Audiência em Porto Alegre debate violência obstétrica
Falta de conhecimento faz com que práticas sejam consideradas normais
O parto domiciliar tem sido outro ponto bastante discutido no que se refere à humanização. Raquel Marques, presidente da Artemis, lembra que muitas mulheres têm optado pelo nascimento dos filhos em casa por medo do que vai acontecer no hospital.
“Por mais que se escute relatos de que o parto foi lindo no hospital, quando a história vai sendo contatada, observamos traços de solidão, medo, violência verbal e procedimentos dolorosos. Por desconhecimento, as pessoas acreditam que isso é normal”, afirma. Muitas dessas situações acontecem porque os médicos não ficam muito tempo atendendo a uma mesma mulher, então realizam cesarianas desnecessárias ou apressam o nascimento com práticas dolorosas.
Ela relata que existem vários tipos de violência. A física acontece por meio de procedimentos que deveriam ser feitos raramente, mas são utilizados com frequência. Entre eles, estão a manobra de Kristeller, que consiste em empurrar a barriga da grávida para empurrar o bebê, a episiotomia, que é o corte no períneo, e a aplicação de ocitocina, que é um soro com o hormônio sintético para acelerar as contrações.
“Outra situação comum é a violência psicológica, que vai desde o isolamento e passa pela ameaça, quando dizem que, se a mulher não aceitar algum procedimento, o bebê vai morrer e a culpa é da mãe. Temos também a violência moral, que coloca em jogo o comportamento sexual da mulher: se tem vários filhos, se é pobre, se é usuária de drogas”, explica.
Em uma situação à parte, Raquel inclui as cesáreas, que são necessárias apenas em alguns casos, e se tornam uma violência quando o médico opta pela cirurgia por uma questão de remuneração e de disponibilidade. “Muitas vezes, esse profissional se utiliza de mentiras, ameaças e até violência física, colocando o soro em intensidade absurda e fazendo com que ela implore por uma cesárea”, critica.
“Me mandaram ir para uma sala conhecida como ‘sofredouro’”
Em 2003, Daniele Brito se dirigiu a um hospital público de Fortaleza para dar à luz seu primeiro filho. Aos 23 anos, ela entrou na instituição já em trabalho de parto. O marido e a tia, que a acompanhavam, foram impedidos de assistir ao procedimento. A lei que garante o acompanhante ainda não estava em vigor.
“Eu era muito imatura e queria que eles estivessem comigo. Além de sozinha, o médico me mandou ficar em uma sala que eles chamavam de ‘sofredouro’, e isso me deixou muito assustada”, relata. Daniele ficou três horas no local, em cima de uma maca, sem nenhum profissional por perto. Também foi impedida de se alimentar e beber água.
“Quando uma médica chegou para realizar o parto, em outra sala, eu notei que ela estava muito irritada. Subi na maca, perguntei se não poderia ficar de cócoras e a ela disse que não, que seria na posição ginecológica. Quando minha filha estava nascendo, uma enfermeira chegou para amarrar as minhas pernas, mas eu dei um chute e consegui ficar de cócoras. Então, a médica deu três tapas na minha perna e falou que se o bebê morresse seria minha culpa”, relata.
Mesmo chorando e exausta, Daniele conseguiu fazer força para a filha nascer. Somente depois de 40 minutos, o bebê foi colocado em seus braços, pois precisou ficar no oxigênio. Além disso, ela não sabia que tinham feito a episiotomia e a sutura sem anestesia, o que lhe causa dores até hoje. O pai só conseguiu ver a filha após o nascimento, e por uma grade.
“Durante um ano, eu fiquei deprimida por conta desta situação. O momento do nascimento de um filho é muito esperado e isso foi contra tudo o que imaginei. Foi uma total falta de respeito e de autonomia sobre o meu corpo”, completa.