Metrópole Xadrez Clube promove torneio em homenagem à lenda do xadrez gaúcho nos anos 60

Por Rafael Zanotti

Francisco Trois durante a disputa do Interzonal de Riga em 1978
Nesta sexta-feira (19), o Metrópole Xadrez Clube, sediado em Porto Alegre, irá promover um torneio de xadrez em homenagem à Francisco Trois, um dos maiores jogadores de xadrez da história do Rio Grande do Sul, e de grande destaque no cenário nacional nas décadas de 1960 e 1970. A Copa Francisco Trois se inicia hoje e vai até domingo, no ritmo clássico, com 1 hora e 30 minutos para cada jogador. O torneio resgata a memória do enxadrista titulado Mestre Internacional (a segunda maior titulação possível para jogadores de xadrez) e árbitro internacional que veio a falecer em 2020, deixando um imenso legado para o esporte nacional, e conquistando o respeito dos maiores jogadores da história.
Nascido em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), no ano de 1946, Francisco conquistou o título de campeão da cidade de Canoas em 1963. Representando o Brasil em 3 olimpíadas de xadrez (as olimpíadas de xadrez são um evento separado das olimpíadas tradicionais), nos anos de 1972, 1978 e 1982, figurou entre os 10 primeiros colocados no campeonato nacional diversas vezes, tendo seu melhor resultado em 1977, quando terminou empatado na primeira colocação com o Grande Mestre Jaime Sunye Neto, ficando com o vice nos critérios de desempate do sistema de pontuação.
O maior torneio que participou foi o Interzonal de 1979, disputado em Riga, capital da Letônia. Os torneios interzonais, antigamente, reuniam enxadristas do mundo inteiro, que disputavam entre si as vagas para o Torneio de Candidatos, a última etapa antes de ter o direito de desafiar o campeão mundial de xadrez, na época o russo Anatoly Karpov. Francisco terminou o torneio nas últimas posições, mas suas duas vitórias mudaram o resultado da competição: a vitória sobre o campeão da Romênia, Florin Gheorghiu, deixou o romeno fora do Torneio de Candidatos do ano seguinte. Além disso, empatou com Bent Larsen, um dos maiores jogadores de todos os tempos e várias vezes presente nos ciclos de disputa do campeonato mundial.
Francisco acompanhou a equipe brasileira na Olimpíada de 1980, realizada em Valeto, capital do país mediterrâneo de Malta, ao sul da Itália. Na ocasião, ocorreu um dos eventos mais marcantes de sua vida, em uma história que contava com orgulho: enquanto caminhava pelas ruas, avistou Mikhail Tal, que também caminhava pelo local. Foi então que Mikhail atravessou a rua e, sorridente, foi cumprimentar o brasileiro. Talvez pela falta de difusão do esporte no país, seja difícil imaginar a grandeza da cena, mas Mikhail Tal, ex-campeão mundial de xadrez, foi um dos maiores jogadores de todos os tempos, carregando a alcunha de ‘O Mago de Riga’ pela complexidade de suas partidas. Os jogadores haviam se conhecido e se enfrentado dois anos antes no Interzonal de Riga, em que Tal foi o vencedor.
Iran Bayer, diretor técnico do Metrópole Xadrez Clube e organizador do torneio, falou sobre a representatividade de Francisco para o xadrez brasileiro durante sua vida: “O Trois tem uma história muito bela no xadrez, talvez uma das mais longas também. Durante 15, 16 anos, ele representou o Rio Grande do Sul nos campeonatos brasileiros, sempre nos primeiros lugares, uma vez foi vice-campeão. Ele é detentor da maior simultânea já realizada no Brasil. Durante muito tempo, ele foi muito representativo para o xadrez brasileiro porque ele representava criatividade no tabuleiro. Ele era o espelho de várias gerações que chegavam no xadrez. Quando alguém atravessa duas décadas de xadrez e se mantém em alto nível, ele serve de exemplo para as categorias que estão iniciando."
Além de tudo, Iran contou sobre as características pessoais do jogador, descrevendo-o como uma pessoa tranquila e de grande índole, e também sobre sua “fidelidade” ao Rio Grande do Sul. “Talvez, um dos grandes méritos da carreira do Trois foi ele, sem se dar conta disso, nunca sair do Estado. E não foi por falta de oportunidade. Quando digo que nunca saiu do Estado, quero dizer que sempre foi federado ao Rio Grande do Sul. Talvez para o xadrez brasileiro, ele seja lembrado pelas olimpíadas. A equipe sempre foi muito forte e, não que ele carregasse a equipe, mas ele representava a parte evolutiva do xadrez. Era o que o Trois representava. Uma pessoa de uma índole fantástica, uma pessoa calma, tranquila e tinha muita paciência com as crianças, o que eu acho fundamenta", afirma.
Francisco é detentor da maior partida simultânea de xadrez já realizada no Brasil, quando, em 17 de maio de 1987, enfrentou 133 jogadores no ginásio do Gigantinho, todos ao mesmo tempo. Trois teve um brilhante aproveitamento de 97,6%, em uma maratona que durou 8 horas e meia (das 10h30min até as 19h). Seu último torneio disputado foi a 4ª Copa Marcel Duchamp, disputada em Montevidéu, no Uruguai, em fevereiro de 2020, com o brasileiro fazendo 5 pontos em 9 partidas, um bom desempenho, mostrando sua dedicação ao esporte até o final de sua vida.
O torneio em homenagem ao Mestre Internacional ainda contará com a presença do Grande Mestre Alexandr Fier, tri-campeão brasileiro e um dos representantes do Brasil nas Olimpíadas de Xadrez de 2022, que foi realizada em Chennai, na Índia, e terminou no dia 10 deste mês. Será o primeiro torneio que Fier jogará após ter feito parte da equipe que fez uma das melhores campanhas da história do Brasil na competição.