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Maria Bethânia interpreta repertório amplo e consagrado em espetáculo intenso no Araújo Vianna
Maiores sucessos, declamações literárias e homenagem a Gal Costa marcaram apresentação da cantora baiana em Porto Alegre
A cantora Maria Bethânia encerrou a sua passagem por Porto Alegre na sexta-feira (4) com uma apresentação poderosa no palco do Auditório Araújo Vianna. O que era para ser apenas uma data se tornou duas após os ingressos esgotarem em horas, o que aumentou as expectativas do público para ver a artista baiana de volta ao Rio Grande do Sul pela primeira vez desde 2019.
De pés descalços e esvoaçante dos cabelos à barra da pantalona, Bethânia foi recebida por uma salva longa e intensa de aplausos pela plateia que se pôs de pé no primeiro vislumbre dela no palco. O auditório lotado ainda voltava aos lugares quando ela começou o espetáculo com a canção Gema, escrita pelo seu irmão Caetano Veloso.
Antes de prosseguir com O Índio, também de Caetano, junto a Salve as folhas, adaptação musical do poema de Mário de Andrade, ela se antecipou em reconhecer um sentimento coletivo no público presente. “Tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são cinco. Peço aos senhores um aplauso comovido para a voz imortal de Gal”, disse, e foi atendida de imediato. Ao fundo do palco, uma fotografia das duas, sorrindo abraçadas, era projetada no telão.
Permitir esse momento nos primeiros minutos mostrou uma sensibilidade específica e íntima de Bethânia, que também dirige e roteiriza o espetáculo, para conduzir a casa em um enaltecimento de Gal Costa. O dia 9 de novembro de 2022 causou uma perplexidade nacional que ainda persiste nove meses depois, e poder celebrar Gal na presença de outra figura fundamental da música popular brasileira - especialmente Maria Bethânia - dá ao público uma chance de transcender e expressar a gratidão à memória e ao legado eterno dela.
De pés descalços e esvoaçante dos cabelos à barra da pantalona, Bethânia foi recebida por uma salva longa e intensa de aplausos pela plateia que se pôs de pé no primeiro vislumbre dela no palco. O auditório lotado ainda voltava aos lugares quando ela começou o espetáculo com a canção Gema, escrita pelo seu irmão Caetano Veloso.
Antes de prosseguir com O Índio, também de Caetano, junto a Salve as folhas, adaptação musical do poema de Mário de Andrade, ela se antecipou em reconhecer um sentimento coletivo no público presente. “Tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são cinco. Peço aos senhores um aplauso comovido para a voz imortal de Gal”, disse, e foi atendida de imediato. Ao fundo do palco, uma fotografia das duas, sorrindo abraçadas, era projetada no telão.
Permitir esse momento nos primeiros minutos mostrou uma sensibilidade específica e íntima de Bethânia, que também dirige e roteiriza o espetáculo, para conduzir a casa em um enaltecimento de Gal Costa. O dia 9 de novembro de 2022 causou uma perplexidade nacional que ainda persiste nove meses depois, e poder celebrar Gal na presença de outra figura fundamental da música popular brasileira - especialmente Maria Bethânia - dá ao público uma chance de transcender e expressar a gratidão à memória e ao legado eterno dela.
Em tom de emoção, a noite seguiu com duas canções de Gonzaguinha consagradas na voz de Bethânia, Sangrando e Explode coração. Com um engajamento dedicado, formalíssimo e por vezes cortante como o vento com seus arredores, a cantora de Santo Amaro deixa evidente desde os primeiros versos que sua voz, instrumento afiadíssimo, continua inabalável após quase seis décadas de carreira. Em algumas vezes indo a seu próprio tempo valorizando a dramaticidade das letras a ponto de interferir nas melodias, como é característico para intérpretes que convergem música e teatro, ela tomou liberdades com Explode coração e saiu do tom próximo ao fim para retornar no momento derradeiro - um retorno magnífico. Isso é apenas um dos detalhes que mostram uma Maria Bethânia em invencível domínio do que faz e de como faz.
Acompanhando a voz, uma banda excepcional. O destaque é a genialidade de Lan Lanh, que fez jus às palmas que recebeu enquanto seu nome era projetado no telão e ela ainda se posicionava no canto do palco. Engajando com o público com bastante energia e liderando momentos instrumentais com os colegas, Lela mostrou a excelência do seu trabalho que a coloca como uma das melhores percussionistas da música brasileira. Também acompanhavam Marcelo Costa na percussão, João Camarero no violão de 7 cordas, Romulo Gomes no contrabaixo, Paulo Dafilin com violão, viola e guitarra e Marcelo Calder com regência, piano e acordeão.
O show seguiu com músicas como Gostoso Demais, Galos, Noites e Quintais, Fera Ferida e Vai Ficar na Saudade, interseccionadas por textos declamados. A noite teve uma outra homenagem a uma referência musical agora saudosa, o também imortal Erasmo Carlos, com Vem Quente Que Eu Estou Fervendo. Feita na Bahia e Mulheres do Brasil fecharam a primeira metade do show.
Acompanhando a voz, uma banda excepcional. O destaque é a genialidade de Lan Lanh, que fez jus às palmas que recebeu enquanto seu nome era projetado no telão e ela ainda se posicionava no canto do palco. Engajando com o público com bastante energia e liderando momentos instrumentais com os colegas, Lela mostrou a excelência do seu trabalho que a coloca como uma das melhores percussionistas da música brasileira. Também acompanhavam Marcelo Costa na percussão, João Camarero no violão de 7 cordas, Romulo Gomes no contrabaixo, Paulo Dafilin com violão, viola e guitarra e Marcelo Calder com regência, piano e acordeão.
O show seguiu com músicas como Gostoso Demais, Galos, Noites e Quintais, Fera Ferida e Vai Ficar na Saudade, interseccionadas por textos declamados. A noite teve uma outra homenagem a uma referência musical agora saudosa, o também imortal Erasmo Carlos, com Vem Quente Que Eu Estou Fervendo. Feita na Bahia e Mulheres do Brasil fecharam a primeira metade do show.
A segunda parte começou com Yáyá Massemba, do álbum Brasileirinho (2003), que foi reiniciada após um problema técnico na banda que causou uma breve tensão no ambiente, e concluída com sucesso. A seguir, vieram as interpretações de Cálice, de Chico Buarque, e Amor de índio, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, junto a um dos pontos altos da noite com Balada de Gisberta, do português Pedro Abrunhosa. O público também cantou junto e com vontade as clássicas Negue e Volta por Cima, que integram o setlist da artista desde o lançamento dos LPs Álibi (1978) e Drama - Anjo Exterminado (1972).
Seguindo em uma incursão musical rumo à Bahia, ela cantou, dançou e movimentou o auditório com Purificar o Subaé, Quixabeira e, em uma referência à parceria com o amigo Zeca Pagodinho, De Santo Amaro a Xerém.
Se aproximando do fim do espetáculo, dois momentos de êxtase com Reconvexo, uma das músicas-assinatura da cantora, e Tá Escrito, clássico do grupo de pagode Revelação. Esta última mostra a precisão de sua curadoria como intérprete, ao identificar em uma letra moderna os elementos que combinam com seu repertório e cantar com naturalidade e perfeição. Mesmo não seguindo as mesmas tendências de experimentação sonora que outros artistas de sua geração fazem até hoje, Maria Bethânia, à sua maneira, continua sempre em movimento - pra frente.
No bis, ela agradeceu e reverenciou o público enquanto a banda ditava o ritmo carnavalesco com A-la-la-ô, uma adaptação de Chiquita Bacana e Chuva, Suor e Cerveja, fez um último aceno a Gonzaguinha com O que é, o que é? e deixou o palco ao som da despedida em alto nível da banda e da última salva de palmas.
Seguindo em uma incursão musical rumo à Bahia, ela cantou, dançou e movimentou o auditório com Purificar o Subaé, Quixabeira e, em uma referência à parceria com o amigo Zeca Pagodinho, De Santo Amaro a Xerém.
Se aproximando do fim do espetáculo, dois momentos de êxtase com Reconvexo, uma das músicas-assinatura da cantora, e Tá Escrito, clássico do grupo de pagode Revelação. Esta última mostra a precisão de sua curadoria como intérprete, ao identificar em uma letra moderna os elementos que combinam com seu repertório e cantar com naturalidade e perfeição. Mesmo não seguindo as mesmas tendências de experimentação sonora que outros artistas de sua geração fazem até hoje, Maria Bethânia, à sua maneira, continua sempre em movimento - pra frente.
No bis, ela agradeceu e reverenciou o público enquanto a banda ditava o ritmo carnavalesco com A-la-la-ô, uma adaptação de Chiquita Bacana e Chuva, Suor e Cerveja, fez um último aceno a Gonzaguinha com O que é, o que é? e deixou o palco ao som da despedida em alto nível da banda e da última salva de palmas.
Problema técnico evidenciou questões comportamentais e impactos na experiência coletiva
Um ponto turbulento no espetáculo ocorreu no início da segunda metade do show, causando um instante de confusão. Durante sua performance de Yayá Massemba, Maria Bethânia interrompeu a apresentação e repreendeu parte da banda por algo que a perturbava, mas que não estava claro ainda ao público. Em um primeiro momento, parecia que poderia ser dirigido a alguém da plateia.
Ao final do show, pediu desculpas em seu nome e em nome do músico, explicando que “o violão quebrou”. Para além de uma discussão sobre a possível dureza da cantora naquele momento, a incerteza sobre o que motivou a tensão, mesmo esclarecida posteriormente, deixou claro o nervosismo e instantes de animosidade na plateia ao longo de toda a apresentação.
Em um show teatral como o de Maria Bethânia, o excesso de luzes de telas e flashes de câmeras se torna uma distração muito grande e muito rápido. É compreensível o interesse em captar registros possivelmente únicos de uma noite como aquela, mas prejudica a todos quando isso acontece sem parar por quase 1 hora e 30 minutos de duração do show.
Mais comportamentos de parte do público pareciam causar constrangimento em outra parte, que reagia com expressões faciais e até verbais de desaprovação. Na saída, uma fã reclamava de pessoas que estavam sentadas à sua frente conversando e se levantando ao longo de todo o evento, ironizando que “cada um devia ter seu próprio planeta”, pois “o ser humano não nasceu pra viver em sociedade”. E, durante a interrupção da música, quando em meio à tensão algumas pessoas gritavam elogios à intérprete, outra fã pediu em voz alta: “Vamos ouvir ela, galera. Quero ouvir ela, paguei R$ 400,00 pra ouvir ela”.
Os gritos descontextualizados e anticlimáticos, além de perturbar quem busca se concentrar no que Maria Bethânia preparou com a banda, também não correspondem às expectativas da própria artista com seu público, o qual ela mesma disse venerar e respeitar. Chamá-la de “deusa” e “maravilhosa” aos berros durante pausas dramáticas não só interfere na progressão calculada e milimétrica do espetáculo planejado como é também algo redundante, afinal, para quem vai prestigiar uma intérprete como ela, estes elogios já são implícitos, ou ao menos reservados para começo, fim ou bis.
Nas várias ocasiões que o público cantou junto a ela, Bethânia sorriu e o guiou como se fosse uma maestrina, elevando sua interpretação junto às vozes. Assim, logo mostrou o caminho ideal, mais agradável e simpático com quem está sentado ao lado, para que todos os presentes pudessem aproveitar a noite juntos.
Em um show teatral como o de Maria Bethânia, o excesso de luzes de telas e flashes de câmeras se torna uma distração muito grande e muito rápido. É compreensível o interesse em captar registros possivelmente únicos de uma noite como aquela, mas prejudica a todos quando isso acontece sem parar por quase 1 hora e 30 minutos de duração do show.
Mais comportamentos de parte do público pareciam causar constrangimento em outra parte, que reagia com expressões faciais e até verbais de desaprovação. Na saída, uma fã reclamava de pessoas que estavam sentadas à sua frente conversando e se levantando ao longo de todo o evento, ironizando que “cada um devia ter seu próprio planeta”, pois “o ser humano não nasceu pra viver em sociedade”. E, durante a interrupção da música, quando em meio à tensão algumas pessoas gritavam elogios à intérprete, outra fã pediu em voz alta: “Vamos ouvir ela, galera. Quero ouvir ela, paguei R$ 400,00 pra ouvir ela”.
Os gritos descontextualizados e anticlimáticos, além de perturbar quem busca se concentrar no que Maria Bethânia preparou com a banda, também não correspondem às expectativas da própria artista com seu público, o qual ela mesma disse venerar e respeitar. Chamá-la de “deusa” e “maravilhosa” aos berros durante pausas dramáticas não só interfere na progressão calculada e milimétrica do espetáculo planejado como é também algo redundante, afinal, para quem vai prestigiar uma intérprete como ela, estes elogios já são implícitos, ou ao menos reservados para começo, fim ou bis.
Nas várias ocasiões que o público cantou junto a ela, Bethânia sorriu e o guiou como se fosse uma maestrina, elevando sua interpretação junto às vozes. Assim, logo mostrou o caminho ideal, mais agradável e simpático com quem está sentado ao lado, para que todos os presentes pudessem aproveitar a noite juntos.