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Entrevista Especial

- Publicada em 22 de Novembro de 2015 às 22:09

Guimarães defende estreitar relação na América Latina

 Entrevista especial com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

Entrevista especial com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.


MARCO QUINTANA/JC
Ministro de Assuntos Estratégicos no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e secretário-geral de Relações Exteriores entre os anos de 2003 e 2009, o fluminense Samuel Pinheiro Guimarães vê diferenças sensíveis na política externa dos dois presidentes petistas que já ocuparam o Planalto. Enquanto Lula “já havia feito 113 viagens ao exterior antes de assumir” e é “um homem muito voltado para a negociação”, à sucessora Dilma Rousseff (PT) falta estabelecer uma relação mais estreita principalmente com outros mandatários na América Latina. Para Guimarães, esse tipo de característica seria fundamental para que o Brasil tenha o apoio dos vizinhos para conquistar um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), pleiteada pelo país.
Ministro de Assuntos Estratégicos no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e secretário-geral de Relações Exteriores entre os anos de 2003 e 2009, o fluminense Samuel Pinheiro Guimarães vê diferenças sensíveis na política externa dos dois presidentes petistas que já ocuparam o Planalto. Enquanto Lula “já havia feito 113 viagens ao exterior antes de assumir” e é “um homem muito voltado para a negociação”, à sucessora Dilma Rousseff (PT) falta estabelecer uma relação mais estreita principalmente com outros mandatários na América Latina. Para Guimarães, esse tipo de característica seria fundamental para que o Brasil tenha o apoio dos vizinhos para conquistar um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), pleiteada pelo país.
Na opinião do diplomata, a entrada no conselho é “muito importante para o Brasil”, “não só para evitar que a força seja exercida contra ele, mas também contra seus interesses”, acredita. No entanto, Guimarães classifica como “atitudes corretas” o posicionamento da presidente diante de questões como a do ingresso da Venezuela no Mercosul, e da existência de espionagem a presidentes como ela e a alemã Angela Merkel pela agência de segurança estadunidense (NSA).
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o embaixador também criticou as tentativas para o estabelecimento de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. “Isso não resultará em algo bom para nós, pois fará com o que o país não tenha mais política de desenvolvimento”, diagnostica.
JC – Atualmente, como o senhor avalia a política externa no governo da presidente Dilma Rousseff?
Guimarães – Acredito que a presidente Dilma Rousseff, durante seu mandato, esteve diante de uma situação nova da crise mundial que, embora tenha iniciado antes, agravou-se agora. Há uma preocupação maior com as questões internas, mas no âmbito internacional ela tomou as atitudes corretas diante de questões importantes. Posso exemplificar com a questão do golpe no Paraguai, do ingresso da Venezuela no Mercosul, a Unasul como instrumento de progressos na América do Sul, o apoio e participação nos BRICs, o apoio à Argentina na questão dos fundos abutres, a reação que teve em relação à espionagem da agência nacional de segurança dos Estados Unidos, a posição que o Brasil quer botar nas questões do oriente próximo, têm sido todas questões corretas. O estilo é que é diferente.
JC – E qual é esse estilo?
Guimarães – O presidente Lula, no dia em que assumiu o governo, já havia feito 113 viagens ao exterior antes de assumir. Ele recebeu o primeiro chefe de Estado estrangeiro na casa dele em São Bernardo, em 1975. Recebeu vários chefes de Estado que desejavam conhecer o líder sindical que surgia, importante, e pediam para falar com ele. Ele fundou o Foro de São Paulo, com diversos partidos democráticos de esquerda da América Latina. Então ele tinha um conhecimento de pessoas muito grande. E era um homem muito voltado para a negociação, devido a sua origem sindical. A presidente Dilma tem uma outra trajetória. Não sei quantas vezes ela viajou para o exterior antes de ser presidente, certamente foi um número menor. Dilma, antes de ter sido eleita, nunca participou de uma eleição, nem para vereador. Ela tem uma trajetória de vida diferente e a experiência, no dia-a-dia, é diferente. Mas acho que ela propôs posições corretas.
JC – Que comparativo o senhor faria em relação a gestão das relações exteriores do ex- presidente Lula e da presidente Dilma?
Guimarães – O presidente Lula tinha noção da importância do contato pessoal. Então ele não só viajava muito, como por exemplo ele decidiu fazer reuniões trimestrais com os presidentes da Argentina e da Venezuela. Era muito importante essa articulação. Assisti a alguns episódios, das relações dele com o presidente Chaves, de aparente amizade, de intimidade, de tranquilidade no diálogo. Então isso é muito importante. Mas isso se aplica a todas as relações humanas, até mesmo as familiares. Um chefe de família não consegue impor sua vontade se ele não tiver capacidade de diálogo com a sua família.
JC – O senhor acha que talvez falte estreitar relações em um nível mais pessoal?
Guimarães – Pessoal! É preciso convidar as pessoas, é preciso dar atenção...
JC – Como o perfil atual do governo impacta em nossa política externa?
Guimarães – Para haver um projeto de criação de um bloco sul-americano, de integração da América do Sul, para isso é necessário esse tipo de política. Senão não haverá. Outros Estados (nações) não estão interessados nisso. Nenhum outro Estado no mundo tem interesse que haja um bloco sul-americano. Claro que isso não é dito, com todas as letras, mas não há interesse em que o Brasil participe de um bloco com Argentina, Uruguai, Paraguai...
JC – Ele nasceria forte?
Guimarães – Muito forte. Teria muito mais influência, e os outros estados teriam de levar muito mais em conta. Então, por exemplo, para o Brasil ter o apoio militante dos países da América do Sul para ter um assento no Conselho de Segurança da ONU, que é algo muito importante, você tem que criar relações de cooperação muito estreitas, muito próximas, com entendimento político, econômico, comercial.
JC – Para ser inclusive um líder do seu bloco?
Guimarães – Ninguém se transforma em líder, o líder é reconhecido pelos demais por ser capaz de interpretar a vontade do conjunto. O Brasil não pode se impor como líder de nada, só se ele consegue mostrar aos outros que aquilo que ele pretende será bom para todos. Assim como os Estados Unidos conseguem. Eles têm uma grande capacidade de convencer os países de que a sua política é a melhor. Não é pela força, ele não vem aqui, em cada país, e diz “você tem que me apoiar!”, não. As pessoas acreditam que aquela posição que eles estão defendendo é a melhor para eles. Isso é muito importante.
JC – No caso do Conselho de Segurança, o Brasil tem o desejo de participar de coalizões militares?
Guimarães – Não, não, isso não é condição para participar do conselho de segurança. Não quer dizer que você tenha que apoiar a intervenção, você pode até impedir que ela aconteça.
JC – Até onde é relevante que o Brasil integre esse colegiado?
Guimarães – Isso é muito importante. O Brasil queria ser líder do conselho de segurança da Liga das Nações, em 1919, por reconhecer que ali era o grupo de Estados que decidia sobre os destinos da política internacional. O conselho de segurança tem o monopólio da força, só que nenhum Estado pode exercer a força, se não estiver autorizado por ele. Então é muito importante para que o Brasil, não só para evitar que a força seja exercida contra ele, ou contra os seus interesses. Vamos supor que o Brasil fosse um país com grandes investimentos no exterior, no Irã, por exemplo. Será que uma política de sanções contra o Irã interessaria ao Brasil? Claro que, enquanto o Brasil não se transforma em um país com grandes interesses no exterior, a importância é menor. Mas pode ser também voltada contra ele.
JC – O senhor vê uma possibilidade de concretização do acordo do Mercosul com a União Europeia, que se ensaia há 15 anos?
Guimarães – Na questão objetiva, isso são muito mais do que acordos comerciais. Isso são acordos econômicos, muito mais amplos, que impõem, principalmente aos países subdesenvolvidos que assinam esses acordos, uma série de normas que são mais favoráveis aos interesses de países altamente desenvolvidos do que as normas que existem hoje em dia. Na área industrial, ele não resultará bom para nós. As tarifas do Mercosul e do Brasil são mais altas que as tarifas da União Europeia, então, eliminando ambas as tarifas, eles vão adquirir uma vantagem maior, vão aumentar mais as exportações deles para nós. Então o déficit comercial, que no ano passado já foi de US$ 4 bilhões a favor deles, vai aumentar. Em segundo lugar, a indústria brasileira é muito menos moderna do que a indústria da Alemanha, da França, etc. A indústria brasileira, as máquinas, têm uma idade média de 20 anos. Na indústria europeia, é de oito anos. Então as máquinas deles são muito mais modernas, muito mais eficientes. Se você achar que na competição vamos nos fortalecer, é algo simplesmente absurdo. O passo seguinte é que outros países desenvolvidos vão tentar acordos semelhantes. Por isso é que não se fala em Alca, que é a mesma coisa. Isso fará com que o país não tenha mais política de desenvolvimento. Isso é uma coisa gravíssima. Tão grave quanto na época era a Alca, mas hoje vem disfarçado.
JC – Falando um pouco do nosso quadro diplomático, no ano passado viu-se o descontentamento com o corpo diplomático com questões salariais e de plano de carreira. Esse clima organizacional tem afetado algo no governo federal?
Guimarães – Isso já foi bem encaminhado pelo atual Ministro, que já resolveu todos os problemas. Ao menos em parte, os de carreira. Os problemas salariais não sei como foram encaminhados, não sei se houve reclamação dos diplomatas ou se foi reclamação dos funcionários no exterior, que são aqueles funcionários locais. Uma coisa que às vezes o governo não compreende, é que todos os países do mundo têm funcionários locais. Se você tem uma embaixada na Coreia, você precisa de coreanos.
JC – A questão da recepção de imigrantes e refugiados tem tido uma preparação adequada do governo?
Guimarães – Isso é um fenômeno novo. Nosso estatuto do refugiado é uma legislação, segundo consta, das mais avançadas do mundo. Mas claro que não havia, assim, uma estrutura montada de acolhimento. Uma coisa é acolher refugiados, imigrantes bolivianos, em que a língua também não é um impedimento tão grande. Outra coisa são sírios, que têm outros costumes bem diferentes, mais complexos. Mas acho que o Brasil se saiu bem na questão dos haitianos, conseguiu organizar aquele fluxo de refugiados.
JC – Houve um caso recente de ataque a um haitiano em Santa Catarina, que foi morto a facadas por um grupo.
Guimarães – Isso é algo da sociedade, não é? O governo não pode fazer muita coisa quanto a isso. Você está no meio da rua e é agredido por pessoas, isso é complexo, revela um preconceito racial muito grande. E é uma coisa lamentável. Isso é uma questão profunda da sociedade brasileira, já que isso ocorre não só em relação aos haitianos, mas em relação à população negra do Brasil. Basta ver as imagens do interior das prisões. Você observará que a maioria dos presos é de negros.
JC – O senhor acha que o Brasil deveria ter concedido asilo ao Edward Snowden?
Guimarães – É uma questão muito delicada. Para os Estados Unidos, o que ele fez foi um crime. Ele fez um bem à humanidade, mas afetou muito os interesses dos Estados Unidos e toda a sua rede de espionagem. Ele prestou um serviço aos países subdesenvolvidos e até mesmo aos desenvolvidos que têm um pouco de orgulho, e tiveram os seus dirigentes espionados, como Alemanha. Todas as comunicações são gravadas, todas. O sistema é muito antigo, existe desde a Segunda Guerra Mundial.
JC – Seria arriscado o Brasil aceitar?
Guimarães – Seria um ato de desafio, ao menos. Não traria grandes vantagens do ponto de vista brasileiro. Se fosse ao contrário, talvez fosse mais simpático, mais correto. Ele, inclusive, está mais seguro lá (na Rússia) do que estaria aqui. Se eu fosse ele, não pediria asilo em outro lugar. Lá ele está protegido pelo serviço secreto russo, que é competente. Podem impedir que ele sofra, que ele seja raptado por exemplo. Acho que seria uma bravata, não tem nenhuma vantagem específica e ele não revelou nenhum segredo que seja fundamental para o Brasil. Vamos supor que tivesse liberado algo que fosse muito importante para o Brasil, então você poderia recompensá-lo com o asilo, mas não foi o caso. Inclusive, hoje em dia, a imprensa já fez o seu trabalho de sepultar.

Perfil

Samuel Pinheiro Guimarães Neto é natural da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu em 1939. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito, possui mestrado em Economia pela Boston University, que concluiu em 1969. Ingressou no Instituto Rio Branco em 1961, quando fez o Curso de Preparação à Carreira de Diplomata e, em 1963, foi nomeado terceiro-secretário no Itamaraty. Já foi diretor na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1965, assim como vice-presidente da Embrafilme, entre 1979 e 1982. De 1995 a 2000, atuou como diretor do Instituto de Pesquisa e Relações Internacionais do Itamaraty. Além de secretário-geral de Relações Exteriores de 2003 a 2009, foi ministro de Assuntos Estratégicos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2009 e 2010. Professor do Instituto Rio Branco desde 2007, é também docente no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF).