Um ano após a enchente, negócios do segmento retomam atividades e movimentam o setor cultural da Capital

Editoras de Porto Alegre atingidas pela enchente retomam lançamentos e atividades

Um ano após a enchente, negócios do segmento retomam atividades e movimentam o setor cultural da Capital

Em maio de 2024, a maior enchente da história de Porto Alegre voltou os olhares do País para a região. A capital gaúcha representou o drama vivido pela população do Estado por conta da inundação de lugares conhecidos nacionalmente, como o Mercado Público, a Orla do Guaíba e os estádios de Grêmio e Internacional. Conhecida por ter uma cena cultural pujante, repleta de museus e teatros, com orquestra sinfônica e escritores históricos, a cidade teve algumas de suas principais editoras de livros devastadas pelas águas.
Em maio de 2024, a maior enchente da história de Porto Alegre voltou os olhares do País para a região. A capital gaúcha representou o drama vivido pela população do Estado por conta da inundação de lugares conhecidos nacionalmente, como o Mercado Público, a Orla do Guaíba e os estádios de Grêmio e Internacional. Conhecida por ter uma cena cultural pujante, repleta de museus e teatros, com orquestra sinfônica e escritores históricos, a cidade teve algumas de suas principais editoras de livros devastadas pelas águas.
Em março de 2024, a editora Jambô (@jamboeditora) dava um passo importante na sua consolidação como a principal empresa do segmento especializado em RPG (Role-Playing Game): a compra de um novo depósito para o estoque, que já não cabia no antigo local, na avenida João Pessoa. O novo endereço foi a rua Almirante Tamandaré, no bairro Floresta. O mês de abril foi de mudança, com caminhões transportando todos os títulos para o novo local, que conta com mais de 1,1 mil m². Poucos dias depois, a enchente veio e danificou dezenas de milhares de livros da Jambô.
Ainda que a água não tenha atingido um nível tão alto em comparação a outras regiões, o estrago não foi minimizado. “A água chegou mais ou menos na altura da cintura, mas os livros estavam em paletes. Como ficamos vários dias sem conseguir entrar, os livros acabaram apodrecendo e vários paletes tombaram. Então, mesmo os que estavam em cima, caíram”, lamenta o diretor-geral da editora Jambô, Guilherme Dei Svaldi. O prejuízo da editora foi de cerca de R$ 2 milhões, segundo Guilherme. O diretor relata que a tristeza pela perda vai além das questões financeiras. “Os livros são o ganha pão da editora, mas tem o fator emocional. Nós trabalhamos com livros porque gostamos, então tem toda uma relação emotiva com o objeto. É parecido com a questão de não desperdiçar comida. A gente não gosta de desperdiçar livro.
Quando não quer mais, doa para uma biblioteca, mas não se bota fora. Perder dinheiro ninguém gosta, mas, no fim das contas, é um número. E o livro, para nós, é muito mais que isso”, reflete. Ainda que a editora passasse por um momento de expansão, crescimento e com reserva financeira de emergência, a retomada só foi possível com a generosidade da comunidade de leitores. A Jambô transformou o lançamento de um livro, que já estava previsto, em uma ação de financiamento coletivo para auxiliar funcionários atingidos pela enchente. “Conseguimos arrecadar quase R$ 700 mil e doamos para os colaboradores que foram afetados. Isso só foi possível graças à comunidade”, agradece Guilherme.
O diretor-geral destaca também a solidariedade dos leitores. “Muitos vieram comentar. ‘Botem à venda, mesmo com o livro manchado, a gente compra para ajudar, para apoiar’, mas realmente não tinha condição. Quem nunca viveu uma enchente, como a gente também não tinha vivido, não tem noção de como fica. A água é supersuja, embarrada, contaminada, não tinha condições nem para reciclagem”, lamenta. Outro gesto importante para a recuperação das editoras foi feito pelas livrarias de fora do Rio Grande do Sul. O acerto de consignação é uma negociação em que as livrarias pagam as editoras apenas após as vendas dos livros.
Em maio de 2024, Guilherme revela que houve um recorde de pagamento. “As livrarias se prontificaram a pagar as editoras daqui. Mesmo sem conseguir ter uma noção exata do que estava acontecendo, eles acreditaram na nossa dor e ajudaram”, conta. Guilherme acredita que os livros têm o poder de entreter pessoas, especialmente em momentos de dificuldade como durante a enchente. “A literatura, o RPG e a arte como um todo tem um propósito mais direto, que é o entretenimento. Algumas pessoas enxergam isso como algo menor, mas eu não acho que seja. Acho que é importante que as pessoas sejam felizes. Qual seria o sentido de viver para ser triste?”, indaga. “Mas além disso, têm a função de mostrar realidades que as pessoas não têm contato. A fantasia é fundamental para explicar emoções e coisas abstratas. É uma forma de desenvolver a empatia nas pessoas”, conclui o diretor-geral da editora. A retomada da empresa foi gradual, com muitos funcionários trabalhando à distância nos primeiros dias e com desafios, como o fato de uma das gráficas parceiras da editora também ter sido afetada pelas águas.
Ainda assim, Guilherme acredita na cidade e conta que desistir nunca esteve nos planos. “Nasci e me criei em Porto Alegre, então tenho que acreditar. Entre colaboradores e funcionários, temos mais de 100 pessoas envolvidas com a editora. É uma questão de responsabilidade social, então desistir não foi uma opção”, afirma. A grande lição que Guilherme tirou de toda essa tragédia foi a importância de se precaver em vários aspectos. “É importante ter uma reserva de emergência sempre, porque nunca se sabe quando um desastre desses pode acontecer de novo.
Além disso, cultivar uma rede de suporte, boa relação com fornecedores e clientes. Mais que a mera relação comercial, é uma relação de confiança. Às vezes, tu vais precisar ajudar ou ser ajudado. Nenhuma pessoa sozinha tem condições de enfrentar uma fúria da natureza como foi essa, mas juntos a gente consegue dar um jeito”, acredita Guilherme.

Como encontrar a Jambô

A editora Jambô publica materiais dos sistemas de RPG Tormenta, Ordem Paranormal e 3DeT, além de títulos como a revista Dragão Brasil, romances de Dungeons & Dragons (D&D), livros-jogos e outras obras. O catálogo e outras informações estão disponíveis em jamboeditora.com.br.

Apoio foi primordial para reimpressão de títulos clássicos de editora

Com 27 anos de história, a Libretos trabalha aliada às políticas públicas e comunidade editorial

Fundada em 1998, a Editora Libretos acompanha os últimos 27 anos de história de Porto Alegre. Em maio de 2024, quase 13 mil livros, de um total de 15 mil exemplares em estoque, foram levados pelas águas das inundações que afetaram o Estado. Hoje, um ano após, a Libretos resiste e está no processo de reimpressão de seus títulos.
Quem fundou o negócio foi Clô Barcellos, junto do jornalista Rafael Guimaraens. Atualmente, a empreendedora toca o negócio ao lado de Andrea Ruivo, responsável pela logística e administração. Como uma forma de se reerguer, elas apostam no projeto Horizontes Literários, que está distribuindo 35 títulos, totalizando mais de 11 mil exemplares para bibliotecas públicas em todo o Rio Grande do Sul.
Com recursos da Política Nacional de Bibliotecas (PNAB - RS), serão mais de 150 bibliotecas contempladas em 140 cidades. Clô enfatiza o trabalho realizado pelas editoras e negócios do setor a partir do apoio de políticas públicas. “Agora, temos a possibilidade de fazermos livros novos, pois tínhamos os autores, os artistas, mas não tínhamos o dinheiro para a reimpressão”, pontua. A próxima remessa de livros destinados ao projeto terá 1129 exemplares encaminhados para as bibliotecas. “Essa operação é fundamental no sistema de cultura. Nós fomos bonificados, e é de grande importância porque possuímos títulos de cultura negra em quantidade acima das outras editoras”, pontua.
A ação afirmativa conta com títulos como O livro encantado, de Fátima Farias e Gil Gomes, A Lanceirinha, de Ângela Xavier e Alisson Affonso, e livros da autora Negra Jaque. Mais de 30 autores e ilustradores participam deste projeto, junto a outros profissionais da cadeia do livro: revisores, bibliotecários, fotógrafos, produtores gráficos - além da equipe envolvida na logística e distribuição dos livros. Mas, de acordo com Clô, quem salvou a editora no período em que a enchente ocorria foi a procura pelo carro-chefe da Libretos, o livro A Enchente de 41, de autoria de Rafael Guimaraens.
Perdemos boa parte do catálogo. Fizemos algumas tiragens e agradecemos a população que comprou tudo. Isso nos tirou do buraco”, diz. O livro-álbum, que reúne arquivos fotográficos e documentos da época, conta a história das cheias de 1941. Lançado em 2009, com uma tiragem de 1,5 mil exemplares feita em março, o livro já havia se esgotado para a Feira do Livro, em novembro. “Ele sempre foi o nosso carro-chefe. Veio as águas e levaram toda a história”, rememora. A partir do desastre vivido, o título recebeu ainda mais visibilidade. “Apenas 500 exemplares foram possíveis em um primeiro momento. Tudo isso durante maio de 2024”, conta.
Com Porto Alegre isolada, as empreendedoras investiram em pré-vendas até que fosse possível enviar os exemplares. “Voltar com as entregas, que são feitas por ciclistas dentro do âmbito de Porto Alegre, foi algo de emoção. Faz um ano que essa coisa acontece. Não passou, estamos apenas em uma fase diferente”, emociona-se.
A respeito do apoio do segmento editorial, Clô destaca a comunidade literária e o Clube dos Editores do Rio Grande do Sul - entidade sem fins lucrativos que tem por finalidade unir os produtores de livros, promovendo ações de fomento à cadeira produtiva do livro. “Percebemos que o nosso drama é o de todos. E dividimos os dramas que são diferentes. As editoras não são concorrentes, são complementares. Coisas que aprendemos com o tempo. Para nós, está sendo uma emoção atrás da outra. É uma relação de cumplicidade que existe entre quem trabalha e consome livros”, declara.

Focado em quadrinhos, negócio aumenta publicações em 40%

Idealizada pelos empreendedores Fabiano Denardin e Iriz Medeiros, a editora Hipotética nasceu em 2022. Anteriormente, os sócios comandavam a Galeria Hipotética, um espaço que fazia mostras de arte e principalmente de quadrinhos, pois Fabiano já trabalhava no segmento. No período da pandemia de Covid-19, a operação foi encerrada e, anos depois, os empreendedores resolveram apostar em uma editora voltada a quadrinhos, mantendo o nome da antiga galeria.
Com o depósito localizado em um centro de armazenamento, no bairro Navegantes, Fabiano e Iriz tiveram as duas salas alugadas invadidas pelas águas da enchente. “Um dos poucos títulos que sobreviveu foi o ‘Sobreviventes da Fronteira', que estavam mais para cima”, comenta Fabiano. Os livros que foram salvos, hoje, levam um selo na capa chamado "sobreviventes da enchente de 2024".
 
A editora perdeu cerca de 3 mil livros que foram danificados pelas águas. Após a tragédia, o depósito da Hipotética foi realocado para o segundo andar do centro de armazenamento. A reestruturação do negócio foi possível graças a financiamentos coletivos, benefícios do governo e à campanha realizada pelos empreendedores. Intitulada Reimprime Hipotética, a ação realizou a pré-venda de livros e, com o dinheiro arrecadado, realizou as impressões.
 
Todos os livros que foram impressos novamente vem com uma lembrança do que a editora passou em maio de 2024. “Colocamos nas primeiras página ‘essa impressão motivada pela perda de estoque causada pela grande enchente do Rio Grande do Sul em 2024’”, conta. Fabiano está no segmento de quadrinhos há 20 anos. Atualmente, além de comandar seu próprio negócio, ele trabalha na editora Mythos, de São Paulo, que presta serviço para Panini.
 
O empreendedor comenta que demorou um ano para a editora se estabelecer e enviar os livros que deveriam ser entregues no ano passado. “Teve uma iniciativa do Clube dos Editores, que eles também fizeram um financiamento coletivo. O Felipe Neto nos apoiou. Estava quase terminando o prazo, e a meta era R$ 500 mil. Tínhamos arrecadado R$ 50 mil e ele bancou os outros R$ 450 mill. Graças a essa ação conseguimos reimprimir o título Aloha."
 
Apesar dos desafios, a editora conseguiu se organizar. Para este ano, as expectativas são altas. De acordo com Fabiano, a ideia é que até o fim de 2025, eles estejam com 13 livros no catálogo da Hipotética. “Entre maio e junho, estamos imprimindo cinco novos títulos”, afirma.
 
As novas publicações representam um aumento de 40% em relação ao ano anterior. “Estamos com um livro novo que deveria ter saído ano passado, o Starman, que é uma biografia do David Bowie”, destaca Fabiano. Além disso, o empreendedor cita o título Diários Metropolitanos, onde todos autores da obra são escritores da Região Metropolitana de Porto Alegre.
 
Fabiano segue acreditando na potência do seu negócio, pois acredita que a Hipotética
é uma editora que publica obras que possivelmente não seriam publicados por outras editoras. “O próprio Sobreviventes da Fronteira, é uma história que foi, não encomendada, mas feita em parceria com o artista, para mostrar um pouco como era a vivência dele nos anos 1990 na fronteira do Rio Grande do Sul”, explica.
 
Além disso, a editora traz títulos de outros países da América Latina, como Deusas do Rock. “É um livro que trouxemos uma escritora argentina que também é musicista com uma ilustradora equatoriana para mostrar um pouco essa visão de como o rock foi apropriado pelos homens e as mulheres, muitas vezes, ficaram de fora”, destaca o empreendedor, afirmando que histórias locais, com histórias de cidades gaúchas, fazem sucesso.