Empresários calçadistas cobram redução na alíquota do ICMS para 3%

Reivindicação acontece após baixa adesão ao decreto que reduziu de 12% para 4% a alíquota de cobrança

Por JC

RS é o estado que mais gera postos de trabalho na indústria calçadista nacional e também é o que mais exporta
Pedro Carrizo, especial para o JC
Pauta entre as promessas de Eduardo Leite (PSDB) e Onyx Lorenzoni (PL) no 2º turno da campanha eleitoral ao governo do Estado, no ano passado, a demanda por incentivos fiscais ao setor calçadista gaúcho voltou à mesa de reivindicações. O setor, representado pelos sindicatos patronais do segmento, pede a redução para 3% a cobrança da alíquota do ICMS gaúcho sobre os calçados prontos. Em fevereiro, a medida foi reapresentada na Secretaria Estadual da Fazenda, ao subsecretário da Receita, Ricardo Neves, e ao secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo.
A base da reivindicação foi o fracasso do Decreto 54.965, de 27 de dezembro de 2019, que garantiu à indústria de calçados gaúcha uma redução de 12% para 4% na alíquota do ICMS, mas também institui diversas obrigatoriedades e contrapartidas que tornaram a adesão ao incentivo fiscal quase impraticável por parte dos empresários.
Na reunião, sindicatos e lideranças calçadistas foram unânimes em afirmar que o decreto não atendeu às necessidades. No total, apenas 14 de um total de 1.792 empresas aderiram ao programa estadual.
O objetivo agora é que, com a reedição do incentivo fiscal, calçadistas que haviam migrado seu faturamento para outros estados, voltem a comercializar os produtos no RS.
No entanto, há incertezas sobre o novo modelo de incentivo. Isso porque algumas contrapartidas que haviam freado a adesão das empresas no decreto de 2019 serão mantidas na reedição, como a importação dos insumos via o Porto de Rio Grande e a obrigatoriedade de aquisição de insumos no Rio Grande do Sul.
"Se a empresa conseguir comprovar que tal insumo não existe no RS, ela fica liberada desta cláusula", explica o deputado estadual Issur Koch, que presidiu a frente do setor coureiro calçadista e esteve presente na reunião realizada na Fazenda. Mesmo assim, afirma, há um pacto firmado do empresariado para a volta ao Estado, no caso das empresas que foram faturar em outros estados.
Para o presidente executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, é preciso mudanças para além da redução da alíquota, se não a baixa adesão pode permanecer. "Não acredito que vá resolver todos os problemas e ter boa adesão se, simplesmente, reeditar o decreto, reduzindo de 4% para 3%". Outro ponto é que a primeira redução do ICMS, de 12% para 4%, se deu com base no crédito presumido e não com redução direta da alíquota. A intenção agora é que a redução seja efetiva, para 3%, e não indireta.
Além disso, o insucesso do decreto de 2019 é porque ele é quase uma cópia fiel da política de incentivos fiscais de Santa Catarina ao setor calçadista. Hoje, o estado vizinho é o principal balizador do modelo tributário para a produção de calçados gaúchos. O copia e cola da lei catarinense também foi uma forma de driblar a burocracia, já que qualquer mudança de tributação deve passar pelo crivo do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a menos que se esteja copiando a mesma legislação de um estado da mesma região.
"O decreto não pegou no Rio Grande do Sul, pois Santa Catarina tem outros benefícios logísticos, que ao serem copiados para estado gaúcho não funcionaram. Por exemplo, a obrigação de importação dos insumos da cadeia pelo Porto de Rio Grande. Muitos desses itens já eram importados pelos portos catarinenses, o que facilitou a adequação do decreto no estado vizinho", explica Haroldo Ferreira, presidente executivo da Abicalçados.
Dentre as novas contrapartidas que estão sendo negociadas com a Fazenda, está a possibilidade de alinhar as compensações com políticas de cunho social. Como a indústria calçadista depende ainda muito de mão de obra, e não necessariamente especializada, uma das propostas é nivelar o incentivo fiscal de acordo com a região em que a empresa for se instalar, pareando-se com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Isso também é um modelo que também tem como referência Santa Catarina.
Procurada para comentar as novas propostas do setor calçadista, a Secretaria da Fazenda escolheu não conceder entrevista. Em nota, o órgão informou que a Receita Estadual segue trabalhando na melhor solução para a questão tributária do setor calçadista, inclusive buscando a simplificação dos processos. A demanda dos empresários está em análise junto aos órgãos para avaliação do encaminhamento.
 

Rio Grande do Sul consolida referência nacional no setor

Embora o reclame dos empresários, o Rio Grande do Sul é o que mais gera postos de trabalho na indústria calçadista nacional e também é o estado que mais exporta, em valores, entre os entes da Federação. Em 2022, a participação em valores no total exportado foi de 43%, e 25,1% no volume de pares de calçados brasileiros, segundo dados da Abicalçados.
De acordo com o presidente-executivo da Abicalçados, a força do Estado para o setor nacional tem como base o cluster de produção de calçados na região do Vale do Sinos e Vale do Paranhana, que concentram muitos dos componentes e processos para a produção. "O RS tem toda a expertise para construir um produto do zero e, por isso, faz com que ele seja um grande expoente nacional do setor calçadista", diz Ferreira.
Segundo ele, embora seja necessário melhorias para atração e incentivo das indústrias, o Estado desponta como uma base de inteligência das empresas, com grandes marcas esportivas produzindo no nordeste do Brasil, mas com suas áreas de pesquisa e desenvolvimento alocadas em solo gaúcho.
O RS também liderou as contratações do setor calçadista em janeiro deste ano, mesmo que o segmento tenha vivido o pior primeiro mês em contratações dos últimos 14 anos. No período, que é um dos mais aquecidos para o setor, o RS contratou 1.054 postos, enquanto a nível nacional foram preenchidos apenas 1,3 mil postos. No mesmo período de 2022, o RS havia contratado pouco mais de 2 mil trabalhadores, enquanto o Brasil como um todo havia preenchido 6,1 mil postos de trabalho no setor calçadista, de acordo com dados do Caged.

Recorde de exportações em 2022 não deve ser superado neste ano

Dados elaborados pela Abicalçados apontam que o ano de 2022 somou 141,9 milhões de pares exportados pelo Brasil, o que gerou mais de US$ 1,3 bilhão em divisas. Os números são superiores tanto em volume ( 14,8%) quanto em receita ( 45,5%) em relação aos registrados em 2021. Na verdade, o resultado foi o melhor dos últimos 12 anos. O principal destino das exportações foram os Estados Unidos, que importaram 17,84 milhões de pares no último ano, gerando US$ 334,6 milhões em divisas para os calçadistas brasileiros
"É algo a ser comemorado. O desafio, agora, é manter esses números diante de um 2023 que aparece mais complicado no cenário internacional, com o aumento da inflação mundial, provocada pela guerra no Leste Europeu, e pelo retorno de uma China faminta ao mercado após as restrições da política de Covid Zero", comenta Ferreira.
De fato, a volta da China ao mercado global já tem gerado impactos na cadeia nacional, com redução do volume exportado (-2,9%) no primeiro bimestre deste ano e uma queda substancial nas contratações de mão de obra, que bateu em janeiro o pior nível dos últimos 14 anos. "Isso é reflexo do crescimento da importação dos produtos chineses", explica o presidente da Abicalçados.