Atender às demandas deste público é o norte de iniciativas desenvolvidas no Estado

Iniciativas com foco na inclusão e na acessibilidade crescem no Rio Grande do Sul


Atender às demandas deste público é o norte de iniciativas desenvolvidas no Estado

 Falar em acessibilidade e pensar alternativas que tornem produtos e serviços mais inclusivos é um dever dos negócios independentemente do segmento em que atuem. Do desenvolvimento de tecnologias que facilitem a rotina de pessoas com deficiência à adequação de serviços, essas iniciativas fazem parte do escopo de empresas preocupadas em atender à demanda destes consumidores. 
 Falar em acessibilidade e pensar alternativas que tornem produtos e serviços mais inclusivos é um dever dos negócios independentemente do segmento em que atuem. Do desenvolvimento de tecnologias que facilitem a rotina de pessoas com deficiência à adequação de serviços, essas iniciativas fazem parte do escopo de empresas preocupadas em atender à demanda destes consumidores. 
Foi pensando nisso que surgiu, em 2019, o Camping Acessível, projeto desenvolvido na cidade de Três Coroas que tem como objetivo tornar o turismo de aventura uma opção também para o público de pessoas com deficiência. Gabriel Feiten, um dos idealizadores e organizadores do evento, conta que a ideia surgiu a partir da sua própria vivência como paratleta. "Sou uma pessoa com deficiência e me envolvi com várias questões ao longo da vida. Me tornei atleta, participei de Paralimpíada. Hoje, sou psicólogo, trabalho com esse público, e fiz muitas palestras, consultorias para empresas", diz Gabriel. Foi em uma dessas palestras que surgiu a ideia de criar o Camping Acessível, que teve sua primeira edição em 2019. "A edição foi muito boa, mas para um público muito pequeno, era uma divulgação ainda bem amadora. Na segunda edição, um pouquinho antes da pandemia, o público aumentou, cidades de fora da região se mostraram interessadas. Com esse crescimento, agregamos parceiros, sejam eles associações ou até mesmo patrocinadores", conta Gabriel que, atualmente, é vereador no município. "Como vereador, tenho mais força política. Mostrei que é um evento totalmente válido, que faz com o município cresça nessa área, trabalhando com o nicho de Três Coroas, que é o esporte de aventura", pontua. 
O evento passou de 150 participantes para 1 mil, e espera, para edição deste ano, que acontece no dia 25 de março, reunir mais de 1,5 mil pessoas. "Quebramos o recorde brasileiro com a maior descida de rafting para pessoas com deficiência do Brasil. Conseguimos colocar em torno de 30 botes e cerca de 190 pessoas. Para este ano, abrimos inscrições para o rafting para a parte da manhã, que é uma descida mais longa, e esgotou em três dias. Já recebi contato e tem gente que vem de Seberi, que fica a 600 km daqui", orgulha-se Gabriel sobre a procura pelo evento que, percebe ele, movimenta a economia local. "Cada vez mais, vai tomando uma proporção maior e, automaticamente, movimentamos o turismo na cidade, fazemos com que os parques que recebem o evento também se adaptem. Mesmo sendo particulares, eles estão percebendo que é um público interessante, consumidor, só que é preciso oferecer estrutura", pontua Gabriel. 
Neste ano, o Camping Acessível ocorrerá no Raft Adventure Park, um dos empreendimentos às margens do Rio Paranhana que recebe os visitantes para turismo de aventura. O negócio, que surgiu há 30 anos, é comandado por Teriana Selbach, que enxerga no evento uma possibilidade de aprimorar ainda mais o turismo acessível na região. "É um público que, desde a construção do parque, a gente visa atender. Já fizemos o parque com boa parte da estrutura acessível. Receber um público maior no evento é um desafio para testarmos essa estrutura. Mas o objetivo é poder oferecer o melhor depois do evento. Percebemos que é uma quebra de barreiras para nós e para o público, porque são atividades que podem ser praticadas regularmente. Ainda vemos muito pouco esse público praticando as atividades de aventura", diz a empreendedora, pontuando que é preciso pensar acessibilidade em diversas frentes.
"Quando falamos em inclusão, pensamos em vários pilares, desde uma oferta de produtos que não sejam de preços abusivos, e atividades que atendam a vários públicos, crianças de todas as idades, jovens, adultos, idosos e pessoas com deficiência", acredita. 
A entrada para o evento, que acontecerá das 8h30min às 18h, é um quilo de alimento não perecível. Serão sete atividades disponíveis, como rafting, arco e flecha, trilhas e banho de rio. Cristian Krummenauer, diretor de Turismo de Três Coroas, pontua que o evento contribui para o desenvolvimento do tema na cidade. "O evento se tornou uma manifestação do município. A ideia é trazer essa demanda em diferentes ambientes da cidade que tragam a experiência da vida ao ar livre para todas as pessoas, desenvolvendo os espaços públicos e os equipamentos privados turísticos para que possamos ter esse reconhecimento e atender esse público que carece de experiências de socialização no meio da natureza", percebe Cristian.
Para o paratleta, o Brasil está muito aquém quando o assunto é acessibilidade. "Nós somos a 10ª potência paralímpica no esporte, e não nos enquadramos nem entre os 100 na questão acessibilidade. Estamos muito longe. Mas vejo essas iniciativas como fonte de começar a mudar esse pensamento. De mostrar que é importante ter acessibilidade, trabalhar com esse turismo. Não se gasta rios de dinheiro fazendo e só vai agregar um público que, antes, não tinha condições de ir e que, agora, vai frequentar o espaço", acredita.
 

Startup gaúcha lança aplicativo de audiodescrição de rótulos para pessoas com deficiência visual

Acessibilidade, liberdade, inclusão e autonomia. São esses os pilares que guiam a Alia Inclui, startup que trabalha com rótulos inclusivos para pessoas com deficiência visual. Lançada em janeiro, a plataforma vem sendo planejada há quase dois anos pelas sócias Tatiane Duarte, Caroline Dall Acua e Débora Rosati, nomes à frente da marca. "Trabalhava há anos como consultora empresarial. Um dia, um cliente queria inserir braille nas embalagens e rótulos do produto dele. Comecei a estudar mais sobre isso e me deparei com alguns grandes empecilhos, foi quando conheci a Carol. Costumo dizer que, quando conheci ela, foi a primeira vez que de fato enxerguei uma pessoa com deficiência", lembra Tatiane sobre o primeiro contato com a sócia, pessoa com baixa visão. "Para mim, a Alia surgiu ali, quando comecei a entender mais sobre o cotidiano dela e, juntas, começamos a pensar em como a tecnologia poderia servir como um braço para levar mais acessibilidade, liberdade, inclusão e autonomia, que é o significado de Alia", explica Tatiane.
Enquanto pesquisava sobre o assunto, Tatiane conta que descobriu o porquê de muitas empresas não utilizarem o braille como alternativa inclusiva em embalagens de produtos.
"Primeiro, tem o espaço, demanda uma área no rótulo que muitas vezes inviabiliza. Depois, tem o alto relevo, que gera um custo alto e faz com que o preço do produto não seja tão competitivo. E, em terceiro, boa parte da população com deficiência visual não é alfabetizada em braille", elenca a sócia. Pensando nisso, a alternativa foi a audiodescrição e, a partir daí, surgiu o aplicativo Alia Inclui. A plataforma tem como objetivo tornar produtos acessíveis. Para isso, realiza a leitura do código de barras que leva para uma audiodescrição do produto. "Essa inserção pode ser feita de forma gratuita pelos usuários, na própria plataforma, informando nome, marca, peso, de maneira básica, tornando ele minimamente acessível. Já as empresas, que pagam pelo serviço, podem cadastrar os produtos de uma forma muito mais completa e personalizada", destaca Carol, que enxerga a alternativa como uma forma de comunicação para organizações atingirem um novo público.
"É uma forma de utilizar o marketing para atingir pessoas que não são impactadas pelo marketing comum, que é algo essencialmente visual. As pessoas cegas ou de baixa visão não são impactadas por algo que foi pensado em tamanho, em cores. Mas algo acessível me impacta de forma positiva. É uma maneira das empresas se comunicarem com os clientes como for interessante para elas, até adicionando diferentes links na descrição do produto", acredita Carol.
Além do aplicativo, a marca também atua na área de treinamentos, buscando tornar empresas mais inclusivas e acessíveis. As sócias utilizam as redes sociais da marca, como o Instagram (@aliainclui), para levar esse conhecimento a outras pessoas.
"Quem não vive nesse universo, quem não sente na pele, acaba ficando no campo da ignorância. Não sabe a cor de uma bengala ou a maneira correta de se aproximar de uma pessoa com deficiência, então usamos as redes para isso. As empresas aliadas recebem um treinamento vivencial e técnico. Buscamos agir em todas as frentes para ter um projeto sólido e conseguir, de fato, gerar esse engajamento com a sociedade", considera Tatiane.
Com um investimento inicial de R$ 150 mil e há quase três meses no mercado, a marca conta com quatro empresas parceiras e mais uma dezena de propostas a serem finalizadas. “A recepção está sendo muito bacana, com vários retornos positivos, não só das empresas, que estão procurando bastante, como dos usuários, que estão vendo, baixando e usando o aplicativo”, comenta Tatiane. Em uma semana, o app teve 370 novos cadastros entre sistema IOS e Android. O ticket médio para organizações interessadas gira em torno de R$ 3 mil, a depender da quantidade de produtos que serão inseridos na plataforma.

Em breve, a plataforma também contará com reconhecimento por imagem e geolocalização, além de aviso sonoro, que já está disponível. “Acho importante reforçar que sim, a pauta tem todo um cunho social, estamos muito seguros disso, mas é uma iniciativa privada, precisamos de empresas aliadas para continuar e melhorar o nosso propósito”, admite Tatiane. “A importância de iniciativas assim é imensa porque, no momento que tenho produtos acessíveis, eu tenho liberdade de escolha, isso é algo que me torna um indivíduo participante e atuante na sociedade, isso tem um valor muito grande para a comunidade”, define Carol sobre o negócio.
 

Empresa é referência na inclusão de PcDs no mercado de trabalho

Há mais de 10 anos no mercado, a Egalitê, empresa fundada e comandada pelo gaúcho Guilherme Braga, atua no recrutamento e inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O negócio surgiu em 2013, quando Guilherme passou a procurar soluções para enfrentar, o que ele acredita, ser uma visão equivocada do mercado de trabalho. "As empresas encaram como uma pedra no sapato ter que realizar essa inclusão, mas nós sempre acreditamos que trabalhar a inclusão é uma grande oportunidade e potencialidade que as empresas não aproveitam", pontua o CEO. "Existem inúmeras pesquisas que comprovam que uma força de trabalho mais diversa gera melhores resultados", destaca.
Apesar de não ser uma pessoa com deficiência, o empreendedor lembra que o primeiro insight para abrir o negócio foi em 2003, quando realizou um intercâmbio para os Estados Unidos e teve a oportunidade de ver a rotina de uma pessoa com deficiência. "Não tenho ninguém próximo na família que seja uma pessoa com deficiência, mas, nessa oportunidade, tive um amigo muito próximo que era cadeirante. Lá, percebi que, quando estamos em um ambiente com menos barreiras, a deficiência se torna cada vez menos relevante", pondera o CEO, que, com o passar dos anos, foi amadurecendo a ideia, que saiu do papel quando descobriu a Lei de Cotas. "Essa lei garante que uma empresa com mais de 100 funcionários deve incluir, pelo menos, de 2% a 5% de pessoas com deficiência no seu quadro de colaboradores. Quando entendi a forma que ela era tratada aqui no Brasil, tive a vontade de iniciar um projeto que promovesse a inclusão, com base na lei", explica Guilherme.
Além de contar com uma plataforma própria de recrutamento, totalmente acessível para pessoas com deficiência, o negócio realiza um diagnóstico e mapeamento em empresas que buscam inserir uma cultura mais inclusiva na sua organização. "Fazemos treinamentos, capacitações, programas de mentoria, para trazer mais informação e mostrar para a empresa como ela pode ser mais aberta à inclusão", descreve. O mapeamento vai desde o quadro de colaboradores até questões mais práticas, como barreiras arquitetônicas ou de comunicação. "No recrutamento, por exemplo, o foco é sempre o potencial da pessoa, e não a sua deficiência. Também não cobramos nada dos candidatos, quem paga pelos serviços é a empresa", diz Guilherme.
Os projetos são completamente personalizados, por isso, os valores podem variar de acordo com a necessidade e demanda de cada organização. Para o futuro, Guilherme planeja ampliar o número de pessoas com deficiência que trabalham na Egalitê. "Atualmente, cerca de 15% do nosso quadro de colaboradores é de PcDs, mas, para os próximos anos, o objetivo é dobrar essa porcentagem", prevê. Outro plano futuro é a ampliação da Inclui PCD, feira online de empregos que surgiu durante a pandemia e já gerou mais de 27 mil vagas em suas três edições.
Sobre o cenário da inclusão social no Brasil, Guilherme acredita que ainda há muito para ser feito, principalmente no setor público.
"De acordo com o Censo Demográfico, cerca de 24,9% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, é uma parcela muito significativa da nossa sociedade, então, as empresas precisam ter esse olhar mais inclusivo e diverso, até para que consigam pensar em mais produtos e novos serviços que possam atender a todos", acredita Guilherme.