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Educação

- Publicada em 22 de Maio de 2016 às 22:18

Ocupações revelam nova face da luta estudantil

 Leonardo, Gabriela e Theo relatam objetivos do movimento que se espalhou pelo Estado

Leonardo, Gabriela e Theo relatam objetivos do movimento que se espalhou pelo Estado


MARCO QUINTANA/JC
Quando, no dia 11 de maio, cerca de 200 alunos da Escola Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, resolveram dobrar as mangas e ocupar a escola, nem os estudantes do colégio, nem a comunidade escolar gaúcha e muito menos o governo do Estado esperavam que, em menos de duas semanas, o movimento iria se espalhar por todo o Rio Grande do Sul. Hoje, a mobilização envolve, ao menos, 128 escolas e, pela primeira vez, tirou o protagonismo da luta pela valorização do ensino público das mãos de professores, entidades estudantis, sindicatos e partidos políticos e o colocou nas dos próprios estudantes.
Quando, no dia 11 de maio, cerca de 200 alunos da Escola Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, resolveram dobrar as mangas e ocupar a escola, nem os estudantes do colégio, nem a comunidade escolar gaúcha e muito menos o governo do Estado esperavam que, em menos de duas semanas, o movimento iria se espalhar por todo o Rio Grande do Sul. Hoje, a mobilização envolve, ao menos, 128 escolas e, pela primeira vez, tirou o protagonismo da luta pela valorização do ensino público das mãos de professores, entidades estudantis, sindicatos e partidos políticos e o colocou nas dos próprios estudantes.
O movimento, que começou na Emílio Massot e ganhou o Estado, é livremente inspirado na mobilização dos estudantes paulistas, que tem como faísca a proposta de reorganização da rede escolar e que também defende a distribuição de merenda nas escolas. Aqui, porém, os motivos vão além. Mesmo que cada colégio tenha sua pauta específica de reivindicações, todos eles fomentam objetivos comuns e que ganham força com a manifestação organizada. O Jornal do Comércio recebeu, na quarta-feira da semana passada, alunos das escolas Padre Reus, localizada no bairro Tristeza, e Agrônomo Pedro Pereira, que fica na Agronomia, ambas em Porto Alegre, para debater a respeito do movimento, entender as motivações e vislumbrar o futuro de uma geração que não se contentou em fazer parte, e sim quis tomar a frente no debate.
Aos 16 anos, Gabriela Bitencourt quer ser figurinista. Ela mesma admite que a ideia que se tem da profissão que pretende seguir não se coaduna com a imagem de uma militante. Basta ouvir por alguns minutos a estudante do 2º ano do Ensino Médio da Pedro Pereira, porém, para notar a seriedade do envolvimento na mobilização. “Não vou para casa desde a outra quarta-feira!”, disse a presidente do Grêmio Estudantil da escola.
A ideia de que ocupações são um pretexto para que não haja aulas e para a prática de atividades sem relação com a pauta estudantil – como o consumo de drogas e álcool – não resiste a uma conversa de alguns minutos com os jovens. “Fizemos um cronograma de atividades, estamos dando oportunidades para que os alunos aproveitem aquele tempo e não fiquem só parados. Acho que as pessoas vão sair amadurecidas dessa experiência. Os alunos estão tendo que limpar a escola, fazer as refeições. Vão saber, por exemplo, o que a tia da limpeza passa quando eles picham uma porta”, afirma Gabriela, enfatizando o papel formador de um conceito de cidadania que o movimento está criando entre os estudantes.
Theo Comissoli está no 3º ano do Ensino Médio. A desenvoltura e a articulação do aluno do Padre Reus ao falar sobre a ocupação no colégio e sobre o movimento como um todo fazem com que seu interlocutor fique quase que hipnotizado ao ouvi-lo. “Começamos a ver as insurgências em outros estados, em São Paulo, no Rio de Janeiro. Aquilo nos motivou”, destaca.
Assim como a maior parte dos jovens, aos 16 anos, Theo ainda não sabe ao certo quais os caminhos profissionais que pretende seguir e suas predileções oscilam entre as áreas da Educação, da Física e da Geografia. O estudante faz questão de destacar que o movimento não tem lideranças políticas ou, até mesmo, de organizações estudantis. “O protagonismo é nosso, é um movimento dos secundaristas. Não vamos reprimir a entrada de entidades e estamos abertos à construção, mas não queremos coletivos ou entidades colocando bandeiras e impondo seus ideais”, enfatiza.

Apoio dos pais é fundamental

Uma mobilização de menores de idade passa pela aquiescência dos pais. Sem o apoio de casa, as ações fora dela perdem força. “O apoio dos pais tem sido muito forte. Eles passam as tardes conosco, cozinhando, fazendo lanches”, ressalta Gabriela. Theo, por sua vez, salienta a importância do envolvimento da sociedade. “Estamos tendo apoio da comunidade. Eles passam em frente ao colégio e apoiam. Recebemos comentários negativos também. Dizem que estamos nos reunindo para fazer festa, sexo, fumar maconha. Queremos mostrar que não é nada disso”.

Privatização e proibição de debates políticos preocupam

Uma preocupação conjunta dos representantes das duas escolas e também da maioria das outras ocupações – uma rápida visita às páginas das organizações nas redes sociais dá uma noção clara das reivindicações – é o Projeto de Lei nº 44/2016, de autoria do Executivo estadual, que abre a possibilidade de privatização do ensino público, e o Projeto de Lei nº 190/2015, do deputado estadual Marcel van Hattem (PP), que cria o programa Escola sem Partido.
Para Theo, a luta por um ensino de qualidade caminha ao lado da resistência a uma possível guinada em direção à privatização. “Não sei o que é pior: o sucateamento ou a privatização”, observa. Já Gabriela questiona as intenções de um projeto que pretende tornar o ambiente escolar estéril ao debate político. “A escola tem que ser um lugar para se questionar. Esse espaço já é limitado e esse projeto vem para nos privar desse diálogo.” Para os jovens, somente um compromisso de valorização do ensino pode fazer com que as escolas sejam desocupadas. “Gostaríamos de levar a pauta ao governador, mas não saberemos se ele vai ter tempo, pois está ocupado definindo o Dia da Igreja ou o Dia da Uva, e o secretário da Educação está conhecendo Barcelona”, ironiza Theo, lembrando que o titular da Secretaria Estadual da Educação (Seduc), Vieira da Cunha, saiu em férias em meio à mobilização.
A crítica ao Palácio Piratini é compartilhada por Leonardo Rodrigues, 15 anos, que está no 2º ano do Ensino Médio do Pedro Pereira. “Antes da ocupação, não havia diálogo com o Estado. Quando as ocupações começaram, eles apareceram, mas nunca no sentido de apoiar. Queriam descobrir o que estava acontecendo para parar com aquilo”, observa o jovem que, no futuro, pretende trabalhar na área de Tecnologia da Informação.

Cpers denuncia repressão do Estado às ocupações

Embora a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) tenha descartado o uso de violência para reprimir as ocupações de estudantes em escolas públicas do Estado, o Cpers/Sindicato convocou uma coletiva de imprensa, na sexta-feira, para anunciar que o acordo não vem sendo cumprido. Denúncias que chegam ao sindicato dão conta de orientações das coordenadorias regionais aos diretores, para que durmam nas escolas e tranquem as portas dos banheiros e das despensas. Além disso, viaturas policiais são frequentemente vistas circulando no entorno dos colégios.
Para Helenir Schürer, presidente do sindicato, a intenção das coordenadorias é provocar a saída dos alunos. Em greve desde segunda-feira da semana passada, os professores possuem pautas que coincidem com a dos estudantes, mas Helenir garante que o Cpers não incitou nem estimulou as ocupações. "Quem tentar diminuir o movimento vai errar e errar feio. Os pais e os estudantes estão apoiando e o movimento deixou de ser só de professores e funcionários."
A professora também aproveitou para repudiar com veemência um vídeo publicado na página do deputado estadual Marcel Van Hattem (PP). No vídeo, de quase seis minutos, o deputado acusa os professores de estarem utilizando os alunos como massa de manobra para fortalecer a greve da categoria. "Isso é tirar o protagonismo dos alunos. Esse menino (referindo-se ao deputado) não tem ideia da capacidade dos alunos em exercer a cidadania. Estamos encantados com o movimento deles", argumentou a presidente. O deputado Van Hattem é autor do Projeto de Lei 190/2015, que institui o Programa Escola Sem Partido, uma das pautas reivindicadas pelos estudantes.
Por enquanto, não há previsão de encerramento da paralisação. Helenir acredita que, enquanto o governo não acenar em favor dos pedidos da categoria, a greve, que já atraiu 60% das escolas estaduais, deverá seguir. Até agora, 60% das escolas estaduais aderiram. Os professores protestam contra o parcelamento de salários, o reenquadramento das escolas na condição de "Difícil Acesso", o projeto de lei que prevê alteração na contribuição ao Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs) e o Projeto de Lei 44/2016, que qualifica entidades privadas sem fins lucrativos como organizações sociais. Procurada, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) não deu retorno à reportagem.