Lei da Anistia completa 35 anos neste mês

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Agosto é um mês emblemático para os ex-exilados e para a história do País. Em 28 de agosto de 1979, o último presidente do período da ditadura militar (1964-1985), João Figueiredo, promulgou a Lei da Anistia. O texto anistiava “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”. Com isso, muitos exilados políticos puderam voltar ao Brasil, embora a maioria dos perseguidos ainda reivindiquem alterações na Lei da Anistia.
Aqueles que foram para o exílio tinham ocupações diversas antes de deixarem o País: eram intelectuais, acadêmicos, artistas, jornalistas, políticos, militantes. Sofreram violências variadas: censura, ameaças, prisão, tortura. Organizaram suas vidas de maneiras diferentes no exterior: alguns continuaram militando, outros ingressaram em universidades e outros ainda tiveram que trabalhar em subempregos para sobreviver. O advogado João Carlos Bona Garcia foi um dos afetados diretamente pela perseguição promovida pelo regime militar. “A Lei da Anistia promulgada pelo Figueiredo era a anistia possível naquele momento. Mas acredito que hoje devemos avançar mais. As Forças Armadas sequer fizeram um pedido de desculpas formal pelos crimes cometidos pela repressão em nome do regime militar. Creio que isso seria positivo inclusive para a imagem da instituição”, critica.
Bona Garcia não só foi exilado, como também expatriado. Ele participou da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), atuando na luta armada contra o regime militar. Foi capturado, preso, torturado durante um ano, até que foi trocado pelo embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher, que havia sido sequestrado pela VPR. Saiu da cadeia na Ilha Presídio em 1971 e, sob ameaças de morte, chegou ao aeroporto, onde viajou até o Chile; em 1973, com o golpe militar chileno, migrou para a Argélia; em 1974, mudou-se para a França. Retornou ao Brasil em 1979 – anistiado.
“Logo que fui solto, me senti aliviado, afinal, estava encarcerado em condições péssimas e era torturado frequentemente. Depois comecei a pensar no que fazer no exterior, porque minha família não tinha condições de me sustentar. Então tinha que trabalhar, cuidar da esposa e do meu primeiro filho, que já havia nascido. Sempre achei que a melhor coisa que um exilado pode fazer é se integrar à cultura, ao país que o acolhe. Fiz isso através do aprendizado da língua e do trabalho”, lembra o ex-guerrilheiro.
Ele se recorda da sensação que o acometia principalmente na Argélia e na França. “É impossível se integrar por completo em uma cultura diferente da nossa. Tínhamos que trabalhar e aprender a língua rapidamente, mas as pessoas percebiam que éramos estrangeiros. Um dos meus filhos nasceu na Argélia, não falava português, falava francês. Isso me fez ver como, no exílio, a nossa origem começa a ficar distante, nosso país começa a se transformar numa lembrança. Dependíamos do governo daqueles locais para liberar nossos documentos, só que não éramos cidadãos daqueles locais. Por outro lado, não podíamos voltar para o Brasil. Isso gerava um sentimento de não-pertencimento”, reflete Bona Garcia. O advogado só voltou ao Brasil quando a sua condenação – baseada na Lei de Segurança Nacional – foi anulada pela Anistia.

Artistas eram alvo recorrente da censura durante a vigência do regime militar

Se, por um lado, a Lei de Anistia de 1979 permitiu que os exilados voltassem ao Brasil, por outro, previa poucas ações para reparar os danos provocados pela perseguição política. A rigor, estipulava apenas que os servidores públicos que foram afastados dos seus cargos por motivos políticos poderiam requerer o retorno ao posto, em um período de até 120 dias depois da promulgação da lei.
O Estado brasileiro só começou a criar políticas de reparação econômica em 2002, através da Lei Federal Nº 10.559, que revogou uma série de diretrizes normatizadas pela anistia do regime militar. A matéria estabelece que o anistiado pode optar entre dois tipos de indenização: uma pensão mensal no valor da remuneração que recebia na atividade econômica a qual foi afastado; ou uma prestação única, equivalente a 30 salários-mínimos para cada ano que esteve impedido de exercer sua profissão, sendo que o total não pode exceder o teto de R$ 100 mil.
O dramaturgo Júlio Zanotta é um dos beneficiados pela reparação econômica, por conta da perseguição e censura dos seus textos para teatro. Zanotta foi um dos fundadores do grupo Oi Noiz Aqui Traveis, que estreou em 1978 com a montagem de duas peças de sua autoria – A Divina Proporção e A felicidade não esperneia Patati-Patatá. As montagens resultaram no fechamento do teatro e na perseguição dos artistas. Em 1980, Zanotta escreveu As Cinzas do General, que, quando entrou em cartaz no Teatro Um, culminou novamente no fechamento do estabelecimento e na censura ao texto.
“Acho que As Cinzas do General foi a primeira peça a criticar abertamente o regime militar. As autoridades me acusaram de incitar o uso de drogas, porque uma das personagens mencionava que achava que a maconha deveria ser legalizada. Censuraram a peça com essa desculpa. Só que no fundo estavam preocupados com o conteúdo político”, comenta.
O dramaturgo relutou em entrar com um processo contra o Estado brasileiro. “No começo, não quis a anistia porque era contra meus princípios receber dinheiro do Estado. Mas a ditadura interrompeu minha carreira, tolheu minha liberdade de expressão e acabou com o meu meio de vida – o teatro.”