Capacitação na saúde contribui para autorização de doações de órgãos por familiares

Coordenador da Central de Transplantes de Santa Catarina, Joel de Andrade, acredita que treinamento das equipes de saúde é essencial para sucesso nas doações

Por Bárbara Lima

Joel de Andrade, Coordenador da Central de Transplantes de Santa Catarina
Conforme o Ministério da Saúde, cerca de 40 mil pessoas estão esperando para realizar uma cirurgia de transplante de órgãos ou tecidos no Brasil. No Rio Grande do Sul são, em média, 3,4 mil pacientes, segundo informou a Central de Transplantes do Estado. Diante dessa realidade, um dos desafios é justamente aumentar o número de doadores, já que cada um deles pode salvar até 8 vidas. Nos casos em que há morte encefálica, quando é possível realizar transplante de órgãos para outro paciente, e todos os outros requisitos são atendidos, no entanto, nem sempre a família que perdeu o ente querido autoriza a doação. Nesse sentido, a capacitação dos profissionais da saúde na relação com os parentes pode fazer toda a diferença para reverter esse quadro nos hospitais nacionais.
Isso porque, longe de culpabilizar os familiares, o Coordenador da Central de Transplantes de Santa Catarina, Joel de Andrade, defende, ao contrário, que a não autorização familiar é reflexo, em grande medida, de um sistema que não está preparado para lidar com a situação em um momento tão delicado. O estado vizinho é, hoje, uma referência em doações. "Não gosto do termo 'negativa da família'. É uma forma do sistema se isentar dos diversos problemas que levam a este 'não' e colocar a responsabilidade apenas na família, mas a família é, tantas vezes, vítima desse sistema que não acolhe, não humaniza", explicou o médico intensivista.

'Solidariedade é fruto da solidariedade'

Para Andrade, o "sim"  para a doação de órgãos em caso de morte encefálica - quando acontece a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro - começa na portaria do hospital e envolve todos os membros da equipe. "Se os familiares da vítima não são bem tratados na entrada do hospital, ali começa a não autorização. Isso se estende a médicos, enfermeiros e aos profissionais que fazem a entrevista de doação. Não existe transplante sem doação. Precisamos lembrar que a solidariedade é fruto da solidariedade", disse.
Por isso, na sua visão, apenas campanhas de conscientização não são suficientes para aumentar as taxas de aprovação para a doação de órgãos. Em vez disso, para reverter o quadro, o Coordenador da Central de Transplantes na Secretaria de Estado da Saúde, designado por meio de portaria do governo, tem trabalhado há quase duas décadas para fortalecer a figura dos 180 coordenadores de transplantes nos hospitais catarinenses, inclusive com remuneração específica para o cargo e treinamento, o que tem surtido efeito, pois, hoje, apenas 28% dos familiares de doadores potenciais negam o procedimento no Estado, enquanto a média nacional é de 47%, e no Rio Grande do Sul é de 45%, segundo informações da Central gaúcha.

Espanha é referência para sucesso catarinense nas doações de órgãos

A iniciativa catarinense se espelha em moldes espanhóis, já que este é um dos países com a maior taxa de aprovação de doação de órgãos no mundo. "Nós investimos pesado em cursos de comunicação de notícia em situação crítica ministrados por profissionais espanhóis. Tudo para trabalhar a comunicação entre família e equipe de saúde. Isso permite que a equipe saiba com clareza quando a família aceitou a notícia de morte e já absorveu. Desse modo, é possível oferecer a possibilidade de doação." Além dos coordenadores de transplantes nos hospitais, a capacitação em comunicação é dada a mais de 2,4 mil profissionais.
Na prática, ele ressalta que se a doação é oferecida quando a família ainda não absorveu a situação, a chance de uma negativa é muito grande, como acontecia antes das capacitações, quando a taxa de rejeição das famílias era de 70% em Santa Catarina. "Como a família vai doar se ela ainda acredita que o ente está vivo? Enquanto a mãe diz 'o João é, o João está, o João permanece', a mãe está dizendo que o João está vivo. Não podemos queimar a largada", exemplificou o especialista em coletiva de imprensa nesta terça-feira (11).
Segundo ele, ainda, a doação não é só motivada pelo conhecimento sobre o assunto. "Muitas pessoas acham que se todo mundo soubesse o que é morte encefálica, o problema estaria resolvido. Mas não é assim. Na Espanha, as pessoas também não sabem, mas quando elas precisam da informação e acolhimento, os profissionais sabem dar e isso faz a diferença", sintetizou. O coordenador Joel de Andrade esteve no Rio Grande do Sul para ministrar uma aula magna aos estudantes dos cursos da saúde da Unisinos também nesta quinta, a convite do projeto Cultura Doadora, da Fundação Ecarta. 

RS investe em treinamentos para ampliar doação de órgãos

O Rio Grande do Sul, que já esteve no topo da lista de transplantes realizados, tem, atualmente, uma taxa de não autorização familiar de doação de órgãos de 45% e ocupa a oitava posição de doação e transplante entre os estados da federação. O médico regulador e coordenador adjunto da Central Estadual de Transplantes, Rogério Caruso, afirmou que, além da pandemia de coronavírus, que paralisou muitas operações, o fato de várias instituições referência no Estado terem recursos oriundos da filantropia e a queda de oferta são motivos para a redução de transplantes.
A secretaria de Saúde está investindo em campanhas de incentivo e em treinamento para as Comissões Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) aumentarem as taxas de aprovação familiar de doações. Em 2022, das 732 notificações de morte encefálica no Estado, 197 foram doadores efetivos. Dos casos que não foram efetivos por conta da negativa dos parentes, as principais justificativas foram "não doador em vida", "demora na entrega do corpo", "familiar contrário" e "desconhecimento da vontade de doar."
"Realizamos, no ano passado, pelo menos um treinamento por mês no interior no Estado, além de Porto Alegre", contou Caruso. Essas capacitações incluem a identificação e a notificação de morte encefálica por parte das equipes médicas e abordagens humanizadas aos entes queridos. O coordenador adjunto disse ainda que uma parceria com a Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS) para a renovação dos treinamentos está sendo firmada.  "Também estamos investindo no apoio financeiro dos hospitais para que eles possam pagar sobreaviso ou curso aos profissionais do (CIHDOTT)", finalizou. 
LEIA TAMBÉM: Sob nova administração, Banco de Olhos investirá R$ 10 milhões em melhorias