Maior apagão cortou energia de 18 estados brasileiros

Por

O apagão ocorrido na noite de terça-feira a partir das 22h13min no Brasil e no Paraguai atingiu 18 estados brasileiros e quase todo o país vizinho. O relatório de segurança operacional do Operador Nacional do Sistema (ONS) indica que foram afetados 18 estados com o blecaute ocorrido no mesmo dia. São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo foram impactados na totalidade e, parcialmente, os estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Acre, Rondônia, Bahia, Sergipe, Paraíba, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A queda de energia no País foi de 40%.

A maioria dos especialistas apontou como causa do blecaute um problema na transmissão de energia proveniente da hidrelétrica Itaipu, no Paraná, que tem capacidade para gerar até 14 mil MW - o equivalente a 20% do mercado de energia brasileiro. Em entrevista coletiva, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que os técnicos concluíram que descargas elétricas (raios), ventos e chuvas na região de Itaberá (SP) causaram um curto circuito nas linhas de transmissão de Itaipu, interrompendo o abastecimento de energia. "O próprio Instituto Nacional de Meteorologia nos informou que houve uma concentração muito grande desses fenômenos naquela região", disse o ministro.

Segundo o relatório do ONS, às 22h13min de terça-feira ocorreu uma perturbação geral no Sistema Interligado Nacional (SIN), envolvendo diretamente a região Sudeste e Centro-Oeste, desencadeando desligamentos automáticos. O ONS informa ainda que, primeiro, foi desligada a linha de transmissão de Foz do Iguaçu (PR) até Tijuco Preto (SP). Outras usinas hidrelétricas de São Paulo, com capacidade de 5,6 mil MW foram interrompidas. A geração de Angra I e Angra II também cessou na sequência. A interrupção total foi de aproximadamente 28,8 mil MW de carga.

Para mitigar os efeitos dessa perturbação, os sistemas de proteção atuaram de forma a minimizar a extensão do evento - evitando que outras regiões do Brasil fossem afetadas, acrescenta a nota do ONS. De acordo com o operador, o processo de recomposição da carga foi iniciado imediatamente e, de forma paulatina e coordenada, todas as áreas do Sistema Interligado Nacional foram sendo recompostas.

O presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, disse ontem que o total de cinco linhas de transmissão que trazem energia da hidrelétrica de Itaipu para São Paulo se desligaram na noite de terça-feira, causando o blecaute em vários estados. Muniz, assim, confirmou versão dada mais cedo pelo presidente de Itaipu, Jorge Samek. O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, havia dito, no entanto, que eram apenas três linhas.

Muniz explicou que foram interrompidas três linhas de corrente alternada e duas de corrente contínua. As linhas de corrente alternada funcionam como um metrô, que para em várias estações. Já as linhas de corrente contínua funcionam como um trem expresso, que vai de um ponto a outro, sem paradas.

As linhas de corrente alternada que apresentaram problemas ontem foram duas que vão de Ivaiporã (PR) a Itaberá (SP) e uma terceira que vai de Itaberá a Tijuco Preto (SP). Segundo Muniz, as duas de corrente contínua saem direto de Itaipu até Tijuco Preto.

O presidente da Eletrobrás explicou que o sistema é planejado para que problemas pontuais como o de terça-feira sejam isolados. Assim, disse ele, o normal seria não haver queda nas linhas de corrente contínua. As cinco linhas pertencem a Furnas, que é uma das estatais controladas pela Eletrobrás.

Ele ainda esclareceu que não houve nenhum dano físico às linhas. Ou seja, não houve rompimento de cabo ou queda de torre. O que ocorreu, segundo ele, foi um desligamento causado por algum problema atmosférico, que pode ser vento ou mesmo uma descarga elétrica.

Queda no fornecimento ocorreu mesmo com sobra energética

Diferentemente do racionamento de 2001, quando o País teve de economizar energia para evitar apagões, o Brasil passa hoje por um momento de sobreoferta de energia por conta das fortes chuvas que caíram durante o inverno e da queda no consumo provocada pela crise financeira. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste, principal pulmão do setor elétrico, estavam com 68,8% de sua capacidade armazenamento na terça-feira.

O volume é 18,2 pontos percentuais superior ao verificado no dia 10 de novembro de 2008, o que significa que o estoque de energia no sistema é hoje 34,8 mil MW médios maior do que o daquele dia. O volume armazenado nas usinas do Sudeste/Centro Oeste na terça-feira era de 44,1pontos percentuais acima do nível mínimo de segurança estabelecido para esta época do ano. Para especialistas, o cenário indica que não há riscos de suprimento pelo menos pelos próximos dois anos.

No início de agosto de 2001, já após o início do racionamento, as hidrelétricas das regiões Sudeste/Centro Oeste estavam com 26,7% de sua capacidade de armazenamento de energia. Naquela época, o Brasil sofria com a falta de chuvas do ano anterior, além de anos de baixo investimento em hidrelétricas. Em 2009, por outro lado, as chuvas estão bem superiores à média: em novembro, por exemplo, o volume de água que chegou aos reservatórios foi equivalente a 119% da média dos últimos 70 anos.

Além disso, a Petrobras está finalizando seu Plano de Antecipação da Oferta de Gás Natural (Plangás), que visa a garantir combustível para a geração térmica no País. Atualmente, com o baixo consumo, a empresa reduziu importações da Bolívia, mantém poços no Brasil fechados e queima gás em plataformas que produzem petróleo. Segundo cálculo da consultoria Gas Energy, o Brasil terá um excedente de oferta de gás em torno de 20 milhões de metros cúbicos por dia nos próximos três anos.

Tal cenário indica que, mantido o ritmo atual de chuvas, além de não demandar térmicas, o ONS terá de administrar o fluxo de águas pelas hidrelétricas para evitar inundações ao final do período de chuvas, que começa agora em novembro e termina por volta de abril do próximo ano.

MPF vai investigar causas do blecaute

O Ministério Público Federal abriu ontem uma investigação para apurar as causas e os responsáveis pelo apagão. Integrantes do Grupo de Trabalho Energia e Combustíveis da Procuradoria Geral da República encaminharam ofícios ao Ministério de Minas e Energia, à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e à Diretoria Jurídica da Usina Itaipu Binacional pedindo explicações.

De acordo com nota divulgada pela Procuradoria, esses órgãos terão de enviar em 72 horas toda a documentação produzida e recebida sobre o apagão. O Ministério Público também requisitou atas de reuniões, notas técnicas e laudos preliminares produzidos desde o início do blecaute. A intenção do Ministério Público é obter em 15 dias uma manifestação analítica sobre o fato, com a indicação de medidas para evitar que eventos desse tipo se repitam. As informações também servirão de base para o trabalho em todos os estados.

Rio Grande do Sul registrou somente oscilações de tensão

Jefferson Klein

O problema ocorrido na transmissão da energia proveniente da hidrelétrica Itaipu, que gerou um blecaute em vários estados, teve um reflexo mais brando no Rio Grande do Sul. O coordenador da assessoria técnica da Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra), Edmundo Fernandes da Silva, explica que o evento ocasionou a oscilação da tensão e, por consequência, o desligamento de algumas subestações e linhas de transmissão. Como o Estado encontra-se na ponta do sistema elétrico brasileiro, o impacto foi menor.

"É como se fosse uma onda, que começa forte e perde a intensidade ao chegar à beira da praia", ilustra o assessor da Seinfra. No Estado, houve rápidos cortes de energia nos municípios de Sapucaia do Sul e São Leopoldo. Alguns consumidores de Porto Alegre também puderam perceber uma oscilação na luz de lâmpadas e em eletrodomésticos. Contudo, não houve interrupção do fornecimento de energia.

Silva argumenta que é comum um sistema complexo como o elétrico apresentar eventuais problemas. "Mas o que surpreende é a intensidade do acontecido", salienta ele. O especialista aponta que o Rio Grande do Sul não sofreu tanto o reflexo da falta da energia de Itaipu, pois outras usinas, como a de Itá e de Machadinho, forneceram a energia necessária. A termelétrica de Candiota também operou na noite de terça-feira. No entanto, o complexo sofreu prejuízos com a variação da tensão.

Segundo a assessoria de imprensa da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), a máquina 1 da Fase A da usina, de 63 MW de capacidade, desligou-se às 22h12min e retomou a operação por volta das 2h30min. Já a máquina 2, com a mesma capacidade de geração, foi interrompida às 22h14min e voltou à atividade às 22h42min.

Outro ponto que amenizou o impacto no Rio Grande do Sul é o fato de que o Estado gera mais energia do que consome em seu território durante a noite. Neste período, cai o uso da energia por parte das indústrias e dos clientes residenciais. Silva calcula que a demanda média gaúcha, à noite, esteja por volta de 2,6 mil MW a 2,7 mil MW, enquanto a capacidade de geração das usinas da região estão em cerca de 3 mil MW. Se o incidente com Itaipu tivesse ocorrido de dia, poderia ser mais grave. Neste período, a demanda do Rio Grande Sul fica em torno de 3,6 mil MW e, em ocasiões de muito calor, quando se intensifica a utilização de ar-condicionados, chega a passar do patamar de 5 mil MW, exigindo a "importação" de energia de outros estados. Silva lembra que Itaipu fornece ao Estado, normalmente, em torno de 700 MW. Ou seja, o Rio Grande do Sul adquire apenas 5% da capacidade de geração de energia da hidrelétrica.

O diretor de operação da Eletrosul, Antonio Vituri, acrescenta que equipamentos de proteção, como relés, possibilitaram isolar o fenômeno nacional. Isso fez, segundo Vituri, que o sistema elétrico do Sul do País (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) não sofresse tanto com a queda de energia.

Desligamento de linha provocou corte nas cidades de Sapucaia do Sul e São Leopoldo

A oscilação da tensão chegou à subestação de energia de Gravataí (uma das mais importantes do Estado), provocando o desligamento da linha de transmissão que vai da unidade até a subestação de Sapucaia do Sul, confirma o diretor de operação da Eletrosul, Antonio Vituri. Essa situação provocou o corte de luz de consumidores de Sapucaia do Sul e de São Leopoldo. "Quando acontecem eventos dessa magnitude, ocorre o efeito dominó", comenta Vituri. O coordenador da assessoria técnica da Seinfra, Edmundo Fernandes da Silva, detalha que caso as linhas não sejam "desarmadas", devido a uma grande oscilação de tensão, pode ocorrer a queima de aparelhos eletrodomésticos e da iluminação pública.

A assessoria de imprensa da AES Sul (distribuidora que atende São Leopoldo e Sapucaia do Sul) informa que cerca de 24 mil clientes (em torno de 80 mil pessoas) ficaram sem luz nessas cidades. A situação durou pouco tempo, das 22h13min até as 22h19min. A concessionária ainda não tem detalhes da causa do problema, mas foi constatado o desligamento da subestação de energia de Sapucaia do Sul que atende a esses consumidores. Esse complexo recebe energia da linha de transmissão ligada à subestação de Gravataí.

Em outros locais não se verificaram maiores transtornos. Conforme a assessoria de comunicação da Rio Grande Energia (RGE), a perturbação no sistema interligado nacional não provocou interrupção de fornecimento de energia elétrica para os consumidores da área de concessão da empresa, sendo a mesma percebida apenas como uma oscilação nos níveis de tensão. O mesmo indicou o Grupo CEEE.

O diretor de transmissão do Grupo CEEE, José Francisco Pereira Braga, ressalta que a região Sudeste é muito mais dependente da energia de Itaipu do que a região Sul. "Nos mais de 30 anos que atuo no setor elétrico, nunca vi um caso com essa repercussão", avalia Braga. (JK)

Telefonia, transporte e água também foram afetados

O apagão de terça-feira teve reflexo também em outros serviços. As redes de telefonia celular, por exemplo, acabaram sendo afetadas pela queda de energia elétrica. Muita gente teve dificuldade para fazer chamadas de seus celulares ou para passar mensagens de texto. Em alguns locais, os celulares ficaram completamente sem sinal.

Em situações de falta de energia elétrica, cada uma das estações radiobase, formadas pela antena e equipamentos de rede, passam a funcionar com gerador de energia. No caso de um apagão em larga escala, no entanto, algumas estações podem acabar saindo do ar por problemas no gerador.

O abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo também foi afetado. Por volta das 11h da manhã de ontem, o problema atingia 6,7 milhões de consumidores, segundo informações da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). De acordo com a empresa, a falta de energia provocou o desligamento de todas as estações de tratamento e estações elevatórias da companhia. No Rio de Janeiro, o abastecimento não havia sido restabelecido ontem à noite.

O interrompeu também a circulação de trens e de metrô, o que afetou milhares de pessoas, suspensão de voos, dispensa de alunos, confusão no trânsito, devido ao não funcionamento dos semáforos, e peças de teatro e shows interrompidos antes do final. Em alguns estabelecimentos, como bares, os consumidores chegaram a sair sem pagar, já que as máquinas de cartão não funcionavam. Em algumas cidades, como no Rio de Janeiro, houve reforço no policiamento.

Diversificação na geração pode reduzir riscos de apagão

Uma sugestão do coordenador da assessoria técnica da Seinfra, Edmundo Fernandes da Silva, para diminuir a probabilidade da repetição de incidentes como esse que afetou o sistema elétrico é investir na chamada geração distribuída (evitar a concentração em apenas um local da produção de energia) e na diversificação de fontes. "Quanto mais acrescentarmos usinas eólicas, a carvão, biomassa (queima de matéria orgânica), pequenas centrais hidrelétricas e outras, melhor", defende Silva.

O presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, concorda que uma geração de energia melhor distribuída aumentaria a segurança do sistema elétrico. "O blecaute, pelo menos, serviu para ressaltar para a sociedade a importância da energia nas nossas vidas", aponta o dirigente. Zancan, que estava participando de um seminário sobre carvão em Bruxelas, ressalta que o apagão no Brasil teve repercussão internacional.

Uma das preocupações do presidente da ABCM é quanto aos leilões de energia que serão promovidos em dezembro pelo governo federal. Zancan enfatiza que é fundamental que os projetos tenham condições competitivas (preço e exigências ambientais adequados) para saírem do papel. Isso poderá impedir que, no futuro, também ocorra um problema na área de geração. (JK)