Empresas usam Mundial para aumentar negócios no exterior

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O Brasil não quer ganhar apenas em campo. Na temporada de Copa do Mundo 2014, exportadores apostam que combinar futebol e atrativos dos produtos locais pode dar resultado, leia-se maior fluxo de comércio junto a clientes externos. A tática foi montada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) com cerca de 700 indústrias do País, sendo 146 delas com sede no Rio Grande do Sul. O Estado é a segunda maior seleção no Projeto Copa do Mundo da ApexBrasil. São Paulo lidera com 276 empresas. A agência aposta que a investida poderá gerar, nos 12 meses seguintes à competição, divisas em US$ 6 bilhões, o dobro do que teria sido obtido na Copa das Confederações com a mesma iniciativa.

O roteiro, que abriu na semana passada com a estreia do Brasil no Mundial, prevê que os cerca de 2,3 mil visitantes oriundos de 104 países (entre redes de varejo, traders e entidades setoriais) assistirão a jogos nas 12 cidades-sede e, nos intervalos, conhecerão plantas de produção. Entre as 700 indústrias exportadoras, cerca de 40% são de grande porte. A ordem é estreitar o relacionamento, e serão quase 850 agendas para isso em 18 estados. Na Copa das Confederações, em 2013, a ApexBrasil estimou que US$ 3 bilhões foram gerados a partir dessa política de hospitalidade. O gerente de 

marketing de relacionamento e coordenador do projeto comprador para o Mundial pela agência, Jacy Braga, explica que a agenda é montada junto com as empresas brasileiras.

Os visitantes desembarcam no Brasil dias antes do dia do jogo. Na primeira etapa da estadia, eles viajam até a sede da indústria e podem conhecer processos e detalhes de produtos, além de interagir com fornecedores e entidades setoriais. A fase esportiva é o segundo momento, que inclui em cinco cidades-sede (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Belo Horizonte) uma recepção três horas antes do jogo em camarote das arenas. “Este projeto segue a experiência de marketing de evento, quando se mistura emoção com relacionamento”, define o coordenador do projeto.  Os ingressos e hospedagem são custeados pela ApexBrasil, e as demais despesas – passagens, deslocamentos e demais custos no roteiro até as fábricas são pagos pela exportadora local. Braga diz que o contrato de confidencialidade com a Fifa impede de revelar o valor da aquisição dos ingressos.

A gaúcha Saccaro, do ramo moveleiro e com produtos de alto padrão e design, não entrou na seleção para a Copa das Confederações, mas conseguiu ser escalada para o Mundial. O gerente de exportação da empresa, Gustavo Scola, ainda teve a sorte de conseguir ingressos para a final no Maracanã. Virão três clientes, sendo um lojista e um escritório de arquitetura do México e um varejista do Panamá. “Os convidados ficaram entusiasmados. Conseguimos a final depois de uma desistência”, conta Scola. O gerente notou que até o tratamento e receptividade dos três convidados mudaram desde que houve confirmação da vinda. “Só vivenciando isso para saber o que ajuda a estreitar os laços, não só de imediato como para o longo prazo”, aposta Scola.   

A moveleira, que tem 27 lojas franqueadas no País e quatro no exterior, já havia experimentado o efeito da ação da ApexBrasil em duas edições do Carnaval no Rio de Janeiro, outro produto badalado lá fora. “O efeito foi surpreendente. Um dos clientes era do Congo e colhemos encomendas para condomínios residenciais fechados”, informou o executivo. Na Copa do Brasil, a estratégia se conecta com a meta de elevar de 20% para 30% anuais a fatia da receita externa da empresa em até cinco anos. “O foco está na América Latina e nos Estados Unidos”, detalha o gerente. 

A organização do projeto pela ApexBrasil é considerada um diferencial. Como o Brasil costuma ter fama de deixar tudo para a última hora — os preparativos para a Copa reforçaram muito dessa imagem —, o Projeto Comprador, braço de eventos para atrair importadores, costuma surpreender pela preparação e rigor nas agendas. “Tem a festa, que é o dia do jogo, mas há seriedade e organização em toda a programação”, valoriza o coordenador do Conselho de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Cezar Luiz Müller. 

‘Por que não mostrar o futebol, que é o que temos de bom?’, provoca Bilibio

O futebol é o produto mais conhecido do Brasil no exterior. Certo. E as exportações de itens manufaturados brasileiros experimentam refluxo. Mais certo ainda. Somente o fluxo industrial do Rio Grande do Sul caiu 6% de janeiro a abril. Não há melhor hora para reforçar a imagem e a abordagem a potenciais clientes, apontou o coordenador do conselho da Fiergs, Cezar Luiz Müller. Segundo o dirigente, a ação da ApexBrasil dá resultado.

“Temos de fazer esse tipo de ação quando as coisas não vão bem. Hoje, os produtos primários e minérios lideram e geram superávit”, adverte o dirigente. “Temos de mostrar que aqui tem indústria de ponta”, observou Müller. “Por que não mostrar o futebol, que é o que temos de bom?”, provoca o presidente do grupo Medabil, César Bilibio, que receberá 20 clientes estrangeiros. Os negócios externos respondem por 15% da receita bruta do grupo, que deve faturar um total de R$ 1,1 bilhão neste ano.

Como industrial, o coordenador do conselho da Fiergs participou de um dos projetos da ApexBrasil ligados a eventos. Foi na Fórmula Indi, nos Estados Unidos, e ele assegura que colheu nos meses seguintes encomendas de clientes convidados para a ação. Na Copa de 2014, os dois importadores que o dirigente traria acabaram desistindo, mas Müller acredita que o esforço de quem participará dará resultado.

“Com o evento da Copa do Mundo, podemos trazer os clientes para dentro de nossas empresas”, valoriza o dirigente industrial. Para Müller, ao conhecer a estrutura produtiva e os processos, os importadores podem elevar suas impressões a respeito dos itens feitos no Estado. O Rio Grande do Sul, cujas vendas externas significam cerca de 15% do PIB local, é um dos mais internacionalizados no País. “Muitos se surpreendem com as instalações, o que reforça que o Brasil precisa se vender melhor. Precisamos recuperar espaço”, preocupa-se o dirigente.

Bilibio aposta que a iniciativa compõe o pacote de atitudes para elevar o êxito externo. A empresa, que fabrica instalações metálicas, selecionou visitantes oriundos principalmente da América Latina, maior base de importadores no fluxo atual, e a africana Nigéria, cuja seleção jogará em Porto Alegre. “Essa ação vira um agrado. Nunca faz mal trazer alguém lá de fora para conhecer nossas instalações, mas claro que isoladamente não dá resultado”, previne o empresário. Na hora de montar o time de importadores, a Medabil buscou clientes que já têm peso na relação com o grupo e focou em ingressos para jogos na capital gaúcha e em São Paulo. “A ordem é estreitar relação”, resumiu o empresário.