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Política

- Publicada em 27 de Setembro de 2015 às 22:17

Redes sociais pautam novas agendas políticas, diz Gomes

"Além de País  de técnicos de futebol, agora  somos 200 milhões de juízes do STF"

"Além de País de técnicos de futebol, agora somos 200 milhões de juízes do STF"


FREDY VIEIRA/JC
Lívia Araújo
A ascensão da discussão política nas redes sociais demonstra que a tese de que o brasileiro é alienado politicamente pode estar errada. Esta é a percepção do professor baiano Wilson Gomes, pesquisador de Teoria da Comunicação na Universidade Federal da Bahia (UFBA). "As novas agendas políticas são completamente presentes nesse ambiente e discutidas à exaustão?", avalia. Apesar de a polarização partidária ter mais atenção do público, segundo o pesquisador, há o crescimento de questões políticas relacionadas à violência do Estado, preconceitos, meio ambiente, que fazem um caminho de mão dupla entre as redes e os representantes eleitos.
A ascensão da discussão política nas redes sociais demonstra que a tese de que o brasileiro é alienado politicamente pode estar errada. Esta é a percepção do professor baiano Wilson Gomes, pesquisador de Teoria da Comunicação na Universidade Federal da Bahia (UFBA). "As novas agendas políticas são completamente presentes nesse ambiente e discutidas à exaustão?", avalia. Apesar de a polarização partidária ter mais atenção do público, segundo o pesquisador, há o crescimento de questões políticas relacionadas à violência do Estado, preconceitos, meio ambiente, que fazem um caminho de mão dupla entre as redes e os representantes eleitos.
Políticos com atuação bissexta nas redes, caso da presidente Dilma Rousseff (PT), que passou todo o mandato anterior com um perfil inativo no Twitter, ou de Aécio Neves (PSDB), que teve uma presença mais ativa apenas durante a campanha eleitoral, na visão de Gomes, estão "perdendo oportunidades". "A campanha e a política estão on-line", além da imagem do candidato, independentemente da existência de um perfil ativo. "Ou você coordena sua campanha e propõe coisas sobre você, ou outras pessoas o farão", alerta, sob pena de o adversário político ocupar esse espaço e assumir o controle do discurso.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Gomes também avalia as grandes mobilizações on-line suscitadas pelos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, segundo o pesquisador, "os julgamentos do STF são também parte da apreciação social".
Jornal do Comércio - Sempre se convencionou a chamar o brasileiro médio de "alienado" em matéria de política. As redes sociais estão mudando essa compreensão?
Wilson Gomes - Talvez, estejam demonstrando que a tese estava errada. Os brasileiros adoram falar de política, opinar. Não importa o valor dessa opinião, o quão fundada ela é ou em quanta informação ela se embasa. Mas algumas distinções têm de ser feitas nesse caso. A primeira é sobre de que política se fala. Boa parte das pessoas fala do jogo político, de maneira superficial, mas se interessa menos pela política comum que se trava no Legislativo e no Executivo, a não ser quando existe uma questão de polarização, como neste momento. Mas outras questões políticas relacionadas a violações de direitos, preconceitos, opressões estruturais, violência do Estado e policial, questões ambientais, são todas políticas. E elas estão amplamente representadas nesses ambientes digitais. As novas agendas políticas são completamente presentes nesse ambiente e discutidas à exaustão.
JC - Isso ajuda para que as pessoas saiam um pouco da sua "bolha" doméstica e comecem a atentar para questões que norteiam a sociedade de uma maneira geral?
Gomes - Acho que sim. Um tema, como as viagens do Aécio Neves, que é levantado pelo jornal - pois poucas pessoas leem jornal impresso - é retirado e levado para as mídias sociais, e o sujeito que está no escritório, tomando seu café, que pode até estar sem tempo para conversar sobre isso, tem uma janela para receber e trocar conteúdo. Ele interage sobre isso, consegue produzir um juízo de valor, comentar, defender, ou apresentar um outro argumento tirado de algum outro lugar e, de alguma maneira, contribui para a avalanche de discussão. Essas janelas de discussão nos permitem essas saídas e entradas. Temos canais novos. De fato, a possibilidade de estar mais em contato com os outros, com o mundo, os problemas sociais e a cobertura da mídia é muito maior.
JC - Existe uma grande expressão de ódio nas redes, tanto na política partidária, quanto nas questões sociais. Qual o motivo para essa radicalização?
Gomes - O discurso do desconforto, da inquietação, da oposição sempre fez parte da discussão política, do futebol e tanta coisa que nos emociona e nos move a ter posições um pouco mais radicais. O discurso de ódio é outra coisa, pois manifesta desprezo com o outro simplesmente pelo fato de ele ser outro. Acho que há muito ódio nesse sentido. Existe um princípio básico para quem frequenta determinados ambientes que é "nunca leia os comentários" (dos sites de notícias), pois são terríveis, as pessoas dizem coisas inimagináveis. Nesses lugares, diferentemente do Facebook, o comentário é mais grosseiro por ser o mais anônimo. Então, a escala do ódio se dá quando você é anônimo. Quando você pode ser responsabilizado por isso e receber repressão social, você tende a se conter mais.
JC - Até onde esse clima pode permear a nossa política representativa? Quem alimenta o quê?
Gomes - A esfera pública brasileira tem discutido temas que têm muito a ver com essas divergências morais. Há determinados momentos em que ela trabalha com outros problemas, como resolver problemas sociais urgentes. Mas, ultimamente, a agenda é relacionada aos desacordos morais, como em relação ao aborto ou aos direitos dos homossexuais. O fato é que grupos que não tinham provavelmente outros canais, ou por já serem nativos digitais, politizaram questões relacionadas a essas esferas digitais. Elas são levadas para os ambientes de mídias sociais e para uma representação política, mas também na televisão, nas telenovelas...
JC - O deputado Jean Wyllys (P-Sol-RJ) é um político muito constante nas redes sociais.
Gomes - Ele é um intelectual público deste ambiente. Mas você vê que os ambientes são complementares, as coisas se retroalimentam. Está no Congresso e nas arenas onde há o debate público e são tomadas as decisões políticas em geral. As coisas hoje são muito mais integradas. Há o exemplo do Jean Wyllys, que traz as questões do Parlamento para este ambiente, mas também o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e Silas Malafaia levam essas questões para o Twitter. Houve os julgamentos da Suprema Corte, que acompanhou a questão da união de homossexuais, e para a qual o Twitter funcionou como uma espécie de segunda tela, com todo mundo assistindo ao julgamento e comentando o tempo todo, uma plateia de 30 milhões de pessoas. Isso é excepcional.
JC - Isso se tornou uma particularidade brasileira?
Gomes - Os julgamentos do STF são também parte da apreciação social como o todo. O Brasil é uma nação de técnicos de futebol, mas agora também somos 200 milhões de juízes do Supremo. O julgamento do mensalão foi um grande espetáculo. Há uns "depravados" que ficam acordados até uma hora da manhã para ver um debate presidencial. Milhares de pessoas no Twitter, Facebook não estavam desacompanhadas no sofá da sala, com mais uma galera gigantesca no Twitter.
JC - Quais os políticos que estão mais presentes nessa dinâmica de redes sociais?
Gomes - São muitos, não é? Tem gente de direita que usa bem, tem gente de esquerda que usa bem. Tem gente conservadora e liberal que usa bem. Mas aqui, a deputada Manuela d'Ávila (PCdoB), por exemplo, usava muito. O Marco Feliciano, os Bolsonaros ? deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) ? usam muito o Twitter. Hoje, não tem quem não esteja na rede. O caso de Aécio é estranho. Demora para usar, é relutante. Entrou apenas na última campanha. Ou o caso da própria presidente Dilma, que abandonou por quatro anos o perfil dela no Twitter. Ela é relutante.
JC - É negativa a ausência de Dilma e Aécio?
Gomes - Eles estão perdendo oportunidades. A campanha e a política estão on-line. A sua imagem como candidato também. Ou você coordena a sua campanha on-line e propõe coisas sobre você, ou outras pessoas irão fazê-lo. Falar sobre a presidência, sobre o PT é inevitável. A coisa mais esquisita para mim foi o desaparecimento de Dilma, que sumiu depois da eleição por três ou quatro meses. Quer dizer, as coisas continuaram rodando. E se a presidente ou o governo não estão on-line para dar explicações e oferecer interpretações do que está acontecendo, quem vai dar a pauta são os outros. Quem ficou falando sozinho foram as oposições. E aí deu o que deu. Quando Dilma quis retomar a interpretação dominante sobre o que estava acontecendo, já não estava sob seu controle. Perdeu essa possibilidade por não estar disponível como produtora de discurso.
JC - Os perfis falsos, mas populares, como a Dilma Bolada, acabam sendo complementares à figura do político?
Gomes - No caso de Dilma Bolada, claramente é complementar. Surgiu um perfil cômico, mas simpático à figura de Dilma, nunca foi de oposição. Mas há muitos perfis de oposição que fazem sucesso. Eles criam redes ao seu redor por produzirem material sobre o campo político, em geral satírico, mas quando Dilma desapareceu do Twitter, assim que ganhou a outra eleição, o perfil ficou pendurado como casca de cigarra na árvore, e quem ocupou esse espaço foi a Dilma Bolada, que, às vezes, confunde-se com o próprio discurso da presidente. Nesse caso, Dilma Bolada fez muito pelo perfil, pela humanização da interface virtual da presidência. Fez mais do que a própria presidência.
JC - Falando em "perfis falsos", há muita informação que também é falsa nas redes. Como o jornalismo pode se diferenciar desse bombardeio?
Gomes - O jornalismo vai continuar produzindo relatos honestos sobre a realidade. Trabalhamos muito tempo com uma hipótese sobre uma certa descontinuidade entre a produção de conteúdos horizontais, feito por pessoas para outras pessoas consumirem on-line, e que isso nos faria não depender mais da produção vertical de conteúdo que vem do jornalismo para o leitor. O político não precisa mais de mediação do jornal, agora o político fala horizontalmente com os seus eleitores, com as outras pessoas. Então, daqui a um tempo, não vamos mais precisar do Jornalismo. Mas daí, você chega em 2015 e vê que 80% ou 90% dos conteúdos digitais que atraem os leitores são produzidos pela indústria da informação, é o jornalismo, a televisão. Aquilo que? as pessoas realmente comentam e prestam atenção é feito pelo jornalismo tradicional.
JC - Elas sentem mais credibilidade?
Gomes - Pelas mesmas razões pelas quais as pessoas, em geral nas comunidades ocidentais, preferem crer no jornalismo do que nos políticos diretamente. O jornalismo é um sistema de autentificação, de checagem, então dá credibilidade.
JC - Um boato não conseguiria derrubar um governo?
Gomes - Só se as pessoas saírem correndo, pegarem um rifle e forem para rua. Veja aquele boato do Bolsa Família. Isso dura quanto tempo? Todo mundo sabe que você pode produzir notícia própria. Mas há um momento em que você pensa: "quem disse"? Um boato pode ter algum tempo de perdas, mas, logo depois, ele será desmentido.
JC - No campo da participação social, os governos estão despertando para o potencial de trazer as pessoas para dentro da gestão pública?
Gomes - Você se refere ao Dialoga Brasil?
JC - Também, e ao Marco Civil da Internet.
Gomes - O Gabinete Digital do governo do Estado do Rio Grande do Sul era uma ferramenta muito interessante.
JC - Mas iniciativas como essa tendem a crescer?
Gomes - Isso tem de aumentar. Há 30 anos, você queria saber onde estavam as pessoas para você se comunicar institucionalmente, e elas estavam no sofá da sala, vendo televisão. Hoje, não. Você tem um desafio com isso. Se tudo se tornou digital, por que não a participação política, que é requerida pelos governos, inclusive para legitimar determinadas coisas?
JC - Nas campanhas on-line, esse conteúdo vai substituir o uso de material gráfico, santinhos, ou da televisão e do rádio?
Gomes - O paradigma do digital não é o da substituição, mas da complementaridade. A internet vai acabar com os jornais? Não, porque grande parte daquilo que se usa para discutir política são jornais. Vai acabar com a televisão? Mas o que mais as pessoas fazem na internet é editar conteúdo, produzir conteúdo e ver filmes e televisão. É a mesma coisa em relação à campanha. Os materiais todos existem, e existem digitalmente também. Mas não tem um planejamento, estratégia, ações em relação às campanhas on-line, que, no Brasil, não chegaram a este nível. Mas talvez agora, com um orçamento mais baixo pela proibição das doações de empresas, passemos para a fase de campanhas realmente on-line e eficientes.

Perfil

Wilson da Silva Gomes é docente na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde atua como pesquisador e orientador nas áreas de comunicação e política, e democracia digital. Nascido no Sul do estado da Bahia, Gomes iniciou seus estudos acadêmicos em Filosofia no Brasil e seguiu com uma graduação em Teologia na Universitas Gregoriana, em Roma. Também na Itália, fez mestrado e doutorado em Filosofia pela Universitas a Scte. Thomae. Wilson Gomes realizou estudos de pós-doutorado em Cinema, pela Universidade de São Paulo (USP). Foi apenas no retorno ao Brasil que, há 25 anos, possou a se envolver com a área da Comunicação Social, quando passou a lecionar no Ensino Superior. Com atividade intensa em seu perfil no Facebook, Wilson Gomes lançou, no ano passado, o livro "Política na Timeline", no qual compila postagens sobre temas de interesse social e político. Também é autor dos livros "Política na era da comunicação de massa" e "Jornalismo, fatos e interesses".
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