O comércio exterior sempre foi um ambiente dominado pelos grandes, porém, nos últimos anos, as empresas de micro e pequeno porte (MPEs) estão ganhando espaço no mercado externo. Em 2014, 11.184 mil micros e pequenas empresas colocaram seus produtos em outros países, representando 59,4% do total.
No ano seguinte, 61% das exportadoras foram MPEs, totalizando 12.163. No ano de 2016, esse volume saltou para 12.671 mil, representando 49% do total de empresas com presença no mercado externo, conforme dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Entre as MPEs que romperam fronteiras está a gaúcha Ecotelhado, que, após sete anos atuando apenas no mercado doméstico, se lançou ao exterior em 2012. A primeira parada foi no México e teve o impulso dos sócios João Manuel Feijó e Paulo Renato Machado Guimarães. Especialista em pesquisa e desenvolvimento de produtos com design biofílico - maneira de projetar lugares de forma que as pessoas estejam conectadas à natureza. Entre o portfólio de produtos estão os ecotelhados, estruturas que permitem o desenvolvimento de jardins suspensos nas construções, e as ecoparedes, jardins verticais. "Ainda estamos engatinhando, mas disputamos espaço no mercado externo com grandes empresas da Europa", destaca Feijó.
Agora, a Ecotelhado vende para México, Peru, Uruguai e Colômbia, este considerado o maior cliente. Quem passa pelo Parque Bicentenário, em Bogotá, se surpreende com o jardim vertical apelidado de "Ponte Verde" pelos colombianos, com cerca de 12 mil plantas da Ecotelhado. Entre construções consolidadas no Brasil e no exterior, já são mais de 500 mil m² de telhados verdes, uma das principais estruturas desenvolvidas pela empresa.
No total das exportações, as empresas gaúchas fecharam o ano de 2015 em segundo lugar no ranking dos embarques, sendo que 14,2% se enquadram como microempresas e 12,6% como pequenas empresas, conforme os dados do Sebrae. Quanto aos produtos negociados, os manufaturados dominam a pauta exportadora das MPEs brasileiras, sendo representados por 84% das exportações das microempresas e 75,2% das vendas das pequenas empresas em 2015.
As MPEs somam 10 milhões de empresas no Brasil e, apesar de terem ampliado o volume de participação no comércio exterior, os resultados financeiros permanecem baixos. Em 2016, empresas brasileiras de todos os portes movimentaram cerca de US$ 185 bilhões com exportação - as MPEs ficaram com apenas 1,1% desse bolo, ou
R$ 2 bilhões. As grandes empresas representam 94,1% desse montante, conforme dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Em média, nos últimos três anos, a participação das MPEs nos embarques foi de 0,6%. Para José Augusto de Castro, presidente da Associação Brasileira do Comércio Exterior, a variação no câmbio é diretamente responsável pelo insucesso das micro e pequenas empresas nos lucros.
Em 2014, o valor do dólar comercial girou em torno de R$ 2,65, já em 2015, a moeda fechou o ano em R$ 3,94. Em 2016, a cotação foi ainda maior, cerca de R$ 4,04. "As MPEs não têm preço competitivo, o câmbio varia muito. Se uma empresa de grande porte tem problema, a pequena sofre duas vezes mais", frisa o dirigente.
Simples internacional veio para desburocratizar
Domingos diz que estruturas burocráticas não beneficiam as MPEs
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"A globalização não chegou para os pequenos, as estruturas burocráticas brasileiras não foram feitas para as MPEs." Assim, o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, define o cenário para os micro e pequenos empreendedores. Apesar do aumento da participação das MPEs no comércio exterior nos últimos anos, Domingos é taxativo ao afirmar que a burocracia ainda dificulta a ampliação dos lucros das MPEs. Em parceria com a Procoméx, o Sebrae identificou 122 gargalos que dificultam a exportação: 90% são aduaneiros, ou seja, estão ligados aos trâmites de mercadoria na exportação.
O presidente acredita que o Simples Internacional - que entrou em vigor em dezembro de 2016 - irá refletir positivamente no volume de lucro das MPEs nas exportações. Assim como o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições (Simples Nacional), a versão internacional do regime visa unificar e simplificar a arrecadação de impostos e reduzir a tributação de exportação para micro e pequenas empresas. O regime facilita os processos relacionados à tarifação dos produtos, além de facilitar os processos logísticos para as empresas.
O regime permite que as empresas nomeiem um operador logístico, que tem a missão de realizar as atividades relativas às operações de exportação, entre elas, habilitação, licenciamento administrativo, despacho aduaneiro, consolidação de cargas, contratação de seguro, câmbio, e transporte e armazenamento de mercadoria. Cabe às empresas apenas produzir.
Entender o mercado externo é indispensável
Manfre dá dicas para o sucesso
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Aprender sobre uma legislação diferente, dominar um novo idioma e entender como funciona o mercado de outro país são algumas das tarefas fundamentais para ter sucesso no comércio exterior. A entrada de uma empresa em outro país exige um preparo minucioso.
Para fazer frente a essa demanda, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) oferece uma série de ferramentas para as companhias que desejam ingressar no exterior. Entre as alternativas está o Programa de Extensão Industrial Exportadora (Peiex), que visa capacitar as empresas para a exportação. Após receberem um diagnóstico do seu poder competitivo e diversos treinamentos relacionados à rotina de exportação de uma empresa, os empresários são expostos à primeira ação de exportação. Ou seja, os empresários têm contato direto com a atividade exportadora por meio de missões e rodadas de negócios.
Estudar o mercado antes de se inserir nele é o ponto de partida para as micro e pequenas empresas, é o que afirma Maurício Manfre, gerente da diretoria de negócios da Apex-Brasil. "Neste ano, realizamos a missão Peipex Paraguai e Bolívia, onde 42 empresas brasileiras iniciantes ou inexperientes em exportações participaram de rodadas de negócios", frisa Manfre. Nessa oportunidade, foram negociados mais de US$ 45 milhões nos dois países. O programa tem o objetivo de inserir, até 2018, 7.747 empresas no mercado exterior. O núcleo Peiex do Rio Grande do Sul tem sede nas cidades de Lajeado e Novo Hamburgo.
Especialista em comércio exterior, Alfredo Kleper Lavor percebeu a dificuldade dos pequenos com o comércio exterior. Por esse motivo, criou a empresa Intradebook, que desenvolve soluções para operações de negócios internacionais. Com sede em Florianópolis, a empresa trabalha com metodologias que preparam o micro e pequeno empresário para a exportação. "Três fatores dificultam a exportação para micro e pequenos: o desconhecimento de rotinas e procedimentos, não conhecer o mercado e a logística", afirma o especialista. A empresa auxilia os empresários nessas três etapas. Ao todo, mais de 10 mil empresas estão cadastradas no programa, dessas, 60% são brasileiras e 3 mil realizam vendas externas ativamente.
Plataforma on-line facilita a negociação
Fortalecer MPEs também é beneficiar a América Latina, afirma Piereck
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Assim como em outros setores, a tecnologia se tornou aliada dos empresários quando o assunto é a negociação de produtos, e para os micros e pequenos empresário brasileiros não foi diferente. A ConnectAmericas - primeira rede social focada em comércio exterior - foi desenvolvida para o micro, pequeno e médio empresário. Usuário para essa rede não falta, já que 99% das empresas da América Latina e do Caribe (ALC) que integram a plataforma se encaixam no perfil MPEs. "Realizamos estudos e constatamos que, ao fortalecer MPEs, fortalecemos também as economias dos países da América Latina", ressalta o especialista em comércio e integração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Guilherme Piereck. Segundos dados do BID, 42% das empresas latino-americanas que exportam remuneram melhor, 55% vendem mais e 54% produzem mais. Um incentivo e tanto para quem ainda está fora desse filão.
O Sebrae Nacional e o BID uniram forças para facilitar a parceria dos empreendedores com agentes na América Latina e Caribe. O acordo assinado entre as instituições - que são parceiros desde 2009 - tornou o Sebrae administrador da sessão de Comunidades de Negócios que integra a ConnectAmericas. O plano-piloto contempla as relações entre Brasil e Argentina. Neste espaço, micro e pequenos empresários dos dois países podem divulgar produtos e serviços que desejam comprar ou vender.
Por ser uma rede social, é possível comentar as publicações feitas, manifestar interesse ou entrar em contato direto por meio de um sistema de mensagem interno com o empresário que propôs o negócio. "A ferramenta extrapola, pelo meio virtual, fronteiras comerciais que empreendedores de pequeno porte têm dificuldades de transpor", pontua Fernanda Maciel, gerente de Relações Institucionais do Sebrae Nacional. A principal vantagem do uso da comunidade, diz a executiva, são as amplas oportunidades de negócios, principalmente para empresas dos estados que fazem fronteira com outros países da América do Sul, como o Rio Grande do Sul, por exemplo. Estima-se que entre as 3.500 empresas brasileiras cadastradas na ConnectAmericas, 70% sejam micro ou pequenas.
Dificuldades enfrentadas pelas micro e pequenas (MPes)
Financiamento da venda e da produção
No comércio internacional, as modalidades de pagamento e a logística são mais complexas, aumentando o prazo do ciclo de produção, venda e recebimento do pagamento. Isso demanda maior capital de giro da empresa exportadora para manter esse ciclo, e nem sempre as MPE têm o capital necessário disponível. Em alguns casos, o próprio processo de produção é longo, aumentando esse ciclo.
Burocracia e legislação
Conhecer a legislação e a burocracia do mercado-alvo é algo inerente às operações de comércio internacional. A empresa interessada em acessar mercados externos deve ter pessoal próprio capacitado ou contratar assessoria para lhe auxiliar na elaboração e na execução de seu projeto de comércio exterior.
Controle de qualidade
Mais desafiador do que conseguir fabricar um produto de qualidade é manter o mesmo padrão de qualidade em todos os produtos no decorrer do tempo. Importadores costumam queixar-se de receber uma amostra de excelente qualidade, aprovam a amostra, mas, quando recebem as mercadorias solicitadas, verificam que a qualidade não foi mantida. Outro problema comum, o padrão de qualidade se altera à medida que os pedidos se repetem. MPEs precisam implantar programas de qualidade, usar tecnologia adequada e ter processos devidamente normatizados.
Embalagem e transporte
A logística geralmente é mais complexa, e o tempo de viagem, mais longo no comércio internacional do que no mercado doméstico. Em muitos casos, é necessário usar embalagens de transporte mais reforçadas, marcadas de acordo com as necessidades dos clientes e normas do país de destino da mercadoria. Além disso, o mais comum é que a carga seja acomodada em contêineres em quantidades que devem ser estimadas previamente para o correto cálculo de custos e preço de exportação dos produtos, assim como produzidas na quantidade correta. As MPEs devem ter pessoal disponível e capacitado para essa atividade.
Necessidade de escala de produção
Para alguns produtos e clientes, é necessário que o exportador tenha escala de produção para atender às suas necessidades. Portanto, as MPEs devem ter cuidado redobrado para não oferecer seus produtos a clientes que não conseguirão atender.
Distribuição, assistência e pós-venda no país comprador
Ao pensar em exportação, qualquer empreendedor deve pensar na operação completa - compra da matéria-prima, produção, saída do produto de sua fábrica, chegada no consumidor ou usuário final no país de destino - e, ao mesmo tempo, manter ou adequar os serviços que oferece aos seus clientes no Brasil, mesmo que parte desse trabalho seja terceirizado. Para muitos produtos, não basta encontrar um importador-distribuidor, é necessário definir como será prestada a assistência técnica, a reposição de peças, os serviços pós-venda etc. Empresários de MPEs e até de médias e grandes empresas tendem a pensar FOB, ou seja, preocupar-se somente com a operação e seus custos até o embarque da mercadoria no navio, no caminhão ou na aeronave.
Nível de entendimento requerido do mercado
É muito comum as MPEs entregarem seus negócios internacionais a agentes, trading companies ou comerciais exportadoras, muitas vezes, sem saber se esses intermediários estão a serviço dos importadores ou apenas de seus interesses próprios. Embora esses intermediários possam ser excelentes alternativas para MPEs iniciarem seu processo de comércio exterior, é necessário que o trabalho seja conjunto e que o empresário se envolva e tenha interesse em conhecer seus clientes e em entender o mercado de destino de seus produtos e serviços.
Promoção comercial
Devido a seu custo relativamente alto, a promoção comercial no exterior acaba sendo relegada a segundo plano pelas MPEs, ou até esquecida. Em troca de pedidos mais fáceis, muitas MPEs abrem mão de sua própria marca para vender com a marca dos clientes. Essa escolha as tornam mais fáceis de serem substituídas.
Fonte: Sebrae Nacional