Empresas devem ser proibidas de financiar pleito, diz Heinz
Novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul, o desembargador Marco Aurélio Heinz assume a Corte com a missão de conduzir o processo eleitoral deste ano. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, apresenta as principais diretrizes do TRE para estas eleições, que têm quase 8,4 milhões de gaúchos aptos a votar. Um dos temas mais polêmicos da reforma política é o financiamento privado das campanhas. Para Heinz, o principal objetivo da legislação eleitoral é proibir o abuso do poder econômico. Mas o presidente da Corte vai mais adiante: aponta que o caminho seria impedir a doação das empresas que, segundo ele, não representam o cidadão.
Um tema do qual a Justiça Eleitoral deve se ocupar é a campanha virtual. A maioria dos partidos ainda aposta na confecção de cartazes, panfletos e santinhos, mas um grande investimento está sendo feito na propaganda através das redes sociais. A internet, por sua característica inovadora em termos de alternativas de divulgação, é um meio de difícil controle. O desembargador Heinz reconhece que o campo das “nuvens digitais” ainda é subjetivo, do ponto de vista jurídico, mas asssegura que todos os casos serão analisados com cuidado.
Jornal do Comércio – Quais são as diretrizes do TRE para estas eleições?
Marco Aurélio Heinz – Nós tivemos um impasse até pouco tempo que foi resolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Justamente por isso, o Congresso enviou um projeto de lei, que foi aprovado, prevendo novas regras para a eleição. Não só da eleição, mas tratando de outros temas. E o problema era que, em razão da Constituição, a minirreforma poderia não valer para este ano, porque ela foi aprovada em dezembro e existe uma reserva de tempo pra que a lei tenha valor para aquela eleição – que é um ano. Mas não havia, digamos assim, uma unanimidade de entendimento por parte do TSE sobre se seria aplicado ou não, porque tudo depende de como se define o processo eleitoral, quais são os atos que compreendem, se a propaganda incluiria ou não. Mas, em boa hora, agora, o TSE entendeu que não se aplica para este ano.
JC – E a posição do TRE?
Heinz – O TRE já tinha decidido em sede jurisdicional, em um voto capitaneado pelo doutor Ingo (Wolfgang Sarlet, juiz de Direito), que não se aplicaria a lei da minirreforma, mas sim a resolução do TSE sobre o tema. Esse voto tratou de filiação, mas também poderia se estender para propaganda eleitoral. Parece que agora é um atendimento inclusive dos ministros que compõem o TSE, que alguns também atuam no Supremo Tribunal Federal (STF). Prevaleceu o entendimento de que não era aplicável a minirreforma para este pleito, só para o próximo. As regras não se aplicam para esta eleição, embora o TSE tenha adotado um tema só: cavaletes, que é de pouca importância. Então, o que temos é o seguinte: é aplicável a resolução do TSE. E, na realidade, como esta eleição é nacional, o juiz daqui, que atua na Zona Eleitoral, tem poder de polícia sobre a propaganda, mas todo o registro é feito perante o tribunal. O dos presidentes, lá em Brasília, do governador, deputados e senador, enfim, aqui no TRE. Por isso, a Zona Eleitoral tem poder de polícia sobre a propaganda.
JC – Um os temas que gerou debate foi o fim do financiamento privado. O senhor acredita que vem aumentando a influência econômica nas campanhas e na política?
Heinz – Sim, isso é decisivo, porque a ideia central da legislação eleitoral é proibir o abuso do poder econômico. E justamente passa pelas fontes que vão financiar essa campanha. O sistema brasileiro é misto, muito do que os partidos e os candidatos usam é verba pública, que muito vem do Fundo Partidário. Agora, me parece que o financiamento privado não é bem o tema, me parece que se deve, e isso é um entendimento meu, impedir o financiamento da empresa, porque ela não é cidadão, e o processo eleitoral é feito para a cidadania e em favor do cidadão. É o expoente máximo da cidadania, em que se é eleito e se vota. Então, a empresa, e isso é uma questão que está para ser decidida – se as empresas vão ter legitimidade de financiar campanha política –, eu acharia que não. Além do Fundo Partidário, os partidos políticos se beneficiam da propaganda gratuita, que, na verdade, de gratuita não tem muito, porque as empresas de comunicação, por exemplo, abatem o custo em tributos, o que pode ser chamado de um financiamento público da campanha eleitoral. Então, é o Fundo Partidário e mais a propaganda gratuita de rádio e televisão.
JC – O aumento significativo dos custos das campanhas preocupa o TRE?
Heinz – Sim, justamente o abuso do poder econômico é um dos casos de cassação. Há um prognóstico de crescimento... Ou o que se vê é que há aumento quase vertiginoso entre eleições passadas e até hoje, mas nunca se sabe. Cada eleição é uma eleição. O prognóstico já fala em bilhões, mas não se sabe se vai se concretizar. Pelo sistema que há essa concomitância de custeio de privado e de público, pode-se dizer que vai haver um avanço no custo da campanha. Mas não se tem ideia do que pode acontecer.
JC – Não é contraditório permitir cavalete, que polui mais as vias públicas, e proibir outdoor?
Heinz – É que o outdoor tem mais a ver com o abuso do poder econômico. O outdoor, ao meu sentir, apresenta um custo econômico muito maior. O que se quer é a uniformidade de armas, que todos tenham a mesma chance, e evitar que quem tem mais dinheiro interfira e faça uma propaganda maior.
JC – Mas e o cavalete teria um tamanho definido?
Heinz – O cavalete não teria essa expressão econômica, em tese. O grande problema do outdoor é isso, o tamanho. Mas isso também são definições de natureza política. O outdoor é muito mais caro, só isso. É um tamanho maior e nem todos teriam acesso, em tese. Então, isso é pra dar chance aos que têm menos condições financeiras de gastar na campanha. Para que todos tenham a mesma visibilidade, digamos assim.
JC – Como vai funcionar a fiscalização da propaganda na internet, que está permitida? Propaganda pode, mas paga não. E o Facebook, em que há ‘posts’ patrocinados, e o Twitter, com os ‘tweets’, que também podem ser pagos para publicação, há alguma previsão de controle?
Heinz – Essa é a parte mais sensível. Como é um mundo novo, vai ser difícil. A propaganda vedada é a propaganda paga, e o site tem que ter registro no País. Esses são, digamos, o norte. O que é permitido? O site deve ter um servidor estabelecido no País e não pode ser pago. Nós vamos exercer o controle. Com o avanço da internet se tem mais condições de estabelecer um controle, e aí é mais o Ministério Público (MP) que teria, em tese, maior condição de acesso à propaganda irregular pela internet.
JC – Como fica a situação do Facebook em relação à exigência de o site ter registro no País?
Heinz – O servidor tem que ter um registro, exatamente para poder haver um controle. Se fosse internacional, a autoridade brasileira não teria como exercer um controle sobre um país independente. Então, o provedor tem que estar registrado no Brasil para que a Justiça Eleitoral tenha acesso e faça cumprir determinações.
JC – O número de denúncias pode aumentar com a participação dos internautas?
Heinz – É, pode ser. É difícil um cálculo, um prognóstico nisso. O (Barack) Obama (presidente dos Estados Unidos) trouxe para cá uma realidade que ainda não se conhecia. Se diz que ele foi eleito com base na internet, e que agora é o instrumento preferencial da propaganda. Mas é difícil arquitetar até que ponto... O Brasil é continental e tem uma divisão econômica e populacional muito distinta. O Estados Unidos é um país mais apetrechado, digamos assim, e a população tem mais acesso à internet do que o Brasil. Por isso é difícil fazer um prognóstico, se vai aumentar a propaganda pela internet. Acho que é um instrumento e que todo mundo está se valendo.
JC – O senhor conduzirá o processo nesta eleição geral. Quais as características que distinguem esta disputa das municipais?
Heinz – Na eleição municipal, os ânimos são mais acirrados, a disputa pelo cargo é muito maior, porque é muito viva a representação e o eleitor, que estão muito juntos. E nas eleições nacionais, há uma distância entre o eleitor e o candidato. Então, o que se pode notar de diferente é o tipo de eleição, se é municipal para prefeito e vereador ou se é para presidente e para governador. Esse acirramento entre os partidos e os candidatos é muito maior na eleição municipal.
JC – Nestes anos de experiência na Corte, quais são as demandas à Justiça mais comuns no período pré-eleitoral?
Heinz – A maior demanda, antes do pleito, é a impugnação dos registros de candidatura. No decorrer do pleito e depois do resultado, são aquelas ações que visam impugnação do diploma: ou por abuso de poder econômico ou por abuso de poder político. Condutas vedadas, como se chamam. Então, basicamente, antes do pleito é a impugnação do registro de candidatura. Depois e durante a campanha, a questão de propaganda irregular.
JC – Comparando a propaganda antecipada deste ano com a da eleição de 2010, houve uma redução de quase 70% nos registros de irregularidades. Pode ter havido acordo entre os partidos para diminuir o número de denúncias?
Heinz – Não. Acho que houve uma evolução, digamos assim, no comportamento dos candidatos e dos partidos, no sentido de se ajustar à legislação que proíbe essas condutas vedadas.
JC – Ficou algum desgaste institucional entre o TSE e o Congresso Nacional no impasse sobre o tamanho das bancadas nos estados?
Heinz – Não, isso é próprio da democracia. São entendimentos que não prevaleceram. O que se discutia é a legitimidade da forma como foi proposto o número de cargos. O que o Supremo decidiu é que a forma não foi a melhor. O Congresso porque editou um decreto e o TSE porque baixou uma resolução sobre o tema, que se exige uma lei complementar. Basicamente foi vício de origem, não teve mérito sobre o número de cadeiras. E voltou tudo ao que era antes, essa eleição é quase que um xerox da eleição passada.
JC – As urnas eletrônicas no Brasil são um modelo de votação considerado referência no mundo. É um mecanismo 100% seguro?
Heinz – Acho que sim. Aqui no Brasil, o maior sistema de controle são os partidos, os próprios interessados, e os candidatos. As urnas ficam à disposição, eles têm acesso. É um controle muito mais apurado do que na época que era de cédula.
JC – O recadastramento biométrico vai demorar muito para ser implementado em todo o País?
Heinz – A previsão é de que se instale até 2018 em todo o Brasil. A ideia do presidente do TSE (José Antonio Dias Toffoli) é, inclusive, usar esses dados para não deixar só no eleitoral. Seria uma espécie de carteira de identidade, uma vez que já existe a identificação. Ele quer fazer uma carteira de identidade única, estender até para os recém-nascidos, porque nós temos tudo aqui: um cadastro dos eleitores que pode se expandir para os não-eleitores, os que vierem nascendo... Porque o importante é isso, a identificação biométrica, o registro da digital.
JC – É um processo caro?
Heinz – É, é um kit. Envolve fotografia, autenticação. É caro e é demorado, tendo em vista que isso tem que ser no interregno de eleições, não pode coincidir. Então, tem que ser de uma eleição para outra, com calma. Tem que fazer nova identificação, registro do eleitor. É um novo pedido de inscrição como eleitor daquela Zona Eleitoral, mas o número permanece o mesmo.
Perfil
Natural de Porto Alegre, Marco Aurélio Heinz graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) em 1972. Ingressou na magistratura em 1981, atuando em Canela, Palmeira das Missões, Lajeado e, por último, na Capital. Já em Porto Alegre, foi juiz substituto no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) em 1995 e 1996. Dois anos depois, foi alçado a desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Na década de 1990, Heinz enfrentou uma das primeiras ações sobre a relação homoafetiva, em que um dos companheiros havia morrido e a divisão dos bens estava sendo disputada com os familiares do falecido. O magistrado opinou pela garantia da residência de ambos ao companheiro. A decisão foi um marco no Judiciário gaúcho. Desde o ano passado, vinha exercendo os cargos de vice-presidente da Corte Eleitoral gaúcha, corregedor regional eleitoral e ouvidor. Em maio deste ano, assumiu a presidência do tribunal para conduzir o processo eleitoral.