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Entenda os fenômenos que causaram deslizamentos e rachaduras no solo de Gramado
Estudo mapeou três áreas, entre 22 e 23 de novembro, para formar a hipótese de rastejos e deslizamentos na região
Por Thiago Müller
Após as fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 18 de novembro, a cidade de Gramado apresentou rachaduras decorrentes de fenômenos de rastejo e deslizamentos de terra. O impacto foi identificado em várias regiões interditadas da cidade, incluindo o colapso de um prédio. A pedido da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Gramado, foi realizado um estudo para explicar esses fenômenos, realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) e publicado na última quinta-feira (07).
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Após as fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 18 de novembro, a cidade de Gramado apresentou rachaduras decorrentes de fenômenos de rastejo e deslizamentos de terra. O impacto foi identificado em várias regiões interditadas da cidade, incluindo o colapso de um prédio. A pedido da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Gramado, foi realizado um estudo para explicar esses fenômenos, realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) e publicado na última quinta-feira (07).
O Coordenador Executivo dos Mapeamentos de Áreas de Risco do SGB, o geólogo Julio Cesar Lana, explica o ocorrido: o motivo principal, mas não exclusivo, foram as fortes chuvas que atingiram Gramado entre 11 e 18 de novembro, cerca de 291 mm, mais que o dobro da média histórica de chuvas do mês.
Ele ressalta que, apesar disso, "não significa que esses fenômenos (rastejo e deslizamentos) vão acontecer de maneira generalizada na região". Para Lana, essas movimentações ocorrem em regiões bastante específicas, porque precisam de uma convergência de uma série de fatores, que acabam por deflagrar o movimento. Em geral, dependem do excesso de água que se infiltra, sua predisposição a encharcar (que é favorecida pela característica do próprio solo) até, por fim, se manifestar sob forma de movimento, que se deu por deslizamentos e rastejos.
O rastejo é uma movimentação extremamente lenta do solo, que, encharcado pela chuva, perde a coesão e se move. Assim, segundo o geólogo do SGB, "se manifesta na superfície com o surgimento de trincas e rachaduras, que eventualmente podem afetar as estruturas, que são menos flexíveis" - como o asfalto e outras construções. Já os deslizamentos são eventos rápidos, episódicos, e normalmente ocorrem em locais mais íngremes. "Eles diferem pela velocidade e pela declividade do terreno onde isso ocorre", complementa.
Trincas no pavimento da estrada, na rua Ladeira das Azaleias, bairro Três Pinheiros. Ascom/PMG/Divulgação JC
Como a população pode se proteger?
Segundo o geólogo da SGB, o solo pode voltar a se movimentar caso haja novos episódios intensos de chuva, “Então todo monitoramento e alerta nessas regiões vai ter que continuar a ser feito continuamente”, diz. Em contrapartida, ao alcance da população, resta somente fazer o monitoramento visual das estruturas e do solo, e entrar em contato com a Defesa Civil caso seja avistado alguma avaria.
Ele explica que o primeiro sinal é o aparecimento de deformações no terreno, como rachaduras e trincas, na pavimentação das estradas ou na estrutura das casas.
De forma concomitante, também é importante que os moradores estejam atentos, de forma redobrada em épocas de chuva intensa, aos sons emitidos pelas estruturas. Estalos sem motivos aparentes podem ser decorrentes da movimentação, que rompe estruturas como tubulações enterradas e raízes de plantas, e “são sinais de que aquele terreno pode estar se movimentando”, diz o geólogo.
Não é recomendado que a população faça nenhum tipo de intervenção, como escavações ou construções, nesse momento. “isso precisa de uma análise um pouco mais detalhada, inclusive uma análise do contexto geral das regiões atingidas”. Assim, diz que é recomendado ao poder público desenvolver projetos de pesquisas mais complexos na região.
Rachaduras e trincas podem aparecer em escala menor nas casas e pavimentações dos terrenos. SGB-CPRM/Divulgação JC
Nova habitação será possível?
Antes de se pensar em voltar a morar nas áreas atingidas, será preciso identificar se o processo de movimento ainda está em curso. Do contrário, não devem ser novamente habitadas, explica Lana.
Mesmo que área esteja estabilizada, o caso ainda requer estudos para verificar a possibilidade de uma habitação segura por parte da população. Segundo Lana, após o estudo para definir se a movimentação do terreno segue acontecendo, o próximo passo é realizar uma perícia estrutural, por profissionais de engenharia civil, “para identificar qual foi o dano as construções e se essas construções possam ser recuperadas para que as pessoas consigam voltar às suas casas”, complementa.
Ele explica que, dependendo do caso, "elas podem sim ser habitadas, mas mediante condições". Essas áreas teriam que ter obras de drenagem e de fundação específicas para cada caso. "Existem maneiras de lidar e a gente conviver com o fenômeno", reitera Lana, ponderando que essas áreas seriam muito mais caras, e muito mais demoradas de se construir. "Tudo depende da maneira que conduz a ocupação urbana".
O relatório produzido pela SGB sugere tanto intervenções imediatas quanto a longo-prazo para reconstrução. A maioria delas compete ao setor público que, conforme o relatório, já foi alertado para essas intervenções. O SGB, segundo o geólogo, já recomendou à administração municipal de Gramado que se faça o monitoramento da evolução dos processos e principalmente dos rastejos.
Entre as medidas, sugere que as intervenções imediatas mais importantes são as eventuais remoções das pessoas em áreas de risco, já realizadas, e o monitoramento constante do fenômeno. Para reconstrução, deve ser realizado análises para verificar viabilidade de obras de contenção no local, assim como para drenagem correta das águas das chuvas. “Vão ter uma série de etapas a serem cumpridas”, diz Lana. Somente com o cumprimento delas, é que será possível saber se essa nova habitação será possível.
O estudo também cita a importância de políticas públicas voltadas à orientação da população e redução da ocupação nessas áreas, assim como uma Carta Geotécnica de Aptidão a Urbanização, documento para para orientar o crescimento urbano do município em áreas mais propicias.
Para prevenir novos desastres, a empresa responsável e a prefeitura de Gramado já iniciaram os diálogos sobre a possibilidade do desenvolvimento de estudos complementares a partir do ano que vem, conforme sugerido no relatório, visando realizar investigações mais detalhadas e identificar áreas de risco.
Entenda melhor o fenômeno
Segundo Julio Cesar Lana, a ocorrência desses fenômenos são, de forma majoritária, por motivos naturais. Porém, necessitam de uma certa convergência de fatores para acontecer, de forma generalizada: excesso de água que entra no solo e as características dele.
No caso de Gramado, um dos atributos desse tipo de solo, chamado solo de Rochas basálticas da Formação da Serra Geral, é ser bastante argiloso. "Ao se encharcar, ele tem dificuldade de drenar essa água”, explica Lana. Os solos argilosos possuem poros muito pequenos e pouco interconectados, fazendo com que a vazão seja muito baixa, e portanto “sucessivos eventos de chuva podem desestabilizá-lo, porque ele não consegue drenar com rapidez a área que [a água] se infiltra”. Caso similar de rastejo já aconteceu em outras regiões do Sul do País, como em Igrejinha e na cidade catarinense de Concórdia, já mapeados pela SGB justamente porque “esse solo tem a predisposição natural de, ao se encharcar, se movimentar sob a forma de rastejo ou deslizamentos”.
Para simplificar, Lana explica que o solo é como uma esponja, “constituído de matéria sólida e de vazios, preenchido por ar”. Assim, cada solo tem uma quantidade máxima de água que pode absorver sem desestabilizar, relacionado com a quantidade, dimensão e interconectividade desses ‘vazios’.
Quando excede essa capacidade de suporte, ele se satura, “e qualquer volume de água que venha a ser absorvido novamente já não tem mais onde ser armazenado”. E essa sobrecarga causa pressão, que vai distanciando as camadas de solo. “A pressão tá muito grande ali dentro do solo, e ele tende a expulsar e a distanciar essa partícula sólida”, explica. Como isso causa o rompimento da coesão daquele material, ele perde sua capacidade de suporte e se movimenta, causando os rastejos.
O problema é que o material estrutural das cidades é menos flexível que esse solo que acaba se movimentando, e assim surgem trincas e rachaduras no asfalto, pisos, prédios, e outras estruturas de concreto, e, eventualmente, até na madeira.