Nas zonas costeiras do Brasil, um fantástico mundo se esconde: o das microalgas, organismos microscópicos e unicelulares que possuem diversos fins práticos quando cultivados pelos seres humanos. Uma delas, da espécie Spirulina platensis, tem sido o foco do pesquisador Jorge Alberto Vieira Costa, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que busca estudar dois usos desses microrganismos: para o combate à fome e no desenvolvimento de combustíveis mais sustentáveis. Por este trabalho, ele será agraciado com o Prêmio O Futuro da Terra, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e pelo Jornal do Comércio durante a Expointer.
Natural de Rio Grande, na Região Sul do Estado, Costa iniciou sua formação profissional ao realizar um curso técnico no Ensino Médio — à época ainda denominado 2º Grau — na área de refrigeração. A partir disso, interessou-se pelo setor de Engenharia de Alimentos, curso que havia sido recém-inaugurado na Furg e no qual graduou-se em 1984.
Rapidamente empregado na área, mudou-se para São Paulo para trabalhar em uma empresa de alimentos. Mas não demorou para que a vida acadêmica o chamasse: em 1986 foi convidado a colaborar na Furg como professor substituto, tendo sido docente por certo período também na Universidade de Caxias do Sul (UCS). E essas experiências fizeram com que a pesquisa entrasse na sua vida para não sair mais.
As pesquisas iniciaram-se em 1987, culminando em uma especialização em biotecnologia moderna, cursada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) em 1989 e no doutorado em Engenharia de Alimentos, obtido em 1996 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). À época, longe das microalgas, Costa estudava o uso de resíduos agroindustriais para a alimentação.
“Eu trabalhava com farelo de arroz, que é comum aqui na região de Rio Grande. É um produto com muito amido, mas pouca proteína e acaba sendo usado como ração animal. O que fizemos foi desenvolver uma rota biotecnológica com microrganismos para que aumentasse esse conteúdo proteico. Foi o primeiro grande projeto de pesquisa”, destaca o pesquisador.
Retornando ao município de Rio Grande, entrou na lógica da Furg, que, localizada na cidade que sedia a maior praia em extensão do mundo, a Praia do Cassino, busca estudar o ecossistema costeiro. Assim, continuou focado no uso de microrganismos para ampliar a qualidade alimentar, mas, dessa vez, o microrganismo era a microalga.
“Eu queria muito trabalhar com o combate à fome e à miséria. E a spirulina tem um potencial de combate à desnutrição muito grande, porque é riquíssima em proteína. Juntei isso com o que eu fazia e iniciamos esse trabalho em 1996”, relembra Costa.
As pesquisas deram resultados positivos e não demoraram para serem ampliadas em projetos práticos de alto impacto social em um projeto associado ao programa de Zero Emissions Research and Initiatives (Zeri) do Instituto de Estudos Avançados da Universidade da Organização das Nações Unidas (ONU-IAS) e a Fundação Banco do Brasil. Nele, foi criada uma planta de desenvolvimento sustentável utilizando a microalga na Lagoa Mangueira, em Santa Vitória do Palmar, cidade próxima de Rio Grande.
“Produzimos a spirulina para utilizar na merenda escolar. E bem na época surgiu o programa Fome Zero (2003), do governo federal. Usávamos a microalga para enriquecer os alimentos e distribuí-los na rede escolar. Desenvolvemos mais de 30 alimentos, achocolatados e outros, que eram enriquecidos com spirulina. O resultado foi maravilhoso, foi um projeto maravilhoso que cresceu muito e até hoje trabalhamos com isso”, explica o pesquisador.
Conforme Costa, a partir de então as microalgas foram tomando conta das pesquisas. Além da alimentação enriquecida para crianças em idade escolar, foram desenvolvidos shakes para idosos, buscando evitar a sarcopenia, condição de perda progressiva de massa muscular e força, associada ao envelhecimento. Mas os usos desses microrganismos não pararam por aí: da produção de biofertilizantes à redução dos impactos ambientais do uso de agrotóxicos, diferentes foram os estudos associados a elas comandados por Costa.
De Rio Grande ao Nordeste
Muito em breve, garante Costa, os projetos de combate à fome com o uso da spirulina devem crescer e chegar a diversos estados do Nordeste. Afinal, uma nova iniciativa deverá envolver o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) e a Embrapa Semiárido.
No projeto, a água salobra, que possui uma concentração de sais dissolvidos tornando-a imprópria para o consumo e que é comum na região, deverá ser transformada em água potável. E as microalgas retiradas no processo poderão ser utilizadas no combate à fome na região. O projeto-piloto atingirá os estados de Pernambuco, Ceará, Bahia e Paraíba.
As microalgas na luta contra as emissões de CO2
Alguns dos mais recentes estudos comandados pelo pesquisador estão voltados à produção de biocombustíveis. Além do grupo de pesquisas chefiado por Costa ter desenvolvido o projeto de biodiesel da Petrobrás, os trabalhos também estão avançando para a criação de bioquerosene para ser utilizada como combustível de aviação. Esta última iniciativa teve parte do seu desenvolvimento realizado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“Os aviões lançam uma quantidade muito grande de gases causadores do efeito estufa, em especial o CO2 (dióxido de carbono). Para se ter uma ideia, um voo de Dubai a Londres emite mais CO2 do que alguns países emitem o ano inteiro. Estamos trabalhando muito nessa substituição do querosene de aviação pelo bioquerosene, o que hoje já é um programa de governo”, avalia Costa.
A lei número 14.248, de 2021, instituiu o Programa Nacional do Bioquerosene no Brasil com o objetivo de ampliar o uso do biocombustível na aviação. Conforme anunciado pelo próprio governo federal, a legislação estabelece “uma política de promoção do desenvolvimento tecnológico e a produção de biocombustíveis, incluindo a participação de universidades, agências reguladoras e empresas privadas”.
Com isso, espera-se que seja observado também um impacto sustentável nas pesquisas. “A gente sabe que o aumento dos gases do efeito estufa, especialmente o CO2, tem causado o aquecimento global e essas mudanças climáticas que a gente está enfrentando, inclusive as que o Rio Grande do Sul tem enfrentado nos últimos anos”, considera Costa.
Ações voltadas à redução das emissões de CO2 a partir das microalgas também estão sendo realizadas pelo grupo de pesquisa no nível local. Afinal, há um laboratório para este fim instalado na Usina Termelétrica (UTE) Candiota 3, que é movida a carvão e situada na Região Sul do Estado.
A lista de agraciados com o Futuro da Terra, cuja cerimônia ocorrerá no dia 1/9:
| Nome | Categoria de premiação |
| Cláudio Wageck Canal | Cadeias de Produção |
| Jorge Alberto Vieira Costa | Cadeias de Produção |
| Volmir Sergio Marchioro | Cadeias de Produção |
| Wilson Francisco Britto Wasielesky Jr. | Cadeias de Produção |
| Juliano Smanioto Barin | Inovação e Tecnologia Rural |
| Marcia Maria Auxiliadora Naschenveng Pinheiro Margis | Inovação e Tecnologia Rural |
| Maurício Oliveira | Inovação e Tecnologia Rural |
| Fabricio Jaques Sutili | Preservação Ambiental |
| Helen Treichel | Preservação Ambiental |
| Luiz Antonio de Almeida Pinto | Preservação Ambiental |
| Crops Team | Startup Inovadora |
| ProspectaBio | Startup Inovadora |
| José Miguel Reichert | Prêmio Especial |