O progresso venceu a ternura

Por

Antes, bem antes de mim e de meus pais, as crianças, que enchiam de alegria e ternura os lares, nasciam do amor entre dois seres que juravam amor pela vida eterna. Hoje, nos dias de meus filhos, crianças nascem sem saber quem são os pais e algumas jamais saberão, pois são o produto da comercialização de óvulos, embriões, enfim, todas as formas de manipulação genética que criamos. Antes, bem antes de meus pais e nos meus dias, minha rua era de chão batido, passavam carretas e tropas, tropeiros, padeiros, leiteiros com suas charretes puxadas por cavalos bem tratados e com sinos pendurados que o anunciavam. Da campanha vinha o feijão, a laranja, os frangos que eram trocados por tecidos, sal e ferramentas. Os vizinhos eram da família e se visitavam todos os dias.
Hoje, no apagar das luzes de meu tempo e no esplendor do luzeiro de meus filhos as crianças nascem programadas, muitas, frutos do acaso e algumas do descuido. Nos campos onde brotavam os lírios e o pasto nativo que engordava os bois e impulsionava o progresso, hoje floresce a soja, o eucalipto, a acácia e outras espécies alienígenas, que segundo especialistas e ambientalistas respeitáveis dizimam nosso bioma pampa. Antigamente nossos pais faziam compras nos armazéns com cadernetas e anotações, contas que eram honradas ao final de cada mês ou safra. Tecidos, armarinhos, brilhantinas e utensílios para as mais diferentes ocasiões. Era assim que funcionava, tudo simples, se preenchiam as necessidades, pouco havia de supérfluo, se comprava e se pagava ao preço do trabalho de cada um. Antes, bem antes de mim e meus pais, nos tempos de meus avós, o fio de bigode era selo e compromisso. Os homens deixavam suas casas, estâncias e ranchos e saiam seguindo clarins, ideais e homens honrados que os lideravam. Minhas filhas não compreendem aqueles tempos. Até mesmo eu por vezes não compreendo tanta distância entre seres tão próximos e tanta desonra onde deveria prosperar a confiança.
Advogado