Michele Rolim
Um encontro de gerações. Assim pode ser definida a nova companhia que surge entre os artistas Gero Camilo, 45 anos, e Victor Mendes, 28 anos, chamada Tertúlia. O grupo está em processo de formação - conta também com a produtora Flávia Corrêa - e deve estrear oficialmente neste ano com um espetáculo sobre samba no contexto da ditadura militar, ainda sem título. Mas a parceria dos dois atores no palco já acontece.
O mais recente espetáculo que ambos atuam é Caminham nus e empoeirados, baseado no conto homônimo do livro A Macaúba da Terra, do próprio Gero Camilo. Conta a história de dois atores que abandonam uma companhia e seguem juntos pela estrada. O trabalho é fruto de uma parceria entre Brasil e Portugal, no qual Gero Camilo dividiu a direção com a portuguesa Luisa Pinto. Em cena estava Victor Mendes contracenando com João Costa (ator de Portugal). Quando o ator estrangeiro voltou para seu país, ele foi substituído pelo próprio Camilo.
A parceria começou mesmo com o espetáculo Aldeotas, visto por Mendes "apenas" 10 vezes. Dirigidos por Cristiane Paoli Quito, os artistas encenam a trajetória de Levi e Elias, dois amigos de infância que se reencontram em fragmentos de memórias na pequena cidade de Coti das Fuças.
Aldeotas foi reconhecido no Prêmio Qualidade Brasil 2004, categoria Melhor Ator, para Gero Camilo; e no Prêmio Shell 2004, categoria direção. Escrita por Camilo, a peça já teve Marat Descartes e Caco Cioler interpretando Elias, papel atual de Mendes.
O espetáculo percorre o Rio Grande do Sul por 10 cidades dentro do Arte Sesc - Cultura por toda parte. As apresentações já ocorreram em Montenegro, Canoas, São Leopoldo, Santa Cruz do Sul e, agora, seguem para Caxias do Sul (amanhã), Passo Fundo (sábado), Carazinho (10 de abril), Ijuí (12 de abril), Camaquã (14 de abril) e Farroupilha (17 de abril).
Apesar dos 12 anos em que a montagem está em cartaz, segue atual e com grande público. "Ela fala de memória coletiva. A força maior está na capacidade de rememorarmos a nossa própria lembrança, seja ela sobre amigos de infância, traumas, experiências etc", conta Gero Camilo, que já a encenou na Capital, assim como A casa amarela, em outras oportunidades.
Além do desejo de fazer teatro, Camilo e Mendes também têm em comum a formação na Universidade de São Paulo em épocas diferentes. Camilo é um multiartista, com vasto currículo em música, teatro e cinema, tendo participado de filmes como Carandirú e Cidade de Deus. Na televisão, participou das minisséries Hoje é dia de Maria, Brava gente, Som & Fúria e do remake da novela Gabriela, na Rede Globo. Na música, lançou dois CDs com composições próprias e parcerias. O primeiro chama-se Canções de invento, e o segundo, Megatamainho.
Na próxima produção, ambos devem trabalhar no mesmo texto. "Está na hora de ele também tirar uns textos da gaveta", brinca Camilo. "Estamos em um outro momento na dramaturgia no País, com nomes como Gracê Passô, Leo Moreira, entre outros. Essa galera reabriu o espaço, e isso tende a crescer mais com esse momento político", completa Mendes.
Apesar da temática de Aldeotas não ser política, Camilo afirma que toda arte é política. "A minha obra tem sempre algo que nos questione sobre alguma situação social", diz ele, que já se recusou a participar de um filme no Sul (que não revela o nome) por conta do personagem estereotipado. "Retratava o nordestino como um jeca tatu; foi o único filme que fui chamado pra protagonizar, mas não o suficiente para me convencer", conta.
A dupla quer transformar a peça Aldeotas em um longa-metragem com direção do próprio Gero Camilo e de Gabriel Nóbrega. Mas a prioridade é a companhia teatral. "Há uma troca de gerações. O aprendizado vem dos dois lados", finaliza Camilo.