Empresas buscam executivos fora do Estado

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Uma pesquisa recente da Michael Page, empresa especializada em recrutamento executivo de média e alta gestão, mostra que mais da metade (70%) das empresas da região Sul considera difícil encontrar profissionais de elevado nível hierárquico no Estado. O levantamento, que ouviu mais de 900 profissionais do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, constatou que 65% das empresas têm se organizado para melhorar os pacotes de remuneração e benefícios com o intuito de se tornarem mais atrativas para o público que pretendem trazer para o quadro funcional.

Em boa parte das situações apontadas pelo estudo, a questão não se volta para a qualidade dos profissionais locais, mas sim para a quantidade, alerta a gerente executiva da Michael Page, Patricia Tourinho. “Existem profissionais excelentes no Sul”, salienta. O ponto crucial é a formação de pessoal, que, aqui, não tem acompanhado a necessidade das empresas, pontua. “Até pouco tempo, empresas de maior abrangência contratavam um único diretor comercial para toda a região Sul. Hoje, as companhias têm sentido a necessidade de manter um diretor para cada estado”, exemplifica, mencionando a área citada pelos entrevistados como a mais crítica.

Apesar de a pesquisa apontar setores estratégicos, gestores de multinacionais do Rio Grande do Sul que participaram da pesquisa ouvidos pela reportagem do Jornal do Comércio colocam a fluência em idiomas como principal barreira na contratação de profissionais locais. A diretora de Recursos Humanos da Midea Carrier, Adriana Assis, assegura que a formação dos gaúchos não é problema, mas considera difícil de contornar a ausência do inglês em nível avançado, condição inerente para um profissional de nível executivo em uma multinacional.

“Eu estava buscando um gerente para área administrativa e selecionei duas candidatas do Sul e uma de são Paulo. Em termos de resultados apontados por testes de idioma que indicam a necessidade de complementação de formação, uma das candidatas precisava de mais 550 horas de inglês, outra de mais 300 horas e a terceira estava no nível ideal, sem necessidade alguma de complementação”, conta. Justamente esta última, de fora do Estado, foi contratada. “Conseguimos resolver alguma lacuna de conhecimento técnico, mas sem o inglês fluente, ela nem consegue trabalhar”, comenta.

De forma geral, o levantamento da Michael Page indica que cerca de 19% dos executivos consultados dizem que de 6% a 10% do quadro de funcionários de sua empresa é composto por pessoas de outras regiões do País. Já 14% dos consultados afirmam que esse número está acima de 20%.

Dos 10 diretores da Midea Carrier, apenas três são gaúchos. Adriana destaca que o que pesa na balança é o tempo de preparação do profissional. Para obter fluência no idioma – o que é diferente daquela pessoa que consegue se comunicar em uma viagem ou que apenas consegue ler em inglês – são necessários, no mínimo, três anos de muito estudo. “Não podemos esperar três anos. Até porque esse executivo vai ter que se comunicar com clientes de fora e fazer apresentações”, acrescenta. Na contratação de executivos, cargos em que a Midea Carrier faz seleção nacional, pesam a fluência no inglês, experiência profissional em multinacional e vivência no exterior.

Na Dana, multinacional da cadeia de autopeças, a situação é a mesma. O gerente de Recursos Humanos, Disneu Santiago Junior, salienta que a empresa sempre busca contratações locais, até porque trazer profissionais de fora tem custo e exige um tempo de adaptação. O ponto citado como um dos mais críticos por ele quanto aos profissionais locais é a fluência em língua estrangeira. As demais dificuldades que a empresa enfrenta, comenta Junior, são com relação a exigências muito específicas, mas que têm diminuído cada vez mais, tornando viável a contratação de gaúchos em qualquer área de atuação da multinacional. 

Já Adriana, à frente da diretoria de RH da Midea Carrier, diz que a dificuldade persiste. “Não vejo nenhuma movimentação nesse sentido”, ressalta. A experiência de Adriana, que também é professora de MBA da ESPM, é comprovada diariamente. “Convivo com jovens e pessoas de meia idade que estão no mesmo mercado em que eu contrato e noto que são poucos dos meus alunos têm fluência no inglês.”

Limitações pessoais e familiares barram oportunidades

Outro dado apontado pela pesquisa da Michael Page sobre a contratação de executivos contrapõe o esforço das empresas da região Sul do País para atrair talentos, mostrando que 52% dos executivos de outros lugares refutam as oportunidades de emprego por limitações pessoais e familiares. Nas respostas de múltipla escolha, 50% dos executivos entrevistados mencionaram que rejeitam ofertas de emprego na região Sul por acharem que vão perder exposição ao se afastarem de centros como Rio de Janeiro e São Paulo. Fatos que aumentam ainda mais a necessidade de que as companhias tornem-se atrativas para os candidatos. 

“No nosso caso, especificamente, esse processo torna a contratação, realmente, mais cara, porque precisamos oferecer um pacote de remuneração atrativo para trazer profissionais”, comenta a diretora de Recursos Humanos da Midea Carrier, Adriana Assis. 

Para a gerente-executiva da Michael Page, Patricia Tourinho, é importante salientar que muitos profissionais de fora têm a região Sul como possibilidade de trabalho. “Muitos têm interesse em vir para cá, porque avaliam que terão maior qualidade de vida e mais tempo livre. Temos uma cultura forte de eficiência no Sul e temos problemas como os de qualquer cidade grande, mas em um patamar ainda menor do que nos grandes centros.”

O gerente de RH da Dana, Disneu Santiago Junior, avalia que essa percepção sobre a região Sul já não é tão preponderante. “Tem muita gente fazendo o contrário: deixando o Estado”, comenta. Para quem fica, no entanto, a situação pode somar pontos positivos. 

Patrícia ressalta que, graças ao fato de as empresas melhorarem a atratividade para conquistar pessoal de fora, a remuneração e os benefícios também acabam sendo elevados localmente. Isso é fato incontestável, dimensiona Junior. “A diferença na remuneração entre quem é do Estado e quem vem de fora está diminuindo cada vez mais”, detalha.

Os gestores de RH entrevistados pelo JC destacam que as multinacionais em que atuam têm baixo “turnover”, o que demonstra a preocupação em consolidar modelos que garantam a manutenção da mão de obra na empresa. Ainda assim, eles mesmos, que vieram de fora do Rio Grande do Sul — o gerente de RH da Dana é paulista e a diretora de RH da Midea Carrier é paranaense — são prova de que a qualificação elevada faz diferença, mas não é tudo no currículo ideal das grandes empresas. O inglês fluente conta muitos pontos a favor.