Consagrado nacionalmente, Werner Schünemann estreia primeiro monólogo da carreira

Preparando a estreia do primeiro monólogo da carreira, Werner Schünemann reflete sobre os muitos papeis de uma trajetória multifacetada

Por Márcio Pinheiro

Preparando a estreia do primeiro monólogo da carreira, Werner Schünemann reflete sobre os muitos papeis de uma trajetória multifacetada
"É um monólogo que tem diálogos!", espanta-se o inespantável Hique Gomez com os ensaios de O Espantalho, novo projeto artístico do ator Werner Schünemann, com estreia prevista para o próximo dia 11 de agosto, dentro de uma curta temporada de três apresentações no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. "Fiquei abismado com a ideia", completa Hique, encarregado pelo ator de traduzir em música os ambientes emocionais sugeridos na peça. "É um trabalho muito inteligente e muito bonito. Vai ser terapêutico para muita gente que se interessa pelas questões entre pai e filho."
O Espantalho marca um ineditismo na carreira de Werner: é o primeiro monólogo de um ator que já atuou e/ou dirigiu dezenas de peças, novelas, filmes, séries, minisséries e documentários. A opção de fazer a estreia nacional na data que marca o Dia dos Pais não foi ao acaso. O tema do monólogo justamente trata das relações entre pai e filho a partir da história de um personagem que vai ao sítio do pai para jogar suas cinzas e encontra, perto da horta cultivada pelo patriarca, um espantalho e uma série de caixas de madeiras com objetos pessoais. Diante da descoberta, o personagem começa uma reflexão sobre seu passado, suas relações e sobre o que o aproximava e também sobre o que o distanciava de seu pai. "Um homem, literalmente, abre as caixas do passado. Ele está num momento crucial da vida e precisa fazer um acerto de contas com o pai. Werner Schünemann pega carona na autoficção e coloca em cena a discussão do papel masculino em tempos de ressignificação da situação feminina. Nada mais contemporâneo e importante, e ele faz isso com talento e ternura", diz Gilberto Perin, fotógrafo, roteirista, diretor e que convive com Werner há mais de três décadas.
"O desejo de montar um monólogo era algo que me acompanhava há muito tempo", confessa Werner, cuja última experiência em palcos teatrais havia sido Querido Brahms, que ele encenou ao lado de Carolina Kasting e sob a direção de Tadeu Aguiar, em 2016. A partir desta vontade, Werner procurou o diretor Bob Bahlis. Juntos eles desenvolveram o roteiro da peça, que aborda temas como o medo, a fragilidade e alguns outros assuntos que Werner, aos 64 anos, sentiu necessidade de levar ao palco como forma de compreender a própria existência.
Na peça, o personagem se vê diante de um balanço de vida que vai da infância à vida adulta. "Estou ansioso pela estreia. Tanto pela maneira como vou atuar, mas principalmente para observar a maneira de como o público vai reagir", diz Werner. "É um texto que fala sobre recomeços e renovações. E isso me interessa muito".
 

"Cheguei até a ser aplaudido em um avião lotado"

Ator surgido no boom do teatro e do cinema feitos em Porto Alegre no final dos anos 1970, Werner nasceu em Porto Alegre, foi criado entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, e voltou a morar na cidade-natal a partir de 1977. Formado em História, ele, em paralelo, começou uma carreira teatral, trabalhando com os grupos Faltou o João e Vende-se Sonhos. No cinema, foi pioneiro ao lado da turma que vinha fazendo experimentações em longas-metragens em super-8 que resultaram em sucessos locais como Deu Pra Ti Anos 70 (1981), de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, Coisa Na Roda (1982), com direção dele próprio, e Inverno (1983), de Carlos Gerbase.
A boa fase do cinema feito no Rio Grande do Sul seguiria pela década de 1980 e Werner ainda participaria como protagonista de Verdes Anos (1984), como roteirista e diretor de Me Beija (também de 1984 e que levaria o prêmio de Melhor Direção no Festival de Brasília) e O Mentiroso (1988), que voltou a ser premiado em Brasília, desta vez como Melhor Filme. "Revi O Mentiroso dia desses e o filme parece ter envelhecido bem. Me orgulho muito desse trabalho e tive muito prazer com esse reencontro", conta Werner. Além das atuações artísticas, foi um dos fundadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, da qual se desligou em 1991, e também foi presidente da Associação de Cineastas do Rio Grande do Sul (1997-99) e em seguida da Fundacine (1999-2001).
 
 

"Foi no palco e nas telas que conheci Werner. Nos anos 1980 já se consolidava pelo seu talento como o novo Alberto Ruschel do cinema. Ruschel, ator e diretor nascido em Estrela, fez muito cinema no Brasil e exterior, inclusive o famoso O Cangaceiro, em 1953. É assim que eu vejo: Werner e Ruschel são intérpretes que imprimem na tela um misto de galã e herói revolucionário e, o melhor, são dois excelentes atores", avalia Perin, lembrando ainda que sua aproximação com Werner aconteceu na década de 1990, quando Werner se tornou a voz e o rosto dos Curtas Gaúchos, na RBS TV. Foi na emissora que Werner dirigiu, atuou e fez locução de programas especiais, e foi narrador de alguns episódios da série. O período coincidiu com o chamado para interpretar o papel do general Netto no filme Netto Perde Sua Alma, de Tabajara Ruas e Beto Souza. A performance chamou a atenção de diretores da Rede Globo, que o consideraram ideal para viver outro general, agora Bento Gonçalves, na minissérie A Casa das Sete Mulheres (2003).
"Nos conhecemos de longa data do meio artístico. Já fiz trilha para filme dele e vivemos trocando de personalidades para dar autógrafos, ele já deu autógrafo como Hique Gomez e eu como Werner", lembra Hique, que completa com uma brincadeira: "Ele vive me cobrando parte dos cachês que eu fiz como Bento Gonçalves em pequenas cidades onde não perceberam que não era o Werner. Mas não vou devolver!".

Outra colega, a atriz Fernanda Carvalho Leite, também destaca a amizade e o coleguismo com Werner: "Eu e o Werner trabalhamos no filme Bens Confiscados de Carlos Reichenbach, mas não contracenamos. Depois em Netto e o Domador de Cavalos, do Tabajara Ruas, tivemos cenas juntos e estreitamos a amizade tendo uma convivência muito divertida. Agora temos o Bob Bahlis nos unindo, pois ele escreveu e dirigiu Velha D e O Espantalho, ambos monólogos, porém, um sobre o universo feminino e outro masculino".

Em 2003, com A Casa das Sete Mulheres, Werner faria o primeiro de uma série de trabalhos que desenvolveu na emissora com a qual teve um vínculo de quase duas décadas. "A TV ainda é o único veículo que permite que você interaja com milhões de pessoas. Não é exagero dizer que os atores entram na casa dos telespectadores", reconhece Werner. "E, por sorte, eu sempre sou acolhido da melhor forma possível. Mesmo quando interpretei vilões e bandidos, sempre fui bem tratado pelas pessoas que encontrava nas ruas. Cheguei até a ser aplaudido em um avião lotado".

Letra e música

O Werner Schünemann que gosta de organizar saraus caseiros para cantar e tocar violão e guitarra tem desde o início do ano uma banda para chamar de sua. Werner e o Bando - com o ator à frente, nos vocais, de um quarteto com duas guitarras, baixo e bateria - é o grupo formado por ele para dar vazão a uma de suas paixões: a música. "No início parecia uma brincadeira que não ia levar a lugar nenhum", conta Werner, recordando os primeiros ensaios. "Mas a ideia foi ganhando corpo, fomos montando um repertório e a intenção é que até o final do ano saia um show".
Por enquanto, Werner e o Bando fez apenas uma "estreia mundial", numa fria noite do inverno de junho numa única apresentação no Bar Ocidente, quando Werner foi uma das atrações do Sarau Elétrico. "Fui para ler trechos que seriam usados em O Espantalho e a Kátia Suman me convidou para fazer a canja da noite. Aceitei, é claro".
No repertório estão composições como Sou Uma Criança, Não Entendo Nada, de Erasmo Carlos - "Adoro o Erasmo Carlos, sempre foi um dos grandes cantores do Brasil", elogia o ator -, Como Dois e Dois, de Caetano Veloso, que fez parte do disco de Roberto Carlos de 1971, e Papai me Empresta o Carro, de Rita Lee e Roberto de Carvalho.
 

Os sofrimentos do jovem Werner

Além da música, outra faceta intelectual que vem sendo desenvolvida por Werner é a literatura. Em dezembro de 2021, ele lançou o seu primeiro romance, Alice Deve Estar Viva (Editora Almedina, 232 páginas, R$ 47,20). Resultado de uma elaboração de mais de uma década, o livro foi beneficiado pela pandemia. "Foi quando eu tive mais tempo para organizar o material e desenvolver a história".
Para escrever Alice Deve Estar Viva, Werner revela que contou com a ajuda do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. Outro escritor, Deonísio da Silva, classifica o livro da seguinte maneira: "A leitura deste livro de Werner Schünemann me lembrou Goethe em muitos momentos: a doçura de As Afinidades Escolhidas e o turbulento Os Sofrimentos do Jovem Werther". E completa: "Mas de repente o enredo traz um tempero policial à la Chandler, como quando o personagem olha a mulher que escorrega na calçada e para as geleias e as torradas sobre a mesa, enquanto as tramas vão se desenrolando em bom ritmo".
 

Em casa

Depois de 20 anos no Rio de Janeiro, Werner está cada vez mais convencido que é em Porto Alegre que ele gosta de viver. Atualmente, mora numa casa na Vila Assunção, perto do Guaíba, e divide o espaço com a namorada, a modelo libanesa Lucciana Farah. Os dois se conheceram pelas redes sociais. "Eu interpretava um personagem libanês em uma novela e o algoritmo passou a entregar minhas publicações para ela, que começou a interagir. Fui ver quem era e me apaixonei".
Antes de Lucciana, Werner foi casado por 23 anos com Tânia, mãe de seus dois filhos, a artista plástica Dagui, 28 anos, que mora em Portugal, e Arthur, 27, editor de vídeo com formação em Design de Jogos, e que vive em Porto Alegre.
Além de Lucciana, Werner também divide o teto com Milonga Schünemann, um esperto vira-lata adotado pelo ator e que protagoniza muitas cenas no instagram de Werner.

"O nada bem-feito é o maior mérito de um ator"

Qual o seu trabalho inesquecível?
É Netto Perde Sua Alma, de Tabajara Ruas e Beto Souza. Mas eu colocaria junto a ele o meu primeiro longa-metragem, Inverno, dirigido pelo Carlos Gerbase.
Qual o trecho que você considera inesquecível?
As batalhas encenadas em Netto Perde Sua Alma. Aquele monte de figurantes, aquela movimentação, aquela adrenalina. Todos estes momentos enchem os olhos da gente.
Qual o trabalho que mais te perturbou?
Fazer o Saulo, em Passione.
Qual o trabalho que você gostaria de ter feito?
Grande Sertão: Veredas.
Qual o personagem que você gostaria de ter criado/interpretado?
Isso eu já falei diversas vezes. Eu gostaria ainda de fazer o José Bonifácio, o patriarca da Independência. E ainda espero fazer.
Qual o maior trabalho da cultura brasileira?
Uau, isso é um pouco demasiado. Mas eu acho que o movimento da Tropicália, tanto na música, quanto nas artes plásticas, é o movimento mais bombástico, mais consciente e mais duradouro entre os movimentos culturais brasileiros.
Qual o maior ator e a maior atriz brasileiros?
Divido o troféu entre Paulo Autran e Tarcísio Meira. E entre as atrizes eu divido também entre Irene Ravache e Fernanda Montenegro.
Qual o trabalho mais superestimado que você conhece?
Hahaha! Não vou responder isso.
E o mais subestimado que você conhece?
Os filmes do Carlão Reichenbach. Tive o prazer de trabalhar com ele em Bens Confiscados, que eu revi esses dias e é um belo filme. Em termos gerais, ele é subestimado.
Qual livro merece ser adaptado para o cinema/novela/teatro?
Ora, o meu Alice Deve Estar Viva!
Qual ator mais influenciou a tua carreira?
São três, os três norte-americanos: Marlon Brando, Al Pacino e Jack Nicholson.
Qual diretor mais influenciou a tua carreira?
São dois: François Truffaut e Alfred Hitchcock. E curiosamente os dois se encontram num livro.
Qual deve ser o maior mérito de um ator?
A coisa mais difícil que existe em atuação é fazer o nada. E o nada bem-feito é o maior mérito de um ator. Ele deve buscar as entranhas, os abismos que os personagens têm dentro de si, carregam pela existência. O ator de alguma forma joga alguma luz na penumbra.
O que um ator deve evitar?
A gesticulação.
Cite uma grande performance de um grande ator?
O telefonema que Robert De Niro dá para a esposa do grande amigo dele que ele acabou de assassinar em O Irlandês, de Martin Scorsese, outro grande diretor que merece ser lembrado nessa entrevista.
Cite uma grande performance de um ator e/ou atriz pouco conhecido?
Quando Dan Stulbach fez aquele personagem (Marcos Soares, na novela Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos) que usava uma raquete para bater na mulher ele era pouco conhecido. E foi um grande trabalho de atuação.
Cite uma performance que você não esperava nada e te surpreendeu:
Vou citar a novela que está atualmente em cartaz, que tem um rapaz que faz um capanga, meio assassino de aluguel, que tem um quase namorado homossexual. Ele está fazendo um trabalho que eu não esperava. Quando vi a primeira vez, pensei "mais um jagunço". Mas não ele está fazendo um grande papel. (Werner se refere ao ator Amaury Lorenzo, que interpreta o Ramiro, na novela Terra e Paixão).
 

Trabalhos selecionados

Na TV
(2003) A Casa das Sete Mulheres
(2004) Senhora do Destino
(2005) América
(2006) JK
(2007) Amazônia, de Galvez a Chico Mendes
(2008) Duas Caras
(2010) Passione
(2012) As Brasileiras
(2015) Babilônia
(2018) Z4
(2019) Éramos Seis
No Cinema
(1981) Deu pra Ti Anos 70
(1982) Coisa na Roda
(1983) Inverno
(1984) Verdes Anos
(1985) Aqueles Dois
(1988) O Mentiroso
(2000) Tolerância
(2001) Netto Perde Sua Alma
(2002) A Paixão de Jacobina
(2006) O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili
(2012) A Hora e a Vez de Augusto Matraga
(2016) O Último Virgem
(2019) Bio - Construindo uma Vida
(2020) Algo de Errado não Está Certo
(2022) Primavera
No Teatro
(1981) Erêndira
(1983) Priscas Eras
(1985) Das Duas Uma
(2003) A Tomada de Laguna
(2004) Cassino Coração
(2006) DNA, Nossa Comédia
(2015) Querido Brahms
 

* Márcio Pinheiro é jornalista e escreveu os livros Esse Tal de Borghettinho e Rato de Redação - Sig e a História do Pasquim.