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Política

- Publicada em 13 de Março de 2016 às 21:23

Restrições tiram clima de eleições das ruas, afirma Lazari

 Entrevista especial com o Diretor do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral.    na foto: Lucas Lazari

Entrevista especial com o Diretor do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral. na foto: Lucas Lazari


JONATHAN HECKLER/JC
Fernanda Nascimento
As mudanças na legislação eleitoral que regula o pleito de 2016 têm provocado debates e estranhamentos. Entre as novidades estão alterações na propaganda de rua, no horário eleitoral gratuito e na forma de financiamento. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o advogado e diretor do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade), Lucas Lazari, avalia as mudanças e critica as restrições à campanha nas ruas: "andar pela cidade e sentir o clima da campanha, sentir que estamos em período eleitoral, vai ser difícil", avalia.
As mudanças na legislação eleitoral que regula o pleito de 2016 têm provocado debates e estranhamentos. Entre as novidades estão alterações na propaganda de rua, no horário eleitoral gratuito e na forma de financiamento. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o advogado e diretor do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade), Lucas Lazari, avalia as mudanças e critica as restrições à campanha nas ruas: "andar pela cidade e sentir o clima da campanha, sentir que estamos em período eleitoral, vai ser difícil", avalia.
O especialista explica que, sem a possibilidade de banners, cartazes e bonecos, a campanha de rua ficará restrita às pessoas, bandeiraços e distribuição de materiais. Em contrapartida, a campanha no rádio e na televisão poderá se tornar mais interessante, já que o horário eleitoral diminuiu, e o tempo de exposição das ideias pelos candidatos se pulverizará em inserções ao longo da programação.
O advogado observa que outra modificação importante é a proibição de doações de empresas às campanhas, limitando o financiamento às pessoas físicas. "É uma mudança muito grande. O Brasil não possui a cultura de doação de pessoas físicas. Então, é uma incógnita muito grande como as campanhas vão se financiar e se os partidos vão ter como financiar as suas campanhas."
Lazari afirma ainda que o Igade tem o projeto de criar um Código Eleitoral, para reunir informações dissipadas em várias legislações. "O Direito Eleitoral trabalha com a organização do poder, portanto, o interesse da matéria não é apenas de quem estuda Direito, mas da sociedade", defende.
Jornal do Comércio - Quais as principais mudanças na legislação eleitoral para este ano?
Lucas Lazari - Neste ano, duas minirreformas entram em vigor. Há a minirreforma que deveria entrar em vigor nas eleições de 2014 e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acabou afastando, porque foi aprovada menos de um ano antes daquele pleito - o TSE entendeu que isso feria a Constituição, que determina que regra que altera as eleições tem que entrar um ano antes. E tem a minirreforma de 2015, que foi aprovada um ano antes das eleições. Muita coisa vai mudar, e é mais fácil até dizer o que continuou igual. A grande diferença é a redução do tempo de campanha, que caiu pela metade. A campanha de rua terá muitas restrições: os cavaletes, as faixas, as placas e os bonecos não poderão ser expostos em vias públicas. Nas residências, os moradores antes pintavam os seus muros em apoio aos candidatos, e isso também está proibido.
JC - Como fica a propaganda de rádio e televisão?
Lazari - No horário eleitoral, muita coisa mudou. A primeira grande mudança é que apenas os candidatos à prefeitura terão programas em rede, que são aqueles que passam em sequência, tinham tempo de 30 minutos e agora serão de apenas 10 minutos. Em compensação, mais do que dobraram as inserções durante a programação do rádio e da televisão. Serão 60 minutos diários, que se dividem em 40% para os candidatos a vereador e 60% para candidatos à prefeitura. Outra grande mudança que já estamos vivendo é a chamada pré-campanha. Se diminuiu o período de campanha, e o período de pré-campanha tem uma liberalidade muito grande.
JC - Concorda com as críticas de que a pré-campanha não foi regulamentada e que isso pode trazer prejuízos para as eleições?
Lazari - Na verdade, houve uma liberação. Por exemplo, os veículos de comunicação estão autorizados a realizar debates entre os pré-candidatos. Isso é algo que, até a eleição passada, era duvidoso. Alguns veículos realizavam e acabavam sofrendo processos. Era muito comum que se fizessem entrevistas com pré-candidatos e que depois o Ministério Público ou algum adversário entrasse na Justiça dizendo que era campanha antecipada. Isso agora está liberado. O que realmente não pode na pré-campanha é pedir voto.
JC - Temos uma antecipação do debate?
Lazari - É uma compensação pelo fato de ter reduzido tanto o tempo da campanha eleitoral. O ideal seria começar a campanha antes. A campanha tem fiscalização. Já a pré-campanha é algo que não tem, e o dinheiro não sofre fiscalização, não há prestação de contas da pré-campanha. Mas prefiro a pré-campanha desta forma do que engessar o debate. É uma certa hipocrisia, em um ano eleitoral, debater a cidade e não poder falar de eleição municipal.
JC - Não há nenhum regramento sobre os recursos financeiros da pré-campanha? Como evitar utilização de recursos desviados?
Lazari - Em tese, a única coisa que é fiscalizada na pré-campanha é abuso de poder econômico, dos meios de comunicação e poder político. Essa fiscalização é feita, principalmente, sobre quem está no poder e vai tentar a reeleição. Mas prestação de contas sobre a pré-campanha não há.
JC - As restrições da campanha de rua vão alterar significativamente o cenário?
Lazari - Será difícil as pessoas sentirem que tem eleição, porque a campanha vai ser muito forte, na realidade, no rádio e na televisão. Os jornais vão conseguir acompanhar as eleições como sempre cobriram. As pessoas também fazem campanha pela internet. Mas andar pela cidade e sentir o clima da campanha, sentir que estamos em período eleitoral, vai ser difícil. Teremos muito pouca propaganda pela cidade.
JC - O que é permitido na campanha de rua?
Lazari - Nas vias públicas, pode muito pouco. Pode fazer bandeiraço e colocar nas vias públicas uma mesa para distribuir materiais. Mas expor materiais de propaganda não pode mais.
JC - Então é uma campanha basicamente centrada nas pessoas?
Lazari - Exatamente. Nas pessoas distribuindo materiais. Nas residências, as pessoas podem colocar cartazes e adesivos, mas as placas não podem ser de plástico e de madeira. Então vai ter que ser uma placa de papel ou adesivo. É algo que confesso que não consigo entender a razão.
JC - Uma propaganda eleitoral de rádio e televisão mais pulverizada auxilia no debate?
Lazari - A propaganda no rádio e na televisão não teve uma restrição tão severa de tempo, porque diminuiu 10 dias. A gente costumava dizer que a campanha começa oficialmente quando aparece no rádio e televisão. O aumento de inserção me parece interessante, porque as pessoas não têm o hábito de assistir ao horário eleitoral, mas têm o hábito de assistir às inserções na programação.
JC - A mudança na forma de financiamento é a principal alteração?
Lazari - É uma mudança muito grande. Não se sabe ainda como vai acontecer, porque o Brasil não possui a cultura de doação de pessoas físicas. Nos Estados Unidos, o presidente (Barack) Obama arrecadou milhões de dólares com ações individuais em suas campanhas. O Brasil não possui essa tradição. A cidadania não tem o hábito de doar para os seus candidatos. Então, é uma incógnita muito grande como as campanhas vão se financiar e se os partidos vão ter como financiar as suas campanhas.
JC - Vai ser mais difícil fiscalizar as campanhas sem financiamento privado?
Lazari - Vai ser mais difícil de fiscalizar. Existia uma proposta do sigilo das contas bancárias eleitorais e fiscalização on-line da conta bancária eleitoral que não foi aprovada. Alguns mecanismos de fiscalização melhoraram. Agora, após fazer uma movimentação, o candidato tem 72 horas para informar à Justiça eleitoral. Mas isso não é on-line. O mais interessante é que as candidaturas que gastam muito pouco vão ter um sistema de prestação de contas bastante simplificado. O que significa que os órgãos de fiscalização vão poder centrar a sua atenção nas campanhas mais caras, e não pulverizar a fiscalização entre diversos candidatos.
JC - O que faltou nessa reforma?
Lazari - Boa parte das críticas que faço não é sobre o que faltou, mas sobre o que fizeram. Acredito que se limitou demais a propaganda na rua em nome de não sujar a cidade e não fazer poluição visual. A limitação à campanha na sua própria residência também me parece equivocada.
JC - Mas há algo que deveria ter entrado?
Lazari - Uma questão que seria bastante interessante é o incentivo à realização de mais debates. Hoje, temos a cultura em que cada emissora faz o seu debate e suas regras. O ideal, na minha avaliação, é que existissem debates temáticos. Uma vez por semana, fazer debates sobre determinado tema e, para compensar este horário, poderíamos substituir um dia do horário eleitoral. Isso iria incentivar a reflexão sobre as candidaturas, e os candidatos iriam acabar se expondo mais.
JC - Acredita que há uma judicialização da política, ou temos mais mecanismos de controle sobre os candidatos e eleitos?
Lazari - Penso que as duas questões. A judicialização da política acontece também porque se confia na Justiça Eleitoral, e os servidores do Ministério Público tem um engajamento, que, apesar de certo exagero, é positivo na fiscalização dos pleitos. É, por parte dos perdedores, muito comum a tentativa de construir o chamado terceiro turno na Justiça Eleitoral. Como regra, apesar de certos exageros, considero positivo que se confie na Justiça Eleitoral e que os vencedores tenham que ver que não basta ser o mais votado, mas tem que vencer obedecendo as regras do jogo.
JC - Qual o objetivo do Igade, e que trabalhos foram realizados neste primeiro ano?
Lazari - O Igade tem dois objetivos aparentemente contraditórios, mas que, na verdade, são complementares. O primeiro é acadêmico. O Direito Eleitoral é uma disciplina que não compõe os currículos das faculdades de Direito e, por essa razão, há um déficit grande de conhecimento na área, com pouca produção de estudos sobre o tema e pessoas interessadas. O segundo objetivo do Igade é um objetivo social. O Direito Eleitoral trabalha com a organização do poder, portanto o interesse da matéria não é apenas de quem estuda Direito, mas da sociedade. Integram o instituto não somente pessoas ligadas ao Direito, mas comunicadores, cientistas políticos e diversos profissionais que têm no estudo do poder a política e a sua atuação. Então esses são os dois grandes objetivos do Igade.
JC - Qual a proposta de parceria com as câmaras municipais?
Lazari - Fazemos parcerias com instituição de ensino, partidos políticos, meios de comunicação e, principalmente, com legislativos. O objetivo é debater, levar o nosso conhecimento. No ano passado, por exemplo, conversamos com alunos de Jornalismo da Uniritter sobre imprensa e política. No bate-papo, comentei algumas matérias que tinham equívocos, e os estudantes rebateram, afirmando que os advogados não eram boas fontes. Na cobertura da Operação Lava Jato, tem que explicar o que é a delação premiada, a prisão preventiva, temas que, até pouco tempo atrás, eram restritos ao mundo do Direito e hoje são de interesse social. Cabe à imprensa noticiar, aos profissionais da comunicação terem um pouco de conhecimento jurídico, e cabe aos juristas terem uma boa relação com a imprensa.
JC - Que pesquisas já vêm sendo realizadas dentro do instituto, ou que pesquisas vocês pretendem realizar?
Lazari - Temos um grupo de estudos que se reuniu quinzenalmente desde 2015. Uma das propostas é o instituto criar um projeto de Código Eleitoral. Esse é um tipo de pesquisa que demanda muito tempo, muito estudo, mas é importante, porque a legislação eleitoral é bastante picotada. Temos uma Lei das Eleições, temos uma Lei dos Partidos Políticos, tem uma legislação sobre elegibilidade, um Código Eleitoral da época da ditadura e uma Constituição. São muitas regras. Nossa ideia é estudar um projeto de um Código Eleitoral que reúna todas as regras das eleições, além da Constituição, obviamente; e apresentar para a sociedade.

Perfil

Lucas Couto Lazari tem 31 anos e é natural de Porto Alegre. Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 2011, interessa-se pela temática de política e direito eleitoral desde a época de estudante. Na conclusão do curso, realizou a pesquisa intitulada "A Lei da Ficha Limpa interpretada conforme a Constituição Federal", na qual defendeu a ideia de que a legislação é constitucional, porém deveria ser válida apenas para casos ocorridos após a sua promulgação. Atualmente, é assessor jurídico de partidos políticos e candidatos. Em 2015, fundou o Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade), do qual atualmente é diretor. Já realizou palestras sobre Direito Eleitoral em congressos e seminários em diversas cidades do Rio Grande do Sul. É membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). É um dos organizadores do 1º Congresso de Direito Eleitoral do Igade, em Santa Cruz do Sul, com o tema "Direito eleitoral contemporâneo: o despertar da cidadania política".
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