A proximidade da CB, como é carinhosamente chamada, com o Centro Histórico é uma vantagem para moradores e turistas

Empreendedores da Cidade Baixa veem retomada nos negócios e na vida noturna


A proximidade da CB, como é carinhosamente chamada, com o Centro Histórico é uma vantagem para moradores e turistas

O bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, é conhecido por sua vida noturna. Antes da pandemia, era destino frequente para quem procurava festas descoladas com um público despachado. Embora impactada pelas restrições do surto sanitário, a região vive um momento de retomada, conforme os empreendedores e empreendedoras que apostam no local.
O bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, é conhecido por sua vida noturna. Antes da pandemia, era destino frequente para quem procurava festas descoladas com um público despachado. Embora impactada pelas restrições do surto sanitário, a região vive um momento de retomada, conforme os empreendedores e empreendedoras que apostam no local.

Grandes incorporadoras da cidade estão investindo no reduto boêmio para a construção de prédios residenciais, o que gera polêmica. A tradicional galeria Nova Olaria, por exemplo, acabou perdendo seu brilho para os tapumes, fazendo com que estabelecimentos clássicos buscassem um novo endereço.

Foi o caso da livraria Bamboletras, que agora vai operar dentro de uma igreja na avenida Venâncio Aires, já que a clientela sumiu do ponto da Lima e Silva. A proximidade da CB, como é carinhosamente chamada, com o Centro Histórico é uma vantagem para moradores e turistas.

Tanto os antigos quanto os novos donos de negócios que ocupam as ruas de casarios históricos relatam que o bairro concentra gente de todas as tribos. Você, eu, todo mundo em algum momento da vida curtiu muito a CB. #boaleitura

Cachaça envasada na Cidade Baixa dá origem a outros negócios

Produção iniciada como hobby na faculdade levou jornalista a virar fornecedor, sócio de bar e investir em hotelaria

Numa das ruas mais clássicas do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, a João Alfredo, o jornalista e empreendedor Guilherme Carlin, 39 anos, administra três negócios. Dois já conhecidos do público, que ficam em frente um ao outro: o Espaço 512, onde é sócio, e a Chica, marca de cachaça. Esse último ganhará uma loja própria em breve, mas a grande novidade é uma hospedagem que está sendo reformada para abrigar até 10 pessoas colada ao seu pub.

A atual aposta de Guilherme diz muito sobre o clima entre os empreendedores e empreendedoras do bairro. Há um ar de otimismo, de esperança de que o público esteja voltando para a região. Inclusive, pessoas de fora da cidade. "Sempre vi uma efervescência na Cidade Baixa. A pluralidade é algo muito atraente. E, hoje, enxergo uma retomada disso", expõe ele, que começou a empreender enquanto era estudante. Após participar de uma oficina de licores promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a Fabico, decidiu produzir cachaça ao lado de outros nove amigos em 2004. O objetivo era levar o líquido às festas do diretório acadêmico. Atualmente, ele é o único dono do negócio.

Guilherme percebe um grande interesse imobiliário pela Cidade Baixa por sua posição geográfica, próxima ao Centro Histórico da Capital. O fato, para ele, é motivo de celebração, pois sente que o bairro foi muito castigado pela mídia nos últimos anos. "Isso aqui é um polo gastronômico e turístico que só vai se valorizar", prevê.
A Chica é produzida na Weber Haus, em Ivoti, mas grande parte do envase é realizado na João Alfredo. O volume de comercialização anual fica em torno de 10 mil litros, com atuação, ainda, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, principalmente.

O empreendedor lembra que, no início, saía de bicicleta com uma mochila cheia de garrafas para oferecer nos bares da Cidade Baixa. O 512 era um desses locais, onde mais tarde virou sócio. "Quando entrei aqui pela primeira vez, me apaixonei", lembra.

Guilherme se envolveu tanto com o mercado que chegou a ser presidente da Associação de Produtores de Alambiques do Rio Grande do Sul. Ele participa de feiras e inscreve as cachaças gaúchas em prêmios, como uma realizada em conjunto entre nove marcas.

Embora gaúcho, Guilherme foi criado na região Norte do País, mas considera a Cidade Baixa a sua casa. É esse sentimento que ele passa, também, a quem frequenta o 512 ou prova suas bebidas.

Há 44 anos, é seu João quem faz o sorvete na Joia

Para conquistar o público do bairro, a Sorveteria Joia mira em unir qualidade e preço baixo

Há 44 anos, a esquina da rua da República com a avenida José do Patrocínio é palco de uma das sorveterias mais conhecidas da Capital: a Joia. O que para o público é um ponto tradicional, para João Klein, 74 anos, é um dos maiores orgulhos de sua vida. Desde 1978, o empreendedor comanda o atendimento e a produção de sorvetes.

Aventureiro. É assim que o proprietário se descreve por entrar num ramo que não tinha conhecimento. Sem saber preparar sorvetes, João teve o auxílio do seu antigo sócio para aprender, mas brinca lembrando que explicação da receita não foi boa. "Hoje, sei fazer porque aprendi com os clientes. Sou o único que faz e sempre fez o sorvete", conta. Atualmente, com o avanço da tecnologia, é utilizado uma máquina que produz sorvete em sete minutos.
De acordo com João, a preferência do público são os tradicionais morango e chocolate. Mas garante que o seu favorito é o de iogurte com frutas vermelhas. Em meio à gourmetização, o proprietário assegura que sua produção não é feita com essência, mas com a própria fruta. Ao longo dos anos, segundo ele, foi necessário se reinventar e oferecer novos sabores aos clientes. João buscou inspiração e colocou a mão na massa criando os sabores chocolate com pimenta, banana com canela, banana caramelada e moranga com butiá. Por ser noveleiro, o primeiro sabor foi inspirado na novela da Globo, de 2003, Chocolate com Pimenta. Opções veganas também foram inseridas no menu.
Além de inovar no cardápio, preço e qualidade precisaram estar alinhados para o público da Cidade Baixa. "Não estamos localizados em um lugar de grife. Atendemos o povão. Antigamente, nos buscavam apenas pelo preço baixo, mas, hoje em dia, também buscam pela qualidade", afirma.

João tem um apreço enorme pelo o que construiu e se emociona toda vez que lembra a sua trajetória. Na sorveteria, está exposta a primeira máquina utilizada para fazer sorvetes. A persistência de João fez e ainda faz gerações preferirem pelo seu produto. "Enquanto estiver vivo, ainda vou produzir meu sorvete, pois é o que eu amo", garante.

O reduto da música ao vivo no bairro boêmio de Porto Alegre

Objetivo do Parangolé é ser um espaço de divulgação de arte e cultura

Presente há mais de uma década na região, o Parangolé Bar já se tornou referência para os amantes de música ao vivo na Capital. Localizado na rua General Lima e Silva, nº 240, o empreendimento foi aberto em 2006 por Cláudio Freitas, 68 anos, que, após se aposentar, decidiu embarcar em uma nova aventura, buscando transmitir todo o seu amor pela música em forma de negócio.

Vindo de uma família apaixonada por música, o empreendedor conta que o bar não poderia ter um foco diferente. "Faz parte da minha vida desde sempre, sou músico e tenho um filho músico. Temos um amor e conhecimento muito grande pela música, que também é necessário para tocar um espaço desse ramo", admite.

A escolha pela localização, segundo Cláudio, ocorreu pela época em que o bar abriu. "Em 2006, a Cidade Baixa estava em expansão, era o ponto dos bares da cidade, além do bairro ter essa alma boêmia e toda história que combina muito com a cultura", explica.
Apesar de ter música ao vivo todos os dias, o empreendedor garante que a relação com a vizinhança sempre foi muito agradável. "Procuramos ter um limite de volume e de horário para não criar atrito com os moradores do bairro, o que vem dando muito certo", afirma, garantindo que, quando o bar ainda transmitia jogos de futebol ao vivo, o alvoroço era muito maior.

Ainda que o Parangolé seja um empreendimento consolidado na comunidade, não escapou das dificuldades que a pandemia causou. "Fechamos durante vários meses, tivemos de fazer uma reforma no bar, sem mudar a proposta, mas alterando todo o layout e decoração. Ainda estamos retomando as atividades, mas aos poucos", ressalta, uma vez que, antes do período de isolamento, o bar oferecia roda de leitura, projetos de música clássica e demais atividades voltadas à arte e à cultura.

Nas terças-feiras, o espaço é sede da "roda de choro", e, nas quartas, a música varia entre latina e MPB. "Ter esses gêneros definidos por dia já garante um público que gosta desses estilos musicais. Nos outros dias, variamos entre MPB, blues e jazz", explica. Cláudio também reforça que sempre dá prioridade para músicos regionais, mas já recebeu artistas de vários estados do País.

Aberto de segunda a sábado, das 17h à meia noite, o plano principal continua sendo expandir o negócio, trazendo cada vez mais artistas e oferecendo diferentes atividades culturais.

Negócio da Cidade Baixa aposta em gastronomia inspirada em Buenos Aires

Embora as referências à Argentina sejam vastas, o cardápio busca contemplar diversos lugares

Imagine os tradicionais bares de Buenos Aires. No seu interior, quadros decoram as paredes, objetos de antiguidade compõem o espaço e a temática primorosa caracteriza o ambiente. Este foi o conceito escolhido pelos sócios Marina Tosin e Frederico Müller para dar vida ao Olivos 657, gastrobar que fica na rua da República, na Cidade Baixa, em Porto Alegre.

A inspiração surgiu a partir das idas de Frederico à capital Argentina. O nome do negócio também faz alusão a Buenos Aires. O bairro Olivos é conhecido por abrigar a Quinta Presidencial, residência fixa do presidente eleito pelos cidadãos argentinos. Famosa por bons bares e boa gastronomia, a região foi a escolhida pelos empreendedores como tema do espaço. A cada viagem da dupla, bebidas são importadas para decorar o ambiente e compor o cardápio.
Embora as referências à Argentina sejam vastas, o cardápio tenta contemplar diversos lugares. Marina, que é formada em gastronomia, busca inspiração em outros países para diversificar o menu e apresentar novidades aos clientes. Um dos destaques, conta, é o steak tartare, prato parisiense formado por carne crua, batida na faca, misturada com temperos de alcaparra, cebola, mostarda e gema apurada. Outra referência é a cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, famosa por seu sanduíche de frutos do mar, que é servido no Olivos com camarão empanado, pão de brioche e salada.

Marina e Frederico eram colegas de trabalho em um restaurante e, a partir de conversas cotidianas, perceberam que seus sonhos eram compatíveis. Através da barganha oferecida pela antiga proprietária, foi possível alcançar a primeira meta: comprar um estabelecimento. "Esse é o nosso primeiro empreendimento. Como foi tudo no susto, fomos aprendendo conforme fomos crescendo", lembra o profissional em hotelaria.

Segundo os sócios, abrir um negócio na Cidade Baixa não fazia parte dos planos. "Foi uma oportunidade de sorte, pois é um bairro movimentado. Infelizmente, ele já esteve largado e descuidado, mas percebemos um retorno positivo nesse momento pós-pandemia. Clientes que eram fiéis estão voltando a frequentar o bar", afirma a gastrônoma.

Atualmente, a equipe do Olivos 657 conta com cinco funcionários e tem os sócios na linha de frente. "Fazemos parte da operação e tentamos deixar tudo o mais horizontal possível. Por termos vivido do outro lado, entendemos as frustrações e sentimentos. Todo mundo tem possibilidade de crescimento e ajudamos a manter o ambiente saudável", garante a empreendedora. Aberto de terça-feira a domingo, das 18h30min às 23h, o bar também trabalha com delivery.

O antigo hotel que virou moradia em Porto Alegre

Espaço possui cozinha compartilhada, área de jogos, lavanderia e um minimercado

Reformado em 2020, o antigo Hotel Comfort, situado na avenida Loureiro da Silva, nº 1.660, na Cidade Baixa, agora é conhecido como Century Park Living, empreendimento que trouxe para o bairro o conceito de coliving com 75 estúdios prontos para morar. Responsável pela revitalização do espaço, a My Way, empresa de gestão patrimonial, conta com mais de 2 mil contratos de locação desde o início de sua operação.

O CEO do negócio e um dos sócios fundadores, Gibran Decussatti, explica que, ao lado do sócio Bernardo Vares, e em parceria com os proprietários do lote, foi realizada uma pesquisa de mercado para descobrir qual seria o novo rumo do prédio. "Buscamos referências lá fora, é algo que tá acontecendo muito na Europa, Estados Unidos e agora até em São Paulo. Entendemos que a Cidade Baixa tem total sinergia com esse empreendimento, justamente por ser um ambiente extremamente cultural, um polo jovem e noturno, que casa muito bem com o modelo de moradia coliving", explica, reforçando que, apesar de a empresa revitalizar espaços urbanos, existe uma preocupação em preservar estruturas e construções históricas já existentes.
Com um investimento de cerca de R$ 4 milhões, o espaço possui cozinha compartilhada, área de jogos, lavanderia no estilo pague e use, churrasqueiras e minimercado de autoatendimento. "Já estamos operando, mas o fitness center e o bicicletário ainda estão em fase final de construção", completa.

Gibran garante que o empreendimento está sendo um sucesso, principalmente, entre estudantes e profissionais autônomos. "A maior faixa etária do público é entre 25 e 40 anos, temos bastante estudantes da Ufrgs aqui, assim como viajantes de negócios que vem passar uma temporada na cidade", esclarece.

A locação pode ser feita pelo site da empresa (www.vivermyway.com.br) e os contratos funcionam por formato de assinatura, isto é, dentro do valor contratado estão inclusas despesas como aluguel, condomínio, água, luz, internet e TV a cabo, sem tempo mínimo ou máximo de permanência. Todo o acesso ao empreendimento e quartos é digital, com uso de fechaduras eletrônicas e portaria virtual.

Há dois anos no mercado gaúcho, a My Way já possui quatro empreendimentos na Capital, com cerca de 100 apartamentos ao todo. Além da expansão da marca, a empresa está desenvolvendo um aplicativo para integrar todos os serviços e operações dentro do negócio, com um canal de comunicação direta com a administração.

Refugiados sírios escolhem a Cidade Baixa para empreender e recomeçar

Apesar de ter tido receio ao abrir um espaço com comidas de sua cultura, Feras Alazhar conta que foi bem acolhido

Ao caminhar pela rua Lima e Silva, na Cidade Baixa, é possível notar um pequeno e movimentado estabelecimento gastronômico. No número 549, encontra-se o Shawarma Dubai, lanchonete de receitas árabes, fundado por uma família refugiada na Síria. Adib Mokhallalati e Marwan Kalam são tio e primo de Feras Alazhar, atual proprietário do local, onde trabalha Mostafa, cozinheiro que também veio do país em guerra.

O nome dado à lancheria é uma homenagem ao prato tradicional originário do Oriente Médio, o Shawarma. O lanche lembra o típico xis, famoso entre os gaúchos, mas enrolado no pão árabe. De recheio, é possível incluir carne, frango, pasta de alho, alface, tomate e picles. Além do sanduíche, esfirra, falafel e churrasco árabe são servidos no estabelecimento. Uma das diferenças do assado rio-grandense para o da Síria é o espeto colocado na vertical. Para se adaptar ao gosto de Porto Alegre, o cardápio adicionou opções veganas e vegetarianas.

A história do restaurante começou muito antes da inauguração, em 2019. O pontapé inicial foi na Síria. A família de Feras era dona de diversos negócios gastronômicos e, por ter sangue empreendedor, ele não pensou duas vezes: quis continuar o legado, mesmo que longe de casa.

Os conflitos na Síria fizeram a família sofrer as consequências, tendo que se mudar do país. "Eu estudava negócios para poder administrar nossos restaurantes, mas parei por causa da guerra. Perdi parentes e até hoje não sei como estão", conta. Ele não recebe notícias do irmão, que ficou no país, há anos e, por isso, não sabe se está vivo.
O primeiro destino do empreendedor foi a Rússia e o segundo o estado do Paraná. Feras conta que o Brasil virou destino por ser democrático e receptivo aos estrangeiros, o que facilitou a sua adaptação. Para aprender português, Feras se tornou frequentador do bairro boêmio onde, atualmente, tem seu negócio. "Aprendi a língua na rua. Todo dia tem movimento no bairro, então foi fácil. Fiz amigos antes de abrir o restaurante e que, hoje, se tornaram meus clientes", afirma.

Apesar de ter tido receio ao abrir um espaço com comidas tradicionais de sua cultura, o empreendedor conta que foi bem acolhido. "Já tivemos filas enormes em nosso restaurante. Se as pessoas ficam 40 minutos esperando por um lanche é porque gostam", celebra. Ele cita, ainda, que houve alguns desentendimentos com outros negócios no início, mas que agora está tudo em paz.

Para driblar as dificuldades da pandemia, o Shawarma Dubai trabalha com entregas. Embora tenha sofrido com a crise que atingiu a todos, Feras já percebe as mudanças positivas. Agora, tenta transferir as esperanças para que a situação da Síria mude.

Enquanto isso, ele vai reafirmando diariamente o lado bom de seu povo através da culinária.