominar pela ambição, ainda mais exacerbada pela esposa, o que o leva à traição e ao assassinato. No primeiro caso, a denúncia vem desde fora. No segundo caso, são os próprios criminosos que sucumbem à força da consciência de seus erros. Se, na comédia, como exige o gênero, tudo acaba bem e recompostos os elementos do cotidiano, na tragédia - porque assim também o exige o gênero - chega-se ao mais profundo dos desenlaces, com uma nova guerra civil, e, enfim, a possibilidade da paz raiando no horizonte.
A produção de Repertório Shakespeare está organizada de modo a poder ser transladado através do País com relativa facilidade. Isso não chega a justificar, contudo, o telão que alude ao Abaporu de Tarsila do Amaral, que não tem nenhuma utilidade na encenação de Medida por medida, ainda que chegue a ser utilizado em Macbeth. Quanto às divisórias, presentes em ambas as montagens, atravessando a cena de lado a lado, elas são inteligentemente usadas, porque permitem muitas saídas/entradas dos personagens nas múltiplas e sucessivas cenas de ambas as montagens, o que, no caso de espaços variados que serão encontrados através das cidades a serem visitadas pela trupe, é, evidentemente, uma vantagem e uma solução.
A atualização de textos clássicos sempre é uma coisa que me preocupa. Não sou contra tais adaptações, pelo contrário. Em geral, elas se justificam pela busca de uma aproximação do texto clássico junto ao público contemporâneo. Mas elas precisam, antes de mais nada, respeitar o original e, em segundo lugar, criar sua própria unidade. Ora, se é meio estranho a entrada de figuras que me lembram diabos chineses, em Macbeth, mas tolerável; incongruente ficou, porque depois não é desenvolvida ou aprofundada, a presença de porta-bandeiras dos folguedos nordestinos nos primeiros momentos de Medida por medida, porque acabam se tornando gratuitas e sem justificativa, na medida em que não são reutilizadas na linha subsequente da encenação que, de modo geral, é relativamente clássica (salvo, no caso de Macbeth, nos figurinos, já que os figurinos de Medida por medida são bastante fiéis às vestimentas de época em que a ação da peça decorre), tanto num, quanto no outro caso.
No elenco, Thiago Lacerda vive o falso Ângelo na comédia Medida por medida, que reparte seu espaço com Marco Antonio Pâmio, personificando o Duque; e depois, encarna o próprio Macbeth, neste caso repartindo seu espaço com Luisa Thiré, que personifica sua esposa, na tragédia, enquanto na comédia é Isabela, a irmã do condenado Cláudio, que se esforça por salvá-lo da morte. Este trio comanda ambas as encenações, com qualidade e personalidade. Mas o restante do elenco também é bastante interessante, ainda que se obrigue a multiplicar em figuras de cena, já que as peças de Shakespeare são sempre prolíficas na quantidade de personagens, o que é um desafio para um elenco em viagem.
Em resumo, gostei mais de Macbeth do que de Medida por medida, na dupla encenação assinada pelo diretor Ron Daniels. Num contexto em que atores de televisão se limitam a textos comerciais em suas excursões, merece respeito e aplausos a iniciativa de Lacerda em investir em textos clássicos e um autor consagrado, cuja obra completa seus seiscentos anos de permanência.
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