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Busca por equilíbrio e qualidade de vida leva jovens a largar ou trocar de emprego
Especialistas ressaltam que a tendência pode ter efeitos positivos, mas precisa de planejamento
Para a maioria das pessoas, o trabalho é a principal forma de conseguir o sustento de casa. No Brasil, são 38 milhões de empregados pelo Regime CLT, segundo o IBGE, sem contar os trabalhadores informais e os autônomos – que somam 25 milhões de acordo com o Pnad Contínua. Ao todo, são 96,5 milhões de pessoas ocupadas, de acordo com dados do primeiro trimestre do ano. A dependência do trabalho para a sobrevivência das massas fez com que, por muitos anos, conforme explica Carmem Castro, professora da Escola de Negócios da Fadergs, as empresas, que oportunizam as vagas, "tivessem mais poder na hora de ditar as condições dos postos de trabalho, incluindo salário, metas e horas trabalhadas", explicou.
Hoje, no entanto, essa realidade está passando por algumas mudanças. Ela ressalta que, com mais qualificação e transformações nos valores do trabalho, inclusive com a possibilidade de abrir o próprio empreendimento com apenas uma conta nas redes sociais, os novos profissionais, especialmente os mais qualificados, têm ganhado mais voz nas negociações, embora as empresas também tenham suas estratégias para lidar com a situação. "Por um lado, os gestores estão percebendo que precisam ser mais flexíveis para manter os colaboradores. Por outro, é preciso dizer que as organizações também estão optando por contratar pessoas com menos experiência para pagar salários mais baixos e introduzi-las na cultura da empresa, a fim de reduzirem custos", disse Carmem.
Além disso, os movimentos da "grande renúncia" e da "demissão silenciosa" – que começaram nos Estados Unidos durante os primeiros dois anos da pandemia de Covid-19, quando os trabalhadores, especialmente os das classes mais baixas, se recusaram a aceitar condições laborais precárias, têm influenciado e transformado as relações de trabalho. No começo do verão nos Estados Unidos em junho, uma das músicas mais populares daquele momento, Break My Soul da cantora Beyoncé, foi singularizada pela mídia americana como um exemplo desse sentimento coletivo através das estrofes "acabei de me apaixonar, e acabei de me demitir / Vou encontrar um novo estimulo / Caramba, eles fazem eu me esforçar tanto/ Trabalho às nove, até depois das cinco / É por isso que não consigo dormir à noite", refletindo o desgaste das relações e a necessidade de se debater a temática naquele país.
A chamada demissão silenciosa consiste em fazer o mínimo de trabalho na função a qual foi contratado - apenas "o que se é pago para fazer". Já a grande renúncia significa abrir mão voluntariamente de postos de trabalho que não atendem a demanda salarial e de benefícios dos colaboradores até que as empresas se vejam forçadas a melhorar as condições de trabalho. Isso aconteceu com algumas grandes empresas americanas, como o McDonalds que, por falta de mão de obra, aumentou de US$ 11 para US$ 17 a hora de trabalho em 2021.
No Brasil, no entanto, como destaca a psicóloga da Fadergs, Tatiane Trivilin, o fenômeno chegou com algumas diferenças em relação ao que se seguiu na América do Norte. A partir de sua experiência na clínica, ela notou que muitos jovens, de 18 a 30 anos, geralmente com ensino superior, também adotaram a demissão voluntária, especialmente por conta da pandemia, mas levando em conta outros fatores, como necessidade de equilíbrio e qualidade entre vida profissional e pessoal, falta de motivação ou desafio na empresa. "No consultório é muito comum escutarmos os pacientes dizendo que eles não 'são' psicólogos, fisioterapeutas ou administradores, eles 'estão'", revela Tatiane. As falas no divã se transformam em atitudes e colaboradores insatisfeitos têm abandonado carreiras e, muitas vezes, até mudado de profissão. "Eles definitivamente não têm ambição de construir carreira em uma única empresa. Pensam muito diferente dos pais", reflete.
A professora Carmem, por sua vez, diz que isso faz parte do entendimento de que "o trabalho, que antes era parte central da vida das pessoas, hoje precisa se adequar a pessoas que buscam uma vida plena, em que é possível trabalhar, mas também ter vida social, ver os filhos crescerem, ter lazer e descanso, não precisar ficar horas no trânsito. A pandemia mostrou que existem outras formas de se relacionar com o trabalho", explica. Nesse cenário, as empresas e os gestores precisam se adaptar e considerar as demandas dos colaboradores. "É preciso ver flexibilidade de horários, benefícios customizados e iniciativas que visam melhorar a vida do colaborador para além do trabalho como um investimento. É preciso porque o salário é um motivador somente até o terceiro mês e muitos profissionais estão aceitando outras oportunidades, mesmo que recebam menos", considera.
Hoje, no entanto, essa realidade está passando por algumas mudanças. Ela ressalta que, com mais qualificação e transformações nos valores do trabalho, inclusive com a possibilidade de abrir o próprio empreendimento com apenas uma conta nas redes sociais, os novos profissionais, especialmente os mais qualificados, têm ganhado mais voz nas negociações, embora as empresas também tenham suas estratégias para lidar com a situação. "Por um lado, os gestores estão percebendo que precisam ser mais flexíveis para manter os colaboradores. Por outro, é preciso dizer que as organizações também estão optando por contratar pessoas com menos experiência para pagar salários mais baixos e introduzi-las na cultura da empresa, a fim de reduzirem custos", disse Carmem.
Além disso, os movimentos da "grande renúncia" e da "demissão silenciosa" – que começaram nos Estados Unidos durante os primeiros dois anos da pandemia de Covid-19, quando os trabalhadores, especialmente os das classes mais baixas, se recusaram a aceitar condições laborais precárias, têm influenciado e transformado as relações de trabalho. No começo do verão nos Estados Unidos em junho, uma das músicas mais populares daquele momento, Break My Soul da cantora Beyoncé, foi singularizada pela mídia americana como um exemplo desse sentimento coletivo através das estrofes "acabei de me apaixonar, e acabei de me demitir / Vou encontrar um novo estimulo / Caramba, eles fazem eu me esforçar tanto/ Trabalho às nove, até depois das cinco / É por isso que não consigo dormir à noite", refletindo o desgaste das relações e a necessidade de se debater a temática naquele país.
A chamada demissão silenciosa consiste em fazer o mínimo de trabalho na função a qual foi contratado - apenas "o que se é pago para fazer". Já a grande renúncia significa abrir mão voluntariamente de postos de trabalho que não atendem a demanda salarial e de benefícios dos colaboradores até que as empresas se vejam forçadas a melhorar as condições de trabalho. Isso aconteceu com algumas grandes empresas americanas, como o McDonalds que, por falta de mão de obra, aumentou de US$ 11 para US$ 17 a hora de trabalho em 2021.
No Brasil, no entanto, como destaca a psicóloga da Fadergs, Tatiane Trivilin, o fenômeno chegou com algumas diferenças em relação ao que se seguiu na América do Norte. A partir de sua experiência na clínica, ela notou que muitos jovens, de 18 a 30 anos, geralmente com ensino superior, também adotaram a demissão voluntária, especialmente por conta da pandemia, mas levando em conta outros fatores, como necessidade de equilíbrio e qualidade entre vida profissional e pessoal, falta de motivação ou desafio na empresa. "No consultório é muito comum escutarmos os pacientes dizendo que eles não 'são' psicólogos, fisioterapeutas ou administradores, eles 'estão'", revela Tatiane. As falas no divã se transformam em atitudes e colaboradores insatisfeitos têm abandonado carreiras e, muitas vezes, até mudado de profissão. "Eles definitivamente não têm ambição de construir carreira em uma única empresa. Pensam muito diferente dos pais", reflete.
A professora Carmem, por sua vez, diz que isso faz parte do entendimento de que "o trabalho, que antes era parte central da vida das pessoas, hoje precisa se adequar a pessoas que buscam uma vida plena, em que é possível trabalhar, mas também ter vida social, ver os filhos crescerem, ter lazer e descanso, não precisar ficar horas no trânsito. A pandemia mostrou que existem outras formas de se relacionar com o trabalho", explica. Nesse cenário, as empresas e os gestores precisam se adaptar e considerar as demandas dos colaboradores. "É preciso ver flexibilidade de horários, benefícios customizados e iniciativas que visam melhorar a vida do colaborador para além do trabalho como um investimento. É preciso porque o salário é um motivador somente até o terceiro mês e muitos profissionais estão aceitando outras oportunidades, mesmo que recebam menos", considera.
Abrir mão do emprego requer conhecimento do próprio mercado, alerta professora
Apesar de ser uma tendência, a professora Carmem Castro, da Escola de Negócios da Fadergs, ressalta que essa é uma realidade para um número reduzido de profissionais, pois, no país, são poucos os que podem escolher. "Além disso, passado alguns meses desse movimento entre os jovens, algumas pesquisas já mostram que cerca de 30% deles se arrependeram." O motivo para isso está na falta de planejamento e no que ela define como "romantização de chutar o balde". Segundo a especialista, é preciso, antes de tudo, ter autoconhecimento e conhecimento do mercado de atuação. "Para uma pessoa que trabalha com tecnologia, a recolocação em uma empresa mais alinhada aos seus objetivos pode ser mais fácil, pois há muito assédio por esses colaboradores. Algumas áreas, no entanto, estão em declínio. Abrir mão do emprego, nesses casos, pode significar meses ou anos sem conseguir uma nova posição", explica. Tão importante quanto conhecer o mercado é se conhecer. "Trabalhar home office não é para todo mundo nem para todas as empresas", pondera Carmem.
A fisioterapeuta Stephanie Cramer viveu esse momento de demissão voluntária há aproximadamente nove meses, buscando uma forma mais saudável de se relacionar com seu ofício. Ela se interessou pela profissão já no início da adolescência, quando precisou fazer um tratamento no joelho com uma equipe de fisioterapia. A confirmação veio anos depois, ao sofrer um acidente aos 16 anos de idade. "Foi um processo de reabilitação de um ano e meio. Foi lindo, com a mesma equipe que me tratei lá no início", conta.
Depois de formada, ela trabalhou durante cinco anos na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e aproveitou muito a experiência, mas disse que, depois de um período, começou a ficar sem motivação. "Algumas tarefas eram muito burocráticas e tinham muitas falhas na base, às vezes o paciente chegava três anos depois de um AVC, quando o ideal de reabilitação é de seis meses. Além disso, tinha cobrança por metas de atendimento. Isso era frustrante", lamenta. Sobre a decisão de pedir demissão, ela relembrou que ficou insegura, mas que "a vida não é só um salário fixo. Não pode ser."
A qualidade de vida, segundo avaliou, melhorou, mas as dúvidas persistem. "Faço meus horários. A instabilidade financeira me faz refletir se foi a decisão certa, mas acredito que isso seria em qualquer momento da vida. E trabalhando fixo, eu percebi que ganharia sempre mais ou menos igual. Comecei a perceber que quem faz atendimento domiciliar poderia ganhar muito mais. Na empresa eu não tinha perspectiva de crescimento", diz. Ela abriu a clínica Neurocer, em parceria com uma colega, especializada em reabilitação, com fisioterapia neurofuncional, fonoaudiologia, terapia ocupacional e outras áreas de atuação. Agora, ela visa promover um atendimento interdisciplinar a um público pagante. "Isso não era possível na minha antiga colocação, foi assim que o sonho da clínica começou", contempla.
Esse planejamento de abrir a própria clínica é o que Carmem define como trabalhar sempre com mais de uma opção, embora no caso de Stephanie não seja de troca de carreira, ela demonstrou autoconhecimento e noção do mercado de sua profissão para tomar o passo de empreender. "É importante sempre pensar em plano A, B ou C. No caso de mudar de profissão por não estar satisfeito, é ainda mais importante. Você precisa saber se o novo trabalho é realmente o que quer e precisa ter opções até que consiga ter uma reserva financeira ou a certeza de que os rendimentos da nova função são suficientes", complementa.
A fisioterapeuta Stephanie Cramer viveu esse momento de demissão voluntária há aproximadamente nove meses, buscando uma forma mais saudável de se relacionar com seu ofício. Ela se interessou pela profissão já no início da adolescência, quando precisou fazer um tratamento no joelho com uma equipe de fisioterapia. A confirmação veio anos depois, ao sofrer um acidente aos 16 anos de idade. "Foi um processo de reabilitação de um ano e meio. Foi lindo, com a mesma equipe que me tratei lá no início", conta.
Depois de formada, ela trabalhou durante cinco anos na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e aproveitou muito a experiência, mas disse que, depois de um período, começou a ficar sem motivação. "Algumas tarefas eram muito burocráticas e tinham muitas falhas na base, às vezes o paciente chegava três anos depois de um AVC, quando o ideal de reabilitação é de seis meses. Além disso, tinha cobrança por metas de atendimento. Isso era frustrante", lamenta. Sobre a decisão de pedir demissão, ela relembrou que ficou insegura, mas que "a vida não é só um salário fixo. Não pode ser."
A qualidade de vida, segundo avaliou, melhorou, mas as dúvidas persistem. "Faço meus horários. A instabilidade financeira me faz refletir se foi a decisão certa, mas acredito que isso seria em qualquer momento da vida. E trabalhando fixo, eu percebi que ganharia sempre mais ou menos igual. Comecei a perceber que quem faz atendimento domiciliar poderia ganhar muito mais. Na empresa eu não tinha perspectiva de crescimento", diz. Ela abriu a clínica Neurocer, em parceria com uma colega, especializada em reabilitação, com fisioterapia neurofuncional, fonoaudiologia, terapia ocupacional e outras áreas de atuação. Agora, ela visa promover um atendimento interdisciplinar a um público pagante. "Isso não era possível na minha antiga colocação, foi assim que o sonho da clínica começou", contempla.
Esse planejamento de abrir a própria clínica é o que Carmem define como trabalhar sempre com mais de uma opção, embora no caso de Stephanie não seja de troca de carreira, ela demonstrou autoconhecimento e noção do mercado de sua profissão para tomar o passo de empreender. "É importante sempre pensar em plano A, B ou C. No caso de mudar de profissão por não estar satisfeito, é ainda mais importante. Você precisa saber se o novo trabalho é realmente o que quer e precisa ter opções até que consiga ter uma reserva financeira ou a certeza de que os rendimentos da nova função são suficientes", complementa.