Mercosul ignora vendas com moeda local, sem dólar

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Um ano e meio depois de ser lançado pelos governos do Brasil e da Argentina, o sistema que permite operações comerciais entre os dois países sem a utilização do dólar enfrenta um momento de estagnação. Além da baixa adesão por parte de exportadores e importadores, a iniciativa só tem funcionado em uma das pontas do comércio entre os dois países. De acordo com o Banco Central, 99% das operações realizadas até agora são de exportações do Brasil para a Argentina. No sentido contrário, praticamente não há negócios.
O Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), que começou a vigorar em outubro de 2008, permite a importadores e exportadores brasileiros e argentinos realizar pagamentos e recebimentos em suas respectivas moedas por meio de uma instituição bancária.
A expectativa do governo brasileiro era que entre 10% e 20% das operações de comércio entre os dois países pudessem ser feitas em moeda local por meio do SML. No primeiro ano de funcionamento, o sistema alcançou participação de 3% no segmento e, desde setembro passado, esse percentual se estagnou.
Para especialistas do setor, essa situação não deve mudar no curto prazo. Entre os entraves apontados, está a taxa utilizada pelos bancos para fazer a conversão do real para o peso. Entre as montadoras, líderes da balança comercial entre os dois países, por exemplo, não foi registrado nenhum negócio sem o uso do dólar.
A maioria dos exportadores prefere fazer negócios em dólar porque umas das principais fontes de financiamento do setor, o ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) exige um contrato de câmbio. Além disso, o SML não se aplica a operações com prazo de pagamento acima de um ano. O SML também tira do exportador a opção de manter seus dólares depositados fora do País para fazer pagamentos externos de matéria-prima ou empréstimo, por exemplo. As empresas também perdem a possibilidade de trazer esse dinheiro para o País no momento em que julguem mais vantajoso fazer a conversão, o que pode acrescentar receitas cambiais aos seus negócios. "São restrições que excluem as grandes empresas. Com isso, esse mercado fica restrito aos pequenos e médios exportadores", diz o vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro.
Uma das vantagens do comércio em moeda local, em tese, é a redução de custos com a conversão de moedas e com a dispensa do contrato de câmbio, algo estimado em 4% do total. Como não há uma relação direta entre o real e o peso, no entanto, as cotações são calculadas com base na paridade de cada moeda com o dólar, e os bancos que fazem essas operações embutem os custos e riscos cambiais nessa taxa. "No final, o exportador acaba recebendo menos do que se utilizasse o dólar", diz o diretor-executivo da corretora NGO, Sidnei Nehme.
Outro obstáculo ao sistema, diz o consultor Angelo Luiz Lunardi, da associação Aduaneiras, é a falta de confiança no peso argentino. Segundo Lunardi, o risco da operação está sempre relacionado à moeda do exportador. "O importador no Brasil, quando vai comprar pelo SML, vai correr o risco dessa moeda (o peso). É mais confortável correr o risco entre o dólar e o real", afirma.

Plano deve ser ampliado para outros parceiros comerciais do Brasil

Apesar do fraco desempenho do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) registrado até agora, os planos ainda são de ampliar a ferramenta para outros parceiros comerciais do Brasil. Além de reduzir a dependência em relação ao dólar, essa iniciativa pode ser um primeiro passo para que, no futuro, seja criada uma moeda única para o Mercosul.
No ano passado, foi aprovada a utilização desse sistema para que todos os países do bloco econômico pudessem fazer transações de qualquer natureza, inclusive financeiras. A implantação disso depende, contudo, de acordos bilaterais. Neste ano, espera-se que saia do papel o SML com o Uruguai. Além disso, o Brasil quer ampliar as transações com a Argentina para incluir também operações como pagamento de aposentadorias.
Apesar desses acordos, Brasil e Argentina vivem hoje um momento ruim no comércio exterior. Em 2009, a Argentina intensificou suas barreiras à importação de produtos brasileiros, uma forma de proteger a indústria local devido aos problemas causados pela crise econômica global.
Com isso, as vendas para esse mercado chegaram a cair quase 50%. Em julho, o Brasil registrou deficit nesse comércio pela primeira vez desde 2003. A participação argentina nas vendas do Brasil caiu para menos de 10%.
Com o propósito de melhorar essa relação, os dois países deram início em novembro do ano passado ao processo de "integração produtiva". Já foram selecionados oito setores, que respondem por grande parte desses negócios: petróleo e gás, autopeças, aeronáutica, eletrodomésticos, vinhos, lácteos, maquinário agrícola, madeira e móveis.