Homenagem a Siron Franco nas paredes do Farol Santander

Mostra que inicia nesta quarta-feira (16) resgata 50 anos da trajetória de mais de seis décadas de pintura do artista goiano

Por Adriana Lampert

Exposição Armadilha para Capturar Sonhos traz cinco décadas de produção do artista goiano, parte dela nunca vista pelo público
Farol Santander Porto Alegre - em parceria com o Ministério da Cultura - promove, a partir desta quarta-feira (16) exposição inédita e com caráter histórico de cinco das seis décadas de produção de Siron Franco. Com telas cedidas pelo colecionador de arte Justo Werlang, a exposição Armadilha para Capturar Sonhos apresenta um conjunto de 63 pinturas em grandes formatos produzidas entre 1973 e 2023 pelo artista goiano, considerado um dos mais importantes do País e reconhecido internacionalmente. A curadoria é do historiador de arte Gabriel Pérez-Barreiro. 
A visitação da mostra segue até o dia 23 de outubro, de terça à sábado, das 10h às 19h; e aos domingos e feriados, das 11h às 18h na sede do Farol Santander (Sete de Setembro, 1028). Os ingressos estão à venda pelo site da entidade e custam R$ 17,00 (inteiro) e R$ 8,50 (meia-entrada). Agendamentos para grupos e escolas devem ser feitos pela plataforma Sympla. Além das obras, a exposição conta com vídeos, documentário (Siron. Tempo Sobre Tela/ dirigido por André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos) e textos sobre o processo de produção do artista. Marca, ainda, o lançamento do livro Siron Franco (Editora Cosac Naify), que reúne informações sobre as obras presentes na coleção de Werlang, incluindo objetos, esculturas e pinturas, além de entrevistas e textos inéditos de Pérez-Barreiro, Cauê Alves e Angel Calvo Ulloa. 
"É uma alegria ver essas obras todas juntas, reunidas em uma mesma mostra. Nesta seleção, há um pouco da história recente do Brasil", afirma Franco. Pintor, desenhista e escultor nascido em Goiás, no ano de 1947, ele começou a trabalhar com arte aos 12 anos de idade e valoriza quem investe em acervo pessoal, para além de apreciar obras em museus. "Um artista que não tem colecionador está fadado a desaparecer", opina. "Eu tive a sorte de ter vários colecionadores e isso é fundamental, porque cada um deles retira do meu repertório um outro ponto de vista. O Justo, por exemplo, tem 150 quadros meus. Então, esta mostra é uma outra forma de enxergar minha produção durante cinco décadas."
Composta por sete núcleos expositivos que agrupam as telas a partir dos temas Cosmos, Segredos, Mitos, Homem, Biomas, Violência e Césio, a exposição reúne obras enigmáticas, como Argonauta (de 1973) e outras nunca vistas pelo público, como A Grande Rede, pintura realizada em 2023. "A mostra encanta por nos fazer navegar pelos vários mundos que o artista transita, tanto na figuração quanto na abstração, mas sempre com o propósito de chamar a atenção para temas importantes para refletirmos", afirma a vice-presidente executiva institucional do Santander Brasil, Maitê Leite.

Considerada surrealista por alguns, a linguagem visual de Siron oscila entre a figuração (em que as imagens são apresentadas com clareza) e as abstrações (em que a pintura não representa objetos do mundo, mas cria uma impressão geral e uma energia). Suas pinturas são frequentemente constituídas de muitas camadas que se sobrepõem, escondidas pela camada mais superficial e visível aos olhos do espectador. Há telas feitas com pintura à óleo, mas também com materiais como areia, arame farpado, chumbo, entre outros elementos.
"Desde a década de 1970, o trabalho de Siron tem abordado de forma sistemática quase todas as questões que são dominantes na arte brasileira e internacional dos dias de hoje: catástrofe ambiental, discriminação, violência, injustiça, corrupção, raça, gênero, classe e assim por diante", destaca Pérez-Barreiro. "Ao mesmo tempo, seu trabalho teimosamente não é sobre essas questões. Siron é um artista que constantemente confunde as expectativas", emenda. "Na minha opinião, ele é o maior pintor brasileiro do século XX."
"Eu trabalho por um impulso", afirma Franco, ao explicar que não chega a pensar na temática dos trabalhos que produz. "Quando vejo, estou criando essas séries, a exemplo da Fábulas de Horror (13 telas sobre a repressão imposta pela ditadura militar, que não estão expostas na mostra do Farol Santander), pela qual ganhei a Bienal Internacional de São Paulo em 1975 e que produzi por conta de uma notícia que escutei no rádio. Isso é bem normal: às vezes uma frase me impulsiona a criar toda uma série." Outra característica do pintor, segundo o curador da mostra, é que ele "não se acomoda com a receptividade de sua obra". "Quando ele percebe que o que está criando não gera mais estranhamento, ele muda tudo. Ele nunca cedeu a modismos e raramente se repetiu, sem facilitar a identificação de suas obras - esse aspecto também lhe dá um caráter sempre contemporâneo." 


Entre outros temas políticos explorados por Franco, a série que revela um olhar para o acidente radioativo envolvendo Césio-137, ocorrido em Goiânia em 1987, alerta para suas consequências sociais e ambientais. Nela, muitas obras foram feitas com terra de Goiânia, coberta por tinta prateada (em referência ao material radioativo) e chumbo. "As pessoas estavam paranoicas e não queriam comprar nenhum produto da cidade, então resolvi usar a terra para mostrar que, apesar de sério, o problema não deveria ser ampliado daquela forma...no fim, ninguém apareceu na inauguração, com medo da terra estar contaminada - o que, obviamente, não procedia", recorda o artista.
Franco também questiona as relações humanas, a destruição da natureza e os maus tratos aos animais. Na tela Datas, da série O Curral, ele mistura um pouco destes temas, ao retratar um boi com desenhos de cortes de carne com datas de guerras e fases históricas densas, como a instauração da ditadura militar no Brasil e o decreto do AI-5. Segundo o autor, a tela ainda representa a situação opressora a que os brasileiros foram submetidos a partir de 1964. "O curral é um lugar opressor, e foi isso o que fizeram com a gente na época da ditadura. Quem saísse do 'curral' era preso, torturado."
As brigas de fronteiras, e outras violências, os dogmas religiosos versus a espiritualidade, e a imensidão do Universo também são temáticas encontradas na exposição de parte da coleção de Werlang um dos responsáveis pela criação da Bienal do Mercosul e colecionador de outros grandes artistas, como Iberê Camargo e Xico Stockinger. "Siron Franco fala de questões brasileiras, questões sociais, políticas, mas também da natureza, do planeta. Nesta mostra, demos enfoque para a expressão artística dele, e não tanto a expressão de protesto, que é também uma outra face dele", detalha o colecionador. "É através desta linguagem artística, que o público poderá rever fatos históricos do Brasil reunidos nesta mostra."