Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 31 de Julho de 2025 às 11:03

Geoparques fomentam economias locais nas Regiões Central e Vale do Jaguari

Em Mata, praça conta com troncos petrificados e atrai turistas

Em Mata, praça conta com troncos petrificados e atrai turistas

Prefeitura de Mata/Divulgação/JC
Compartilhe:
Ana Stobbe
Ana Stobbe Repórter
Verdadeiros museus a céu aberto se concentram na Região Central do Rio Grande do Sul e no Vale do Jaguari. Ali, está concentrada a memória de um mundo muito anterior à existência dos seres humanos no planeta Terra: são os chamados geoparques, áreas que reconhecidamente preservam o patrimônio geológico e paleontológico, incluindo fósseis de animais extintos e florestas petrificadas.

Verdadeiros museus a céu aberto se concentram na Região Central do Rio Grande do Sul e no Vale do Jaguari. Ali, está concentrada a memória de um mundo muito anterior à existência dos seres humanos no planeta Terra: são os chamados geoparques, áreas que reconhecidamente preservam o patrimônio geológico e paleontológico, incluindo fósseis de animais extintos e florestas petrificadas.

 

Caminhando pelo centro da cidade de Mata, no Vale do Jaguari, grandes troncos de árvores transformados em fósseis podem ser vistos espalhados por praças e ruas. A ideia foi do padre Daniel Cargnin, que na década de 1970 iniciou os esforços para integrar a floresta petrificada à paisagem urbana. Um jardim paleobotânico de 200 milhões de anos também auxilia a atrair visitantes para o município. Os exemplares também são procurados nacidade de São Pedro do Sul, na Região Central.

 

O fenômeno de fossilização — também chamado popularmente de petrificação — das florestas pré-históricas ocorreu devido a um acúmulo de casualidades. “Quando o organismo era vivo, ele sugava do solo os minerais para sobreviver. Entre eles, a sílica, que acabava ficando no solo ou no próprio lenho. E, quando a árvore morre, às vezes por uma inundação, desce rio abaixo e vai ser soterrado junto com outros lenhos, com um pouquinho de sílica. E a água, percorrendo por grãos de areia com mais sílica, quando passa por dentro dos vasos dos troncos, preenche eles desse mineral, substituindo as paredes celulares dos troncos. E aí acontece o processo de silicificação”, explica o professor do curso de geologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Átila Augusto Rosa.

 

No caso de Mata e de São Pedro do Sul, o que chama atenção é a forma extremamente eficaz desse processo para a conservação da floresta de coníferas do período triássico: “É possível admirar os anéis de crescimento, cascas, raízes, nós, e em algumas situações, a própria estrutura anatômica dessas antigas árvores”, destaca a Secretaria Estadual de Turismo. 

 

O número de visitantes que chegam aos municípios para observar as estruturas é difícil de ser estimado. Entretanto, é possível observar quantas pessoas estiveram nos museus da região: o museu da Mata, por exemplo, tem recebido uma média de 5 mil visitantes, em uma cidade com apenas 4.698 habitantes, de acordo com o professor Rosa. “Então, se o visitante chegar lá e consumir qualquer coisa que consumir, então isso já está ajudando, de alguma forma, o comércio local”, acrescenta ele.

 

Mas a contribuição econômica e social dos geoparques vai muito além disso: “o turismo de geoparques é interessante porque, diferentemente do turismo de massa, ele parte de um desenvolvimento sustentável de base local, no qual a ideia é que todo mundo aprenda sobre os fósseis preservados aqui e que todos possam ganhar com isso, seja pelo conhecimento, por oportunidades de empreendimento ou até mesmo de lazer. Tem gente que faz souvenirs temáticos de dinossauros ou abre um negócio de alimentação ou outro tipo de serviço, por exemplo”, pontua Rosa.

 

Rio Grande do Sul: o ninho dos dinossauros

 

Outras cidades aproveitam, ainda, outra forma de preservação do passado: a fossilização, ocorrida pela mineralização do cálcio presente nos ossos de dinossauros. Para os fãs da franquia Jurassic Park, aliás, a Região Central é um prato cheio. Afinal, de acordo com o paleontólogo e também docente da UFSM Adriano Figueiredo, é possível que os famosos répteis tenham surgido no coração do Rio Grande do Sul.

 

“Quando chegamos a um período entre 250 e 240 milhões de anos, os dinossauros evoluíram a partir dos répteis. Não se sabe ainda o porquê, mas esse salto evolutivo aconteceu onde hoje é essa região central do Estado”, explica Figueiredo. É por esse motivo que alguns dos fósseis mais antigos do mundo estão no local.

 

Em Santa Maria, por exemplo, foram localizados fósseis de mais de 230 milhões de anos, como o Santagnathus mariensis, encontrado em 2003, e o Saturnalia tupiniquim, escavado em 1999. Espécies ainda não mapeadas e tão antigas quanto foram localizadas mais recentemente. É o caso do Itaguyra occulta, localizado em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, que teve sua descoberta anunciada em maio de 2025, e do Dynamosuchus collisensis, parente distante dos crocodilos encontrado em 2019 na cidade de Agudo, na Região Central.

 

 

Parente distante dos crocodilos, Dynamosuchus collisensis encontrado em Agudo tem mais de 230 milhões de anos | Márcio L. Castro/UFSM/Divulgação/JC
Parente distante dos crocodilos, Dynamosuchus collisensis encontrado em Agudo tem mais de 230 milhões de anos Márcio L. Castro/UFSM/Divulgação/JC

 

Mais do que a mera casualidade de ser a região onde os dinossauros evoluíram, a depressão central do Rio Grande do Sul teve a sorte de agregar outras características que possibilitaram a preservação dos fósseis. Afinal, o clima do Triássico causou a morte de bandos inteiros de dinossauros no local e a formação geológica colaborou com a fossilização.

 

“Os dinossauros morreram e foram cobertos por sedimentos. E ao invés de se decompor eles foram preservados pelo processo de fossilização. Quando a Pangeia começou a se separar, há 150 milhões de anos, esses fósseis já estavam enterrados lá embaixo e permaneceram. Essa separação causou terremotos e vulcanismos e a nossa bacia que já estava recoberta de sedimento recebeu lava vulcânica que depois resfriou e virou basalto. E, aqui, o basalto teve mais erosão, principalmente pelos rios, como o Jacuí, fazendo com que esses fósseis fossem aparecendo”, explica Figueiredo.

 

Apreveitando o potencial turístico, foi criado o Geoparque da Quarta Colônia, que recebeu em 2023 reconhecimento da Unesco e reúne nove municípios: Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Seca, São João do Polêsine e Silveira Martins. A iniciativa partiu da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em parceria com o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (CONDESUS Quarta Colônia).

 

Figueiredo, que esteve envolvido na formulação do geoparque, reconhece que, mais do que a preservação de sítios que auxiliam a contar a história da Terra, suas criações tem como base um desenvolvimento regional. “O que se busca, essencialmente, é desenvolver o protagonismo, o empreendedorismo nos territórios a partir deste patrimônio que existe ali. Isso vem na forma de artesanatos, de cervejas e vinhos que levam o rótulo do patrimônio geológico do município ou até mesmo pratos gastronômicos que fazem parte da cultura local e que são batizados em função de algum elemento geomorfológico”, avalia.

 

Ele acredita, inclusive, que essa é uma forma de fazer com que o Produto Interno Bruto (PIB) não seja um mero número, mas que traga impacto direto na vida da população: “Os geoparques são uma construção de baixo para cima, eles partem de um anseio da própria sociedade, fazendo com que os cidadãos se envolvam no processo e isso cria identidade. A sociedade vai se apropriando do patrimônio, passa a ter orgulho daquilo, e, a partir daí, começa a se arriscar para empreender”, acrescenta o paleontólogo.

 

A chancela de ser um geoparque reconhecido pela Unesco, aliás, tem contribuído para ampliar a credibilidade e a autoridade do projeto. Assim, Figueiredo relata que, a partir da certificação, foi possível se reunir com o Ministério do Turismo e com a Secretaria Estadual de Turismo para conquistar investimentos.

 

O Comitê Estadual de Gestão dos Geoparques, coordenado pela Secretaria de Turismo (Setur), tem realizado discussões para a proposição ao governo gaúcho de um documento conjunto entre os projetos de geoparques gaúchos para desenvolver ações dentro desses territórios. Entretanto, não há previsão para quando o processo deverá ter andamento. 

 

Notícias relacionadas