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Desaparecidos

- Publicada em 28 de Outubro de 2015 às 16:52

O difícil caminho entre a dor e a esperança

Gabriel, filho de Simara, desapareceu há quase 
15 anos

Gabriel, filho de Simara, desapareceu há quase 15 anos


ANTONIO PAZ/JC
"Eu não vou ver o meu filho tão cedo." Esse foi o pensamento de Simara Guimarães, 44 anos, ao descobrir que Gabriel estava desaparecido há quatro dias. A comerciária teve o filho junto a si até 13 de novembro de 1999. Ela não levou o menino à escola, nem o viu crescer.
"Eu não vou ver o meu filho tão cedo." Esse foi o pensamento de Simara Guimarães, 44 anos, ao descobrir que Gabriel estava desaparecido há quatro dias. A comerciária teve o filho junto a si até 13 de novembro de 1999. Ela não levou o menino à escola, nem o viu crescer.
À época, Simara trabalhava em um supermercado de Porto Alegre. Moradora de Cachoeirinha, na Região Metropolitana da Capital, saía pela manhã de casa e voltava à noite.
No sábado em que viu o filho pela última vez, a rotina não foi diferente. Despediu-se de Gabriel e Vitor, cinco anos e um ano e oito meses, respectivamente, e da cunhada, que levaria Gabriel para Gravataí, onde ele ficaria até terça-feira com o irmão mais velho, Felipe.
Na terça-feira, Felipe voltou, mas Gabriel não veio junto, pois nunca havia sido levado. Segundo a cunhada, como não encontrara Gabriel em casa, supôs que a mãe o teria levado junto para o trabalho. Na época, a casa onde viviam não era cercada, o que pode ter facilitado a entrada de alguém na residência.
"Eu estava com uma sensação estranha", relembra Simara. A primeira atitude foi ir à delegacia registrar o desaparecimento. As buscas começaram no ato. A imprensa divulgou o caso; e a família, os amigos e os vizinhos mobilizaram-se para ajudar, mas o menino não foi encontrado. "Não sei se ele está bem, se está mal, se está passando fome."
A avó continuou, foi a programas de televisão e, quando um corpo era encontrado, fazia questão de verificar se tratava-se do neto. Entretanto, faleceu sem reencontrá-lo. Aos poucos, a família do ex-marido começou a se distanciar do caso, e as buscas foram diminuindo até cessarem.
Simara nunca ficou apreensiva ao saber de corpos encontrados. Para ela, Gabriel não está morto. "Ele deve ser lindo. Tinha o cabelo castanho. Não, ele tem o cabelo castanho. O meu filho está vivo", diz.
Para dar seguimento às buscas, ela teve de se ausentar do trabalho por 20 dias. Quando retornou, passou por exame psicológico para atestar que a situação não iria afetar o atendimento aos clientes. Junto a isso, Simara foi alvo de críticas de vizinhos, que diziam que ela era uma mãe que não se preocupava com os filhos.
Mesmo com a dor da perda, Simara seguiu em frente, pois precisava criar seus outros três filhos - Felipe, Vitor e Sara, que, na época, estava para nascer. Ela passou em um concurso público na área de limpeza, depois em outro para a Guarda Municipal de Cachoeirinha.
Agora, conseguiu uma bolsa de estudos pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) e cursa Administração. "Eu não podia parar, não podia ver os meus filhos pulando de casa em casa. Esse é o bom de ter filhos, pois tu não podes desistir por eles", relata, mantendo no pescoço uma corrente com as iniciais dos quatro filhos e, no coração, a palavra que dá nome à rua onde mora há mais de 40 anos: esperança.

Sem confirmação da morte, famílias demoram para retomar a rotina

ONG Desaparecidos do Brasil criou site para auxiliar nas buscas

ONG Desaparecidos do Brasil criou site para auxiliar nas buscas


MARCO QUINTANA/JC
Sentir a dor da perda. A sensação não é desejada, porém é necessária para a confirmação da perda física, pois, assim, pode ser mais fácil retomar a vida cotidiana sem a presença da pessoa. Mas como ter o luto emocional quando não há comprovação da morte, não há corpo para velar? No ano passado, cerca de 2.000 pessoas, menores e maiores de 18 anos, desapareceram no Estado. Dessas, muitas foram encontradas, mas ainda há famílias a procura de seus parentes.
Nos casos de incertezas, os familiares costumam retomar a vida, mantendo a esperança que a pessoa reapareça. "Se não há a certeza da morte, sempre haverá dúvidas, e retomar a vida é complicado, pois há o sentimento de dúvida sobre o retorno do familiar", esclarece a professora da faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) Caroline Santa Maria Rodrigues. "É triste a sensação de não saber o que houve", explica.
Para ajudar na divulgação dos casos, há o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos. A ferramenta do Ministério da Justiça, porém, está desatualizada. Assim, entidades sem fins lucrativos também engajam-se nessa veiculação. A ONG Desaparecidos do Brasil tem em seu site (www.desaparecidosdobrasil.org) fotos e informações sobre pessoas desaparecidas no Brasil e no exterior. Para mantê-lo atualizado, a entidade faz telefonemas e pesquisas diárias.
Segundo a fundadora, Amanda Boldeke, a comunicação com os parentes é a maior dificuldade, pois nem sempre as famílias retornam os e-mails enviados. "Ficamos com o caso em aberto à espera da resposta, que nem sempre chega", relata Amanda. Esse é um dos motivos de as entidades trabalharem com casos regionais ou com números restritos de desaparecidos. É preciso envolvimento e responsabilidade tanto da parte que oferece o serviço, quanto da que o utiliza. "Fazemos o esforço em prol daqueles que são atingidos por essa tragédia, mas é preciso haver a colaboração do beneficiado para manter esse serviço sempre atualizado."

Contato rápido com a polícia pode diminuir o tempo de espera pela resposta

A auxiliar de serviços gerais Margarete Borges, 48 anos, moradora do bairro Cruzeiro, na zona Sul de Porto Alegre, desapareceu no dia 22 de setembro deste ano. Margarete recém havia deixado o último emprego, nos Correios, para um novo trabalho no Centro da Capital, na mesma função. Nos últimos dias antes de desaparecer, estava receosa em sair de casa, pois o ex-marido, com quem foi casada por 12 anos, estava a ameaçando. Para protegê-la, o atual companheiro, José Soares, 47 anos, a levava e a buscava na parada de ônibus, local onde a viu pela última vez.
Uma preocupação de José é com os remédios os quais a esposa tem de tomar todos os dias para controlar a depressão. A lembrança da alegria de ter conhecido a esposa em um baile, contrasta hoje com a apreensão que não o deixa dormir. "Não sei onde ou como ela está", desabafa. O telefone celular dela permanece desligado.
Para fazer a ocorrência, ocompanheiro esperou até o dia seguinte ao sumiço, pois acreditava que Margarete estava na casa de alguma amiga. Porém, como ela não retornou, decidiu registrar o desaparecimento em uma delegacia do Centro. O processo demorou 15 minutos e não lhe foi informado quando as buscas iniciariam. No mesmo dia, ele foi à 5ª Delegacia de Porto Alegre - especializada nesses casos -, para saber mais informações. Quando conversou com a reportagem, já aguardava por 40 minutos e ainda não havia sido atendido.
A angústia de José atingiu mais de sete mil famílias no Rio Grande do Sul em 2014. O registro rápido da ocorrência agiliza o processo de busca. Por isso, ao perceber algo de anormal na rotina de alguém, o ideal é contatar a delegacia mais próxima, e não esperar 24 horas. "Quanto antes o desparecimento for registrado, mais rápido podemos localizar e a chance de êxito é maior", ressalta a delegada de Polícia do Departamento Estadual da Criança e Adolescente (Deca), Andrea Magno.
As primeiras atividades de busca, diligência preliminares, são feitas dentro da própria delegacia. Os policiais entram em contato com familiares e amigos, com o Departamento Médico-Legal (DML), hospitais e pesquisam perfis sociais do desaparecido. Há também a possibilidade de a pessoa voltar para casa. Quando isso ocorre, é necessário informar, pois as buscas só se encerram quando o registro de localização é feito. O desaparecido deve ser levado à delegacia (ou a polícia ir ao encontro dele) para ser feito o registro de localização, pois a polícia precisa ter certeza do aparecimento. "Os policiais têm que verificar se a pessoa está mesmo em casa. Já tivemos casos de filhos avisando que a mãe estava bem, só que a pessoa que estava falando era o cara que matou a mãe, fez o registro, ligou para avisar que ela havia reaparecido, mas, na verdade, ela estava concretada no apartamento", explica a delegada de polícia da 5ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa e Desaparecidos, Jeiselaure Rocha de Souza.
O registro do reaparecimento é fundamental, pois se isso não for feito, a pessoa segue nos bancos de dados da polícia como desaparecida e sua busca não é interrompida. Além disso, há um prejuízo às estatísticas oficiais sobre a questão. Se não houver a localização, através das diligências preliminares, os policiais deslocam-se para possíveis locais onde o desaparecido possa ter ido ou ter sido levado. Com esses mecanismos, cerca de 90% das pessoas são localizadas, mas ainda há cadeiras vazias, camas desocupadas e quartos fechados.

Trabalho não termina com a localização

Negligência familiar, abusos e violências domésticas, drogadição e aventuras são as principais causas de fuga, por isso, o trabalho da polícia não termina ao localizar a criança ou o adolescente. Após ser encontrado, o menor é encaminhado ao Conselho Tutelar para receber o atendimento adequado, pois a preocupação é averiguar, através do depoimento, se algum tipo de agressão está acontecendo. Caso confirmado, a vítima é encaminhada para exames e um inquérito pode ser aberto. "Se devolvermos ela para aquele agressor, vamos estar a devolvendo para aquela situação", ressalta a delegada de polícia do Deca, Andrea Magno.
No ano passado, cerca de 1.500 crianças e adolescentes desapareceram em Porto Alegre, desses 1.300 foram localizados, mas o número pode ser maior. Para dar atenção aos casos nos quais as crianças realmente permanecem desaparecidas, mutirões são desenvolvidos periodicamente. "Separamos 200 ocorrências, formamos equipes e fomos até a casa das crianças para ver se estavam lá. Grande parte estava em casa", explica.
Cada ocorrência é um quebra cabeça. As informações aparecem, via telefonemas ou pesquisas, mas cada minuto sem informação só alimenta a angústia das famílias. "O importante é que as famílias participem e nos passem as informações, pois precisamos saber a última vez em que ele foi visto. Com base nos dados iniciais, começamos um trabalho de busca até localizá-lo."
A comunicação entre família e polícia é mais necessária quando há situações de perigo para o investigador. O escrivão Júlio Fraga Ribeiro com mais de 20 anos de experiência como policial, há três mudou para o setor de desaparecidos, enxerga esse problema ao fazer as buscas.
Em uma sala, antes utilizada como depósito, acontecem as buscas pelas crianças e os adolescentes de Porto Alegre. Em meio a ocorrências e registros, os policiais investigam cada caso. Um dos responsáveis em encontrar as respostas é o escrivão . Com mais de 20 anos de experiência como policial, há três mudou para o setor. "Eu entro na vila como um desconhecido. Se eu entrar diferente, se verificarem que há arma, eles não deixam eu entrar mais. É difícil essa situação", salienta Fraga.
Em 2014, o escrivão auxiliou na coleta de provas e depoimentos do caso Bernardo Boldrini, em Três Passos. Bernardo foi encontrado já sem vida, mas situações de crianças mortas após a localização são ainda mais difíceis emocionalmente. "Tiramos a menina da boca da Restinga, deu cinco dias, a mataram. Eu fiquei atrapalhado por uns seis meses. Tu localizas, faz todo um trabalho e daí perde para a bandidagem."

Demora no acesso telefônico dificulta na coleta de vestígios

No ano passado, Porto Alegre registrou 988 desaparecidos e 741 foram encontrados. Os motivos pelo qual uma pessoa desaparece podem variar desde uma viagem para o exterior, uma noite com os amigos ou um homicídio. Por isso, as delegacias trabalham com todas as hipóteses. Para auxiliar na coleta de respostas, a polícia costuma pedir a quebra de sigilo telefônico e autorização para o uso das imagens das câmeras de segurança. Contudo, há dois desafios: as operadoras telefônicas demoram a liberar o acesso, mesmo o Judiciário deferindo os pedidos.
"Cada um conhece o familiar que tem. Há pessoas que desparecem por duas horas e tu já sabes que deu alguma coisa muito errada. Já conseguimos evitar suicídios, justamente por ter esse contato rápido com a família.Se corrermos contra o tempo, vamos conseguir encontrá-la", ressalta a delegada de polícia da 5ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa e Desaparecidos, Jeiselaure Rocha de Souza. Segundo ela, a polícia tem direito ao acesso imediato a câmeras e conversas telefônicas, mas as operadoras não cumprem com esse dever. A demora reflete nos vestígios, pois são apagados ao longo do tempo. "Não saber para onde foi a pessoa que estava contigo todos os dias é uma coisa horrível."

Projeto de identificação por DNA pode solucionar casos

Viajar milhares de quilômetros e conseguir voltar para o ninho de onde partiu. Essa é uma das habilidades da andorinha. A ave deu nome ao projeto criado em parceria pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) e pela Polícia Civil do Estado.
O projeto começou a ser pensado em abril deste ano, quando a chefe da Divisão de Genética Forense do IGP, Juliana Piva de Almeida, cogitou a possibilidade de um dos 87 cadáveres não identificados no setor estar sendo procurado por seus parentes. Agora, a busca é por recursos para criar um banco de dados atualizado com o DNA dos familiares e dos cadáveres para poder iniciar o cruzamento entre as amostras.
Em maio, a iniciativa foi divulgada e os parentes começaram a ser chamados. Cerca de 10 pessoas com familiares desaparecidos já tiveram o DNA coletado. Cada amostra analisada custa, no mínimo, R$ 150,00. "Se eu conseguir um perfil genético satisfatório, perfeito. Mas, como geralmente os corpos estão em decomposição, não conseguimos de primeira. Por isso tenho que repetir tudo de novo. Então, pode ser que um cadáver custe R$ 150,00 ou mais de R$ 1.500,00. Tudo depende do número de vezes que eu repetir", explica Juliana.
Outra dificuldade é fazer a coleta do DNA, pois o sangue, material mais fácil de traçar o perfil genético, só pode ser colhido quando a morte ocorreu há, no máximo, dois dias, e dependendo da forma como morreu. Quando está em decomposição,o material colhido pode ser osso, músculo ou dente. Depois do perfil genético traçado, ele é inserido no software Codis - Combined DNA Index System. O programa é uma base de dados de DNA do FBI. O sistema faz o cruzamento das amostras para verificar se há outro perfil idêntico no país.

Frente parlamentar impulsionou Política Estadual

O direito de ser encontrado, essa é uma das frases usada na cartilha da Frente Parlamentar em Defesa das Pessoas Desaparecidas. O diálogo em 12 audiências públicas, resultou em alertar a sociedade; fortalecer as redes de busca e potencializar o enfrentamento dos crimes ligados ao desaparecimento.
De autoria do presidente da Frente, ex-deputado estadual Aldacir Oliboni (PT), a Lei n° 14.682 estabelece a Política Estadual sobre Pessoas Desaparecidas com a finalidade de auxiliar na prevenção, na localização, no acolhimento e na assistência aos desaparecidos e aos familiares. Outra legislação, de n° 14.683, institui a divulgação de informações sobre pessoas desaparecidas.
A iniciativa não avançou após o presidente não se reeleger para o parlamento. "É frustrante ver que um trabalho desse não teve ninguém que tivesse boa vontade de seguir", lamenta o Oliboni. Segundo ele, a Comissão de Direitos Humanos foi a sugestão para a Frente permanecer ativa.

Ferramentas visam mostrar envelhecimento digital de vítimas

Graziela de Souza Godoy Pereira, de Gravataí, desapareceu em 2006, quando tinha 11 anos. Gisele Silva da Silva, de Tramandaí, está sumida desde 1999. Ela tinha cinco anos na época. Essas e outras crianças, cadastradas como desaparecidas no site da Polícia Civil, pararam no tempo. Graziela teria 20 anos hoje e apresenta na fotografia dos registros os mesmos traços de quando desapareceu. A solução para esses casos seria usar o sistema de progressão facial, modificando uma fotografia e representando o efeito do envelhecimento sobre a sua aparência.
O Rio Grande do Sul está em fase de estudos para desenvolver ferramentas mais aprimoradas de envelhecimento digital. As pesquisas realizadas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) podem proporcionar uma imagem mais próxima da realidade. Há uma linha de pesquisa relacionada à progressão de idade em imagens de face, mas o trabalho ainda não foi executado em nível pericial, por isso ainda não há uma previsão de implantação.
"Inúmeras são as tentativas de projetar a aparência de uma pessoa através do tempo, embora apresentem algumas dificuldades, como as mudanças próprias do crescimento ou do envelhecimento, a influência genética e a influência do estilo de vida", esclarece a perita criminal do IGP Rosane Pérez Baldasso.