Será o juízo de primeiro grau infalível?

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A pretexto de agilizar o processo judicial e conferir eficácia às decisões está em curso na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5475/2009, o qual, dentre outros dispositivos, pune quem recorra da sentença de primeiro grau caso o tribunal entenda que o recurso seja irrazoável, procrastinatório ou que venha a causar prejuízo à parte contrária, pela demora. A punição se dará mediante agravamento da verba honorária de sucumbência, mesmo que o recorrente, antes do julgamento, desista do seu recurso. Ainda, o projeto condiciona a mensuração da verba honorária sucumbencial em favor do vencedor, além de outros critérios, à concisão e clareza de suas petições e, ainda, ao critério na juntada de documentos aos autos, seja lá o que isso signifique. Para a execução da sentença, atribui-se ao juiz a faculdade de, a pedido do credor, intimar o devedor para que compareça pessoalmente ou por seu advogado, aos autos do processo, para informar se tem bens ou onde se encontram, sob pena de incidência no crime de desobediência. O mais insólito do projeto, no entanto, é a permissão da reformatio in pejus nos recursos cíveis e criminais. Ou seja, se não gostou da sentença parcialmente favorável, mesmo que nessa parte não haja recurso da parte perdedora, ao recorrer também parcialmente, poderá perder o que já ganhou ou ter mais pena do que aquela inicialmente fixada. Ainda prevê que, aos acórdãos do STJ e do STF, será permitido apenas uma única vez embargo de declaração, exceto por liberalidade da respectiva presidência. O voluntarioso projeto agride direitos constitucionais consagrados, dentre eles, o da ampla defesa e o de petição. Os tribunais e seus instrumentos, os recursos, existem no sistema para revisar as sentenças dos órgãos jurisdicionais inferiores, que não detêm, como é sabido, a certeza da infalibilidade, bastando ver o percentual de reformas ocorridas no segundo grau, frente às decisões do primeiro. À guisa de exemplos, segundo o que infere das notícias, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 40% das sentenças do primeiro grau são reformadas no todo ou em parte, e, na Justiça do Trabalho, os tribunais regionais do Trabalho, em média, no País, alteram mais de 40% das decisões proferidas nas varas do Trabalho.
Não é cerceando o direito da ampla defesa e de petição ou agravando a situação da parte desconforme que se há de agilizar o processo ou dar maior eficácia à sentença. Parece que o nó górdio está nas tarefas cartoriais de expediente. Mesmo assim, as súmulas vinculantes, os julgamentos dos recursos ditos repetitivos e a comprovação de repercussão geral e de relevância podem desafogar os tribunais, sem afastar as garantias constitucionais dos litigantes, fruto de lutas centenárias contra o arbítrio ou os equívocos que possam ocorrer no primeiro grau de jurisdição ou nos graus intermediários. Não, o juízo de primeiro grau não é infalível. Nem os demais. Sequer o STJ e o STF. Com toda certeza.

Advogado OAB RS 4969