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Os premiados com o dom de Seilonês
Em terra brasilis, ao contrário dos poemas de Blake, que são complexos, os atos de ladravazes do suor alheio são sobremaneira singelos, isso porque, por tradição cultural, esses experts na arte da rapinagem têm a certeza de que a maioria dos furtados jamais se revoltará, já que simplesmente opta por esquecer o mal. A expressão minima de malis (dos males, o menor), extraída de uma fábula de Fedro, cai como uma luva. Uns ainda chegam a comentar que o “prejuízo” poderia ter sido maior. Atos ilícitos se transformam do dia para a noite em mansões hollywoodianas, carros importados, apartamentos de primeiro mundo, viagens ao exterior, compra de imóveis etc. Na iniciativa privada, como no orbe público, tais atos são denunciados pela ostentação vulgar de bens, característica terceiro-mundista, que dá razão a Thornstein Veblen quando observa que a riqueza para desenvolver sua função social deve ser ostentada. Gozado como homens decentes e laboriosos não conseguem a proeza desses atores que lembram Janus, o deus romano de duas faces. O interessante é que esses senhores e senhoras, viventes dos dois Brasis, o oficial e o real, conseguem passar aos panglossianos a aparência de Midas, que recebeu de Seilenôs o dom de transformar em ouro tudo que tocasse.
Destarte, saem da pobreza para a riqueza em poucos anos, todos com a ousadia típica de bandidos baratos. Seus métodos são iguais em aldeias de 100, 200 mil habitantes, como em grandes metrópoles. Alguns transformam sobras de campanhas políticas em gordos honorários, recebidos oficialmente por empresas de consultoria e assessoria, constituídas sob medida para tornar míope certa fera do fisco, sensível ao tráfico de influência e furiosa com contribuintes que não a tratam com carne que cheira à pecúnia. Afinal, vale a máxima franciscana “é dando que se recebe”. Outros, especialistas em artes cênicas, conseguem amealhar riquezas materiais graças à miopia de empregadores analfabetos ou sócios ingênuos. O padre Vieira, em seu Sermão do Bom Ladrão, pregado na igreja da Misericórdia de Lisboa, em 1655, discorreu sobre esses seres em diversas passagens dessa obra. Em uma delas se reporta ao romano Seronato, mestre na arte de furtar, que em terra brasilis seria um reles larápio.
Advogado