Conforme a pesquisa publicada pela Amcham Brasil em abril, 71% das empresas brasileiras adotam práticas ESG - sigla para Environmental, Social e Governance, ou Ambiental, Social e Governança. O termo, que surgiu em 2004, trata-se de uma iniciativa do Pacto Global da ONU e do Banco Mundial com a ideia de aplicar práticas voltadas a soluções ambientais, sociais e de governança nas grandes corporações ao redor do mundo.
Mais de 20 anos após o surgimento da sigla, pequenos, médios e grandes empreendimentos passaram a entender que não há mais a possibilidade de se desenvolver sem olhar para essas práticas. O cenário é confirmado com a pesquisa que contou com 687 respondentes. De acordo com a Amcham, os dados indicaram um crescimento de 24 pontos percentuais na curva de adoção de práticas de ESG em relação ao levantamento realizado em 2023.
O olhar para a adoção dessas práticas oportunizou o surgimento de novos negócios com foco na sustentabilidade. Entre eles, está a Igapó, startup residente do Tecnopuc, em Porto Alegre, que se coloca como uma agente de práticas ESG.
A principal proposta da Igapó é auxiliar grandes empresas a se tornarem mais sustentáveis, alcançando metas ambientais por meio de uma composteira automatizada para tratar resíduos orgânicos de forma eficiente, otimizada e econômica.
A ideia da Igapó surgiu há três anos durante o mestrado de Artur Ferrari, um dos sócios da startup, que estava desenvolvendo uma solução para hidroponia - técnica de cultivo de plantas sem o uso de terra. O empreendedor procurava uma maneira de tratar resíduos para gerar biofertilizante e, como não encontrou nada no mercado, construiu uma composteira automatizada.
“O Artur foi meu colega na escola. Ele saiu da empresa em que trabalhava e deu início à Igapó. Trabalhei muito tempo em startup, no mundo corporativo, e ficávamos trocando figurinha, ele com um olhar mais técnico, e eu dando algumas ideias mercadológicas”, comenta Andreas Buchholz, sócio do negócio. Após algum tempo, Artur entendeu que a composteira tinha um cunho mais abrangente do que a hidroponia. “Hoje, as pessoas ainda têm dificuldade de separar a casca de banana da latinha de refrigerante, quem dirá operar um sistema de hidroponia supercomplexo”, observa Andreas.
Os empreendedores entenderam que, para ser algo aplicável em empresas, a tecnologia deveria ser acessível, para que qualquer um conseguisse operar a composteira. O equipamento idealizado pela Igapó permite a compostagem no próprio local de geração. Isso elimina a cadeia logística de descarte, que é outra poluente na indústria de descarte de resíduos, considerada quarta maior emissora de gás de efeito estufa.
“A composteira não deixa cheiro e não faz barulho. Então, todos esses atributos permitem que consigamos estar no próprio local de geração, o que vai beneficiar financeiramente as discussões, além do meio ambiente”, explica o empreendedor.
O equipamento foi desenvolvido para tratar qualquer tipo de resíduo orgânico de origem vegetal ou animal. Segundo Andreas, a compostagem é vista como uma equação que requer o equilíbrio entre matéria orgânica seca, como podas e folhas, e matéria orgânica úmida, formada por resto de alimentos.
A capacidade específica de tratamento de resíduos depende do tamanho da composteira, que é construída a partir da necessidade de cada empresa que contrata os serviços da Igapó. A composteira localizada na central de resíduos da Pucrs pode tratar até 30 toneladas de resíduos úmidos por mês, totalizando até 36 toneladas de resíduos quando somados aos secos. A maior máquina já produzida pela Igapó está sendo concluída e tem como destino a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorrerá em Belém em novembro.
A composteira enviada para o evento terá capacidade para até 180 toneladas por mês. Para a Igapó, receber essa contratação é um reconhecimento significativo do trabalho que a empresa vem desenvolvendo há três anos. “É muito gratificante. Tanto eu, quanto o Artur nos dedicamos full time para isso. Acreditamos muito, não só no negócio, mas no que estamos contribuindo com o planeta a partir do nosso negócio. O evento também irá gerar uma visibilidade muito boa, e é bom estar envolvido nessas ações que debatem assuntos importantes”, declara Andreas, afirmando que, após o evento, o equipamento será doado para a cidade de Belém para manter o tratamento responsável dos resíduos orgânicos.
Serviços como o oferecido pela Igapó destacam-se nesse momento em que empresas buscam novas tecnologias que oferecem desde soluções básicas a ações mais revolucionárias. O estudo da Amcham aponta que, das empresas praticantes, 45% estão em estágio inicial, enquanto 26% estão no estágio avançado na implementação de práticas ESG.
Andreas ressalta que, para além das práticas de sustentabilidade, a composteira beneficia financeiramente as instituições ao eliminar a logística de descarte. Na Pucrs, por exemplo, a economia alcançada foi de quase 20%. “Governos, instituições em geral de diferentes segmentos que têm uma alta geração de volume, conseguem tratar o resíduo in loco resolvendo uma dor financeira, porque elas pagam caro para mandar isso longe”, reflete.
O resíduo tratado pela Igapó é transformado em adubo, que pode ser reutilizado pelo próprio cliente, configurando a economia circular, ou pode virar uma nova receita. Clientes como a Pucrs, que possuem grandes áreas verdes, podem gerar uma economia direta e significativa ao produzir internamente o adubo que seria comprado para manutenção.
Além de estar presente em instituições privadas, a startup firmou recentemente uma parceria com a prefeitura de Porto Alegre. Esta será a primeira instalação em um espaço público não controlado. De acordo com Andreas, o projeto servirá como uma prova de conceito para testar a operação em ambiente público.
A Igapó está buscando empresas parceiras e patrocínios para viabilizar essas ações de sustentabilidade na Redenção. “Isso vai totalmente ao encontro do nosso objetivo, que é da destinação correta e ambientalmente responsável dos resíduos.”
Sulgás avança na aplicação de práticas ESG
O próximo passo é agregar o biometano na rede, formando parcerias com empresas que invistam na na produção do biocombustível
Considerado o combustível de transição que emite menos gases de efeito estufa do que outros combustíveis fósseis, como o diesel e o óleo à lenha, o gás natural apresenta-se como uma alternativa até que a utilização de fontes de energia 100% renovável seja alcançada. Fundada em 1933, a Sulgás, empresa responsável pela distribuição de gás natural canalizado no Estado, atende aos segmentos industrial, veicular, comercial, residencial e de geração de energia.
"Estamos participando diretamente da transição energética e da descarbonização da economia gaúcha. O próximo passo é agregar o biometano na rede, formando parcerias com empresas que invistam na produção do biocombustível e no que chamamos de corredores verdes", destaca Carolina Bahia, gerente-executiva de relações institucionais da Sulgás. Os chamados corredores verdes são um estímulo para que cada vez mais caminhões, ônibus e tudo que compõe a frota pesada, façam uma transição energética de combustíveis, como o diesel, para o gás natural e para o biometano.
A Sulgás é um dos exemplos do avanço significativo da adoção de práticas ESG dentro do mercado nacional. "Queremos agregar esse debate, levando-o para dentro do legislativo, do executivo. No momento em que se diz que existe um programa de descarbonização da economia gaúcha, os veículos que rodam nas nossas estradas não podem ficar de fora disso", afirma Carolina.
A executiva destaca que a Sulgás está madura em relação à aplicação de práticas ESG, possuindo metas de controle e redução de emissões. Além disso, a empresa adquiriu o selo ouro do GHG Protocol, reconhecimento dado pela Fundação Getúlio Vargas, a organizações no Brasil que publicam os inventários de Gases de Efeito Estufa com transparência, cumprindo os critérios necessários. A companhia está listada na CDP (Carbon Disclosure Project), organização internacional sem fins lucrativos que auxilia empresas a divulgarem seu impacto ambiental.
Carolina destaca os próximos passos relacionados às práticas. "Já estabelecemos algumas metas para o futuro. Temos alguns compromissos, entre eles, alcançar a política NetZero em 2030 para os escopos 1 e 2, imaginando que, ali na frente, essas questões vão estar cada vez mais maduras no mundo inteiro", reflete Carolina. A política tem a meta de que qualquer emissão feita seja compensada ou reduzida por ações de captura de carbono.
Em relação ao pilar social, a empresa busca uma aproximação contínua com a comunidade em que está inserida. A Sulgás possui uma matriz de projetos sociais, culturais e esportivos, totalizando cerca de 20 ações nesse âmbito. "Nós temos ações na área de responsabilidade e impacto social bastante firmes, além de metas claras de atingir níveis de diversidade em nossas lideranças", considera. Atualmente, 61% dos cargos de liderança da Sulgás são ocupados por mulheres. Segundo Carolina, a ideia, a longo prazo, é atingir 50% de diversidade em geral até 2030.
A empresa também mantém o projeto Pescar anualmente, oferecendo aulas para cerca de 20 jovens nas comunidades vizinhas, como Lomba do Pinheiro e Bom Jesus, no contraturno escolar. O objetivo é oferecer formação em gás natural, psicologia, desenvolvimento pessoal, cidadania e outras disciplinas. Alguns alunos que já passaram pelo projeto, inclusive, ocupam cargos de liderança na companhia atualmente.
"A questão da segurança é o nosso principal pilar. Perseguimos a meta de não ter acidentes de trabalho com afastamento. Já estamos há mais de três anos sem acidente com afastamento e, dessa maneira, colaboramos para esse valor que tem que ser de todos. Se a segurança for o foco de todo mundo, tenho certeza que vamos evitar vários problemas presentes na sociedade hoje", observa.
Empreendedores investem no serviço de consultoria e organização de dados para empresas
A pesquisa realizada pela Amcham apresentou alguns desafios enfrentados pelas empresas que buscam alcançar avanços consistentes na agenda ESG. Dos respondentes, 40% admitiram dificuldade em medir resultados das práticas aplicadas.
Observando essa dificuldade que as empresas têm na hora de captação de dados, Othavio Laube, Elias da Silveira Neto e Rafael Correa desenvolveram a ESG Now, startup fundada há cinco anos. O negócio nasceu da experiência da primeira empresa dos sócios, a Ecovalor, que prestava consultoria de práticas ESG para organizações. Durante a jornada de consultoria atendendo grandes empresas, os sócios identificaram uma dificuldade comum: a organização e a coleta de dados relacionados a práticas ESG.
“Empresas muito grandes, com várias filiais, diversas lojas e uma estrutura muito robusta, quando precisam reportar informações de sustentabilidade para o mercado, têm uma dificuldade muito grande em coletar e reunir essas informações”, destaca Othavio.
A ESG Now foi criada para resolver o desafio dessas grandes empresas. Sua principal proposta é entregar tecnologia para otimizar a jornada de sustentabilidade de grandes empresas e facilitar a organização de quem gerencia esses projetos. A startup se propõe a resolver a dificuldade de coletar e organizar informações ESG, que estão espalhadas em diversas áreas. Ela centraliza esses dados em uma plataforma para evitar retrabalho e permitir que as empresas atendam às demandas regulatórias e de mercado em tempo hábil.
“À medida que essas empresas não têm essas informações centralizadas em uma plataforma ou em um ambiente único, elas têm muita dificuldade e muito retrabalho para atender essas demandas de mercado. Então, é isso que propomos”, explica.
A ESG Now atende hoje em torno de 120 empresas. Possui atuação multissetor, incluindo indústria pesada, química, têxtil, varejo, construção civil e setor de energia. De acordo com Othavio, a indústria, no geral, é o setor que mais procura pelos serviços.
Segundo o empreendedor, o mercado de sustentabilidade e as práticas ESG passaram por mudanças intensas, especialmente, nos últimos seis anos. Othavio explica que duas grandes transformações remodelaram a forma como as grandes empresas abordam o ESG: o crescimento e a maturidade desses mercados e o fator de regulamentação e obrigatoriedade.
“As empresas começaram a olhar para as práticas ESG como uma estratégia de negócio e um diferencial competitivo. Há seis anos, o mercado ainda era muito imaturo. As empresas mal sabiam o que era ESG”, observa. Othavio também destaca que o aumento das empresas que aplicam a prática se dá por uma obrigatoriedade. “Nesses últimos anos, o Brasil acabou regulando mais as práticas de sustentabilidade. Por exemplo, a partir de 2027, toda a empresa de capital aberto vai precisar obrigatoriamente elaborar um relatório de sustentabilidade. A ESG está deixando de ser uma boa prática e está virando uma obrigação para, inicialmente, grandes empresas.”

