Câmara está sendo ocupada por grupo há uma semana

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Cerca de 100 pessoas do Bloco de Luta pelo Transporte Público ingressaram na Câmara Municipal de Porto Alegre na noite da quarta-feira passada. Hoje a ocupação da Casa, com núcleo no plenário, completa uma semana, e o grupo, que já conta com aproximadamente 400 pessoas, tem como principal marca a diversidade.
São estudantes, trabalhadores, desempregados, sindicalistas, quilombolas, indígenas e artistas de rua dividindo o mesmo espaço diariamente para dormir e se alimentar. Ontem, na véspera da audiência de conciliação e da provável desocupação do espaço, uma comissão formada por cinco jovens integrantes do Bloco recebeu a reportagem do Jornal do Comércio no pátio do Legislativo municipal e contou como o grupo se organizou nos dias de ocupação. Segundo os ativistas, foram formadas várias comissões com temas diversos, que tratam desde a comunicação até a alimentação do grupo e a limpeza do local.
“As pessoas voluntariamente se agregam, e isso tem funcionado perfeitamente. Prova disso é o despacho da juíza (Cristina Luísa Marchesan da Silva), que suspendeu a reintegração de posse e determinou a audiência de conciliação para hoje”, afirmam. Eles reforçam ainda que no quesito alimentação, além de doações da população que apoia a ocupação, diversos sindicatos e movimentos sociais estão destinando alimentos. “Quando as pessoas vão às suas casas, sempre voltam com alguma coisa”, dizem os integrantes, citando o auxílio que estão recebendo.
Em pleno inverno gaúcho, o grupo parece não se importar com o conforto na hora de dormir. Alguns chegam com isolantes térmicos, colchões, mas outros carregam somente um travesseiro e dormem no chão do plenário da Casa legislativa. “É um sacrifício, tem companheiros que ficam gripados, mas a gente enfrenta o frio, enfrenta qualquer coisa para conquistar o passe livre” afirmam, fazendo uma referência às manifestações que ocorreram no Brasil no mês de junho. “É uma representação do que ocorreu. Não é isolado. Em Passo Fundo houve ocupação, Santa Maria e Rio Grande. A população não consegue mais pagar essa conta, a gente acha que para essa realidade mudar tem que seguir o povo na rua.”

Assembleias são método de deliberação do grupo

As decisões tomadas pelo Bloco de Luta passam pelas assembleias, que chegaram a receber 500 pessoas em algumas ocasiões. O número exato da quantidade de assembleias realizadas o grupo não sabe, mas no mínimo duas por dia, e se orgulham de dizer que esse é o espaço em que todos têm voz. “Tem uma comissão que sistematiza as assembleias, determina os pontos de pauta. Expostos os assuntos na assembleia, aí é o espaço mais aberto, mais amplo e democrático de toda a nossa ocupação, onde todo mundo pode falar, tem direito a voto e a apresentar propostas de debates”, relatam os integrantes, que provocam o Legislativo. “É uma democracia de verdade. Não é a democracia que existe dentro da Câmara de Vereadores.”  Foi dessa forma que um pesquisador e antropólogo que integra o movimento conseguiu estender aos quilombolas e indígenas o projeto do passe livre. “Foi feita uma discussão e incluído de maneira complementar ao projeto.”

Durante o final de semana, o Bloco de Luta elaborou dois projetos de lei através das assembleias. Além do que trata da implementação do passe livre para estudantes, idosos, desempregados, indígenas e quilombolas, outro que exige a abertura da planilha de contas das empresas de ônibus também foi construído. A expectativa do grupo era de que os projetos fossem protocolados na sessão de segunda-feira, mesmo dia em que estava prevista a reintegração de posse – depois suspensa pela Justiça -, mas os trabalhos legislativos foram cancelados pela presidência da Câmara. “A verdade é que desde o início o que a gente queria era pôr em pauta, e para gente saber quem é que defende nosso projeto ou não, eles têm que estar aqui”, esclareceram. “Foram os vereadores que, ligados a maioria à prefeitura, optaram por não vir trabalhar. Inclusive nós garantimos que liberaríamos o plenário.”
Além do tema central do transporte público, é comum ver cartazes e faixas na ocupação e até mesmo músicas que abordam outros assuntos. Questionados, os manifestantes afirmam que isto é fruto da agregação e da diversidade dos ocupantes. “O movimento se agrega a outras pautas. As pautas da classe trabalhadora são as pautas do Bloco de Luta”, conclui, citando a presença de membros de ONGs, cooperativas e outros movimentos sociais que estão juntosna ocupação. “Esta adesão se deve ao histórico de lutas sociais existentes e acumulado ao longo dos anos.”

Expectativa é de que haja conciliação

A expectativa de ambas as partes é de que haja a conciliação na audiência de hoje, marcada para as 15h no Foro Central de Porto Alegre. Os integrantes do Bloco de Luta continuam reivindicando a reabertura do diálogo com o presidente da Câmara, Thiago Duarte (PDT). “A Justiça precisou intervir. Aí a gente observa a intransigência da presidência da Casa em não receber e não abrir o diálogo.” Os manifestantes disseram que a expectativa para a audiência é positiva. “Construímos todo o nosso projeto de passe livre e esperamos que sejam dados os procedimentos necessários para que seja implantado.”

Duarte diz que a expectativa é de que o bom senso prevaleça e que os manifestantes deixem o espaço, que, segundo ele, é público e deve ser ocupado pelos vereadores eleitos pela população. “O movimento é partidário. É do PSTU, do PT, é do P-Sol. O movimento tem os seus representantes”, afirmou o pedetista, que disse que a ocupação uma ação desproporcional. “A Câmara não tem poder de polícia, não tem como se defender”, ressaltou. Sobre os textos elaborados pelo grupo, Duarte diz que os projetos e as discussões do grupo devem ser feitas pelos seus representantes para que os vereadores possam votar de forma livre e soberana.
A vereadora Fernanda Melchionna (P-Sol), principal responsável pela mediação do grupo com a presidência da Casa, disse que o movimento defende a conciliação. “Espero é que o presidente pare de ter essa postura unilateral e autoritária e de fato negocie para garantir a democracia e a transparência.” Ontem, a Justiça negou o pedido de agravo de instrumento da presidência da Câmara, com o objetivo de derrubar a suspensão da reintegração de posse do local.

Prefeitura era principal alvo das primeiras manifestações

Fernanda Bastos

Apesar do recente episódio na Câmara Municipal de Porto Alegre, o Bloco de Luta pelo Transporte Público tem se mobilizado desde o início do ano nas ruas da Capital. O grupo vem aglutinando simpatizantes e ganhando voz desde janeiro, quando ocorreram as primeiras manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus. A Praça Montevidéu, em frente à prefeitura, foi o local mais comum de reunião dos manifestantes – e deve voltar a ser amanhã. Entre janeiro e fevereiro os primeiros protestos contra o aumento da passagem reuniam centenas de pessoas, que tentavam se adiantar ao aumento programado para março. Foi exatamente nesse mês, no dia 21, que o Conselho Municipal de Transporte Urbano aprovou o reajuste da tarifa na Capital de R$ 2,85 para R$ 3,05. A decisão foi homologada no mesmo dia pelo prefeito em exercício Sebastião Melo (PMDB), mas criticada por integrantes do Bloco.
Quatro dias depois, numa segunda-feira, quando o valor começaria a valer nas catracas, o grupo fez um protesto em frente à Pucrs. Na quinta-feira da mesma semana acontecia um dos embates mais duros: nova manifestação na sede da prefeitura acabaria em confronto com a BM, pichações e vidros e janelas do Paço Municipal quebrados. Uma das líderes do Bloco foi presa e mantida na prefeitura. O secretário municipal de Governança Local, Cezar Busatto (PMDB), que tentou intervir no protesto, foi hostilizado.
Em 3 de abril, os vereadores do P-Sol, Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, protocolam, na 5ª Vara da Fazenda Pública, uma ação cautelar com pedido de liminar exigindo a revogação do aumento da tarifa. A medida tinha como base apontamento do Ministério Público de Contas, que apurou irregularidades na produção dos dados que embasam os cálculos das planilhas tarifárias. Um dia depois, a Justiça concede liminar aos vereadores, e o aumento da passagem é suspenso. Manifestação que já estava em curso no Centro da Capital tem clima de festa.
No dia 11 de abril, nova marcha vai até a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), que é depredada. Entre maio e junho, ganham ainda mais vulto as manifestações. Já com milhares de pessoas, no dia 13 de junho a marcha tem saída da prefeitura, mas é dispersada na avenida João Pessoa, com prisões e atuação da Brigada Militar questionada. A BM é acusada de lidar com os manifestantes pacíficos utilizando de violência.
Uma das maiores manifestações acontece no dia 20 de junho, quando é estimada a participação de mais de 20 mil pessoas. No trecho entre a Azenha e a Ipiranga, manifestantes são recebidos com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo pela BM. Como reflexo do crescimento da participação, são registrados atos criminosos, como depredações e saques no Centro e na Azenha. O prejuízo estimado pelo Sindilojas aos proprietários é de R$ 600 mil.

Câmara vira foco por rejeitar passe livre e transparência

A Câmara de Porto Alegre se tornou o alvo após rejeitar demandas comuns às do Bloco de Luta pelo Transporte Público em votação em que foi aprovada concessão de isenção do ISS (Imposto sobre Serviços) às empresas de ônibus de Porto Alegre, no dia 1. A aprovação do projeto de lei do Executivo municipal possibilitou que a prefeitura diminuísse para R$ 2,80 o valor da tarifa, que estava em R$ 2,85.

As principais demandas do Bloco são a abertura das contas das empresas e o passe livre municipal para estudantes, trabalhadores e desempregados. Os dois temas viraram projetos de lei por encaminhamento do Bloco. Outra ideia que se fortaleceu é a de que o transporte deve ser totalmente controlado pelo Poder Público.
Entretanto, outras demandas orbitam nos debates do Bloco, como o fim dos monopólios dos meios de comunicação e da criminalização dos movimentos sociais. Os ativistas são contrários aos gastos com os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e à remoção de moradores das vilas no entorno do estádio Beira-Rio e de outros locais-chave para o Mundial. A própria ocupação é um pedido de maior interlocução dos vereadores e da prefeitura municipal com os movimentos sociais.
Nesse pedido, se escoram os vereadores da oposição, alguns inclusive correligionários dos integrantes do Bloco de Luta. Vereadores do PT e do P-Sol têm demonstrado paciência para dialogar e encarnaram o papel de mediadores. Sentindo-se ameaçados, os governistas atuam em outra frente, recorrendo à Assembleia Legislativa e enfrentando o Executivo estadual.