Uequed crê que o eleitor insatisfeito votará em Marina Silva

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Com uma trajetória parlamentar de mais de 25 anos, a maior parte dela vinculada ao PMDB, o ex-vereador de Canoas e ex-deputado federal Jorge Uequed se licenciou do partido para ser um dos organizadores no Rio Grande do Sul da campanha da pré-candidata do PV à presidência da República, Marina Silva. "Quando ela se lançou no ano passado, decidi apoiá-la", lembra, explicando que se trata de uma militância suprapartidária. Na avaliação do ex-deputado, falta uma política de desenvolvimento sustentável, conceito, segundo ele, introduzido no País por Marina e agora adotado pelos pré-candidatos à presidência José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT).
Uequed critica as composições políticas fisiológicas. "Partido hoje é só um instrumento eleitoral. São empresas comerciais, que abrem franquias", afirma, observando que não há exceção em nenhuma sigla. Frustrado com a dinâmica político-partidária, o ex-deputado chegou a pensar em fundar uma nova legenda. "Seria o PO, Partido de Oposição, que não aceitaria ocupar os cargos no E-xecutivo ou em Mesa Diretora nos Parlamentos", imagina. A atuação do PO seria voltada à fiscalização, papel que, para ele, o Legislativo não cumpre. "O Poder está depreciado pelos legisladores", avalia, ao constatar o predomínio dos acordos político-partidários sobre os compromissos dos mandatos parlamentares.
Para Uequed, a insatisfação po-pular com esse processo deve fazer "brotar a votação" da pré-candidata do PV. "As pessoas querem mudança e veem na história e na figura da Marina a possibilidade de transformação", aposta.
Jornal do Comércio - Quando o senhor decidiu apoiar o PV?
Jorge Uequed - Não estou no PV. Fui ao diretório do PMDB pedir licença, porque decidi, já no ano passado, fazer campanha para Marina Silva, que é minha candidata à presidência. Não quero ficar nessa dicotomia perigosa, nesse maniqueísmo que só leva à destruição dos princípios democráticos. Ou é Serra ou é Dilma. Quero o direito de escolher.
JC - A questão ambiental pesou na sua escolha?
Uequed - Marina é a melhor possibilidade de o País enfrentar a realidade no momento, que não é essa proposta de "progresso". Progresso é uma maneira de os que têm dinheiro ganharem mais dinheiro. Quero desenvolvimento, que é uma maneira de a sociedade viver me-lhor. Não precisa inteligência para ver que a incapacidade de gerir os recursos naturais está nos levando a uma situação catastrófica. E quando o presidente (Lula) fez a opção que fez quando Marina era minisitra do Meio Ambiente, na questão do desmatamento... Os governos têm medo de dizer não aos poderosos.
JC - Por exemplo.
Uedqued - Eles dizem não a aposentados. Agora, para banqueiros, investidores, não dizem não. A questão dos juros. Ou mesmo o programa Minha Casa, Minha Vida. Quem vai ganhar com isso? As pessoas vão ganhar casa, mas os investidores vão ganhar milhões. Não tem um programa habitacional no País. Tem um programa para os investidores aplicarem dinheiro.
JC - O PV tem estrutura para governar o País?
Uequed - Não sei, o PT também não tinha, o PSDB não tinha. Não tem partido no País, ainda temos que formá-los. Nossa pequena vivência democrática não deu tempo de os partidos se consolidarem.
JC - E a campanha?
Uequed - O apoio à Marina é a prova da insatisfação popular, ela é "autoinflamável". As pessoas estão com asco do processo, querem mudanças, transformações, e viram na figura da Marina essa possibilidade - é bonito de ver isso nas universidades, na juventude. Os caciques não querem (Marina), porque estão naquele velho princípio: "É preciso urgentemente fazer alguma coisa para tudo continuar como está". Acho ótimo que ela não tenha marqueteiro. E não tem nada que fazer aliança para ter tempo de TV.
JC - O que Marina vai trazer de novo ao debate eleitoral?
Uequed - Ela já trouxe o desenvolvimento sustentável. Até o Serra fala nisso, a Dilma já está falando. Ela forçou esse debate. Os grandes jornais não botavam - aliás, até hoje noticiam pouco da Marina.
JC - A tendência é polarizar entre os candidatos de PT e PSDB?
Uequed - A tendência é donos de jornais grandes e televisão polarizarem. Mas não é a tendência nos blogs, na sociedade. Na Folha de S.Paulo, Estadão, revistas, chega a ter 196 vezes o nome do Serra, 204 o da Dilma e 1 o da Marina. Antigamente não tinha como dizer isso de um para outro. Hoje vai no blog e diz.
JC - Isso pode auxiliar o crescimento de Marina Silva?
Uequed - Vai minar o País inteiro. Marina é a candidata dos descontentes. Ela não vai ser candidata das máquinas. Os dois (Serra e Dilma) são candidatos de máquina partidária e econômica. Resta saber se a nação vai sucumbir às máquinas. Em 1974 ninguém era mais poderoso do que a Arena. E sofreram uma derrota nacional (para o MDB).
JC - Mas e a fragilidade do PV? Independentemente da máquina, deslancha?
Uequed - O PV para mim é um detalhe da Marina. A candidatura é uma explosão, autocombustão, está vindo gente para a campanha, recebo aqui em Canoas um grande número de pessoas que querem saber como podem ajudar; isso me impressiona. A Marina vai ser o grande estouro eleitoral do Brasil. Os partidos não conseguem construir isso, não são maiores que a sociedade.
JC - O senhor vai trazê-la para Canoas em maio?
Uequed - Dia 6, para inaugurar o comitê. Conheço Marina desde o tempo em que ela era deputada estadual, lá com Chico Mendes, eu era deputado federal. Uma nação precisa de referências, e nessa questão de proteger o futuro de todos, ter desenvolvimento sustentável, não vejo alternativa nos dois grupos que já estiveram no poder. Eles têm virtudes, mas a ação da proteção da vida é a maior que um governo do Brasil, com sua estrutura, posição geográfica e influência de área verde no planeta tem que ter. E quem pensa assim escolhe Marina. Agora, se ficar pensando "meu primo vai ser diretor da Petrobras", entra naquela pequenez e não leva a nada.
JC - Em Porto Alegre, o PV fez aliança com o PP e na eleição seguinte com o P-Sol. Como inter-pretar esse partido e seu projeto?
Uequed - Primeiro, agora o PV não vai fazer aliança com ninguém. E outra coisa: quem confia nos partidos? Não tem partido. O eleitor está confiando no projeto que a Marina apresenta. E quais são os outros projetos? O da Dilma, o do Serra? Os dois são pessoais. A Dilma é candidata do Lula. O Serra é candidato do FHC. Qual é o programa do PT e o do PSDB? Não existem. E como não existem, são iguais. O que a Marina está passando é credibilidade.
JC - O efeito Marina pode alavancar o PV no Estado?
Uequed - Sou do movimento suprapartidário. Mas a Marina precisa de palanque, então, é importante candidato a governador e nos municípios para levar a mensagem dela. Em 2006, o PV tinha 22 candidatos a deputado federal e fez 36 mil votos. A legenda do partido fez 38 mil. Faltou 6 mil para eleger um federal. Para deputado estadual, o PV tinha 22 candidatos e fez 27 mil votos, a legenda, 36 mil. Faltou 40 mil para eleger um deputado estadual. Agora, o PV vai ter 64 candidatos a deputado estadual. A Marina vai fazer de 15% a 18% da votação do Estado, no mínimo uns 800 mil votos, e passa para a legenda 100 mil votos. Então, acredito que eleja dois deputados estaduais e um federal.
JC - E ao governo do Estado, o senhor vai de Montserrat Martins?
Uequed - Sou apoiador de Marina, até posso votar no Montserrat, mas ainda não defini.
JC - Pode ser que o senhor não vote no PV ao governo do Estado?
Uequed - Pode ser que vote, não tenho definição. Montserrat é ótimo candidato. Mas só defini votar na Marina, no Barbosinha (PTB, ao Senado) e na minha filha (Gisele Uequed, PV) para deputada estadual.
JC - Como avalia as críticas ao sistema político - falta de propostas, partidos frágeis, financiamento privado de campanha.
Uequed - Já tem financiamento público de campanha. Os deputados federais, pelo volume de verbas que dispõem, têm recursos públicos para a campanha. Quem não tem é o homem que não tem mandato, que está fora da estrutura do Estado. O financiamento público é uma economia para o Estado e é realmente republicano.
JC - Democratiza a disputa?
Uequed - Muito. Mas a vida democrática, em todo o mundo, sempre tem problemas. A verdade é que há avanços. Quando se ia pensar que 1,5 milhão de pessoas iria assinar um manifesto para propor a lei da ficha suja? Isso é produto do ambiente que a Constituição construiu.
JC - O senhor foi para o PSDB nesta época?
Uequed - Fui para o PSDB quando Mário Covas foi candidato a presidente da República. E saí do PSDB quando Fernando Henrique Cardoso ganhou a eleição. Detesto FHC. Um dia ele reuniu a bancada federal do PSDB na Câmara e disse: "Temos que fazer como os políticos europeus, dizer uma coisa e fazer outra". Quando Mário Covas era candidato, FHC era o mais pessimista sobre a campanha. Eu chamava ele de "puxa pra trás". Saí do PSDB quando ele assumiu a presidência, em 1995.
JC - Nesse período tucano, o senhor abonou a ficha de filiação de Yeda Crusius.
Uequed - Foi no meu escritório de advocacia. Yeda estava na televisão e eu na presidência do PSDB estadual quando a convidei para ingressar no partido. Gosto muito dela.
JC - O senhor ficou um tempo sem partido?
Uequed - Na verdade eu desejava fundar o PO (Partido de Oposição), um partido que não acei-tasse participar de cargos executivos. Não consegui, pois me faltou tempo e coragem. O PO não iria participar dos cargos, não concorreria a presidente da República, nem a prefeito, nem a governador. E não participaria nem das Mesas Diretoras das casas legislativas, só fiscalizaria. Não tem fiscalização no Brasil.
JC - Por quê?
Uequed - Ninguém fiscaliza, todo mundo participa de alguma coligação, na Capital com um, no Estado com outro, na União com outro. É uma meleca. "Não posso fazer CPI em Canoas porque sou da base do governo." "Na Assembleia não posso fazer CPI porque lá em Canoas tenho um acerto com o governo." "Em Brasília não posso assinar CPI porque lá na Assembleia tenho compromissos." É um emaranhado de acertos, que invalida o exercício do mandato. Não existe Legislativo. Está sendo depreciado pelos legisladores.
JC - Acabou o Legislativo depois da Constituição?
Uequed - Acabou a sua função fiscalizadora. Em Canoas, os vereadores do PSDB se manifestaram contra a destruição da mata da fazenda do bairro Guajuviras para construir um presídio. No dia da votação, todos foram a favor, porque a governadora mandou que o PSDB votasse assim para fazer o presídio. Jairo Jorge (prefeito, do PT) cedeu a área que não era dele. E sou contra a instalação do presídio ao lado da casa de pobres. Não fazem ao lado da casa de ricos, pois eles protestam. Vão colocar no Guajuviras, pois pobre não tem poder de pressão. Por que não constroem perto dos terrenos dos amigos do Jairo Jorge, que têm áreas para fazer grandes urba-nizações? Cortar mata pode. Canoas tem o pior ar do Rio Grande do Sul, o maior número de tuberculosos e de doenças pulmonares, por causa da Pretrobras. Precisávamos ter matas e o prefeito destrói. Deixou acabar com a vila Mimosa, um hectare de fazenda no meio da cidade, para fazer um edifício. Não tem mais a fiscalização pelos legislativos. Tem sim é o câncer da vida democrática, que é a chamada base do governo.
JC - O voto no Legislativo é mais importante que o Executivo?
Uequed - Governador, presidente e prefeito pode ser qualquer um. Quero um Legislativo forte. O Legislativo forte é a garantia da nação. Por que apoio Barbosinha para senador? Porque quero um senador que diga não, que não tenha negociação.
JC - O senhor falou que entrou no PSDB por causa de Covas, saiu por causa de FHC. Vota em Marina, mas não é PV. As pessoas estão acima dos partidos políticos?
Uequed - Não há partido no País. São legendas eleitorais. Partidos têm que ter princípios. Qual o princípio destas coligações? Cargos! A máquina do governo! Algum partido apresenta programa? Então não tem partido, tem legenda. Tanto é que algumas até alugam o tempo. E a Justiça Eleitoral faz que não vê. Partido hoje é só instrumento porque a lei exige para concorrer. Tem que mudar a lei. Nos Estados Unidos, o candidato concorre avulso, é uma democracia. Aqui é uma maneira de os chefões e poderosos controlarem a vida política. O PMDB, hoje, decide lá em cima que vai apoiar a Dilma. Aqui em baixo não interessa. Eles negociam tempo de TV, ficam milio-nários os dirigentes. Então, são empresas comerciais, que abrem franquias. Todos os partidos.
JC - A imprensa está cumprindo o seu papel na democracia?
Uequed - Alguns veículos sim, outros não. Mas a imprensa é indispensável. Ainda sofre o controle dos barões, donos dos grandes jornais, ou redes de televisão, que o regime militar controlava. Hoje esse poder se diluiu. A grande quantidade de emissoras de rádio, jornais, internet e blogs tirou o poder dos grandes. Hoje os grandes jornais podem boicotar que o público vai para os pequenos jornais, vai para as rádios comunitárias, para os blogs. E isso explode.