Uma ópera só de mulheres

Suor Angelica, de Giacomo Puccini, conta a tragédia de uma mulher separada de seu filho e estreia neste domingo no Theatro São Pedro

Por Andressa Pufal Leonarczik

Montagem de Suor Angelica está em cartaz no Theatro São Pedro neste final de semana
Neste fim de semana, estreia em Porto Alegre a montagem da ópera Suor Angelica, do compositor italiano Giacomo Puccini. Inédita na Capital, a produção conta com uma equipe 100% feminina nos palcos e por trás dele. As apresentações ocorrem no Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/n), no sábado, às 20h, e no domingo, às 18h. Ingressos, a partir de R$ 15,00, podem ser adquiridos no site do teatro.
Promovida pela Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul (Cors) e com uma equipe de cerca de 30 mulheres, a montagem tem direção musical da pianista e soprano Eiko Senda, uma das co-fundadoras da Cors, e direção cênica de Camila Bauer. Suor Angelica, ou 'Irmã Angelica', em português, se passa na Toscana do século XVII e conta a tragédia de Angelica, que após ter um filho fora do casamento, foi abandonada pela família em um convento, para pagar pela desonra cometida com o nome da família. Angelica tem seu filho recolhido logo após o nascimento e nunca mais tem notícias dele. Até que um dia a notícia de sua morte chega até ela, que, então, toma veneno para dar fim à própria vida.
A ópera foi historicamente esquecida e ficou longe dos palcos por anos. Por se tratar de uma obra composta apenas com vozes solistas femininas, que narram suas histórias e opressões, se tornou uma montagem muito difícil de fazer e um enredo indesejado de se expor. Diante disso, resgatar essa história e trazê-la para os palcos do século XXI se torna extremamente importante no sentido de reunir mulheres para ocupar esses lugares, antes dominados majoritariamente pelo masculino.
"Dentro do elenco temos mães solo, mães divorciadas e isso traz a razão de estarmos produzindo essa ópera. Antigamente mães não podiam sair de casa, ter filhos fora do casamento era motivo de julgamento. As mulheres, até pouco tempo atrás precisavam ter permissão, para trabalhar", reflete a diretora musical Eiko Senda. "Então, de certa forma, estamos quebrando paradigmas antigos. Produzindo essa ópera aqui no Estado, estamos dizendo que as mulheres também têm voz para falar."
A história das freiras do século XVII infelizmente ainda é atual e conversa muito com a realidade vivida por muitas mulheres ao nosso redor. Há muitas Angelicas entre nós. A culpabilização da mulher vem de séculos e ainda resiste, e colocar essas mulheres em posição de narradoras de suas próprias histórias modifica o rumo da trajetória. "Trazer essa ópera é uma conscientização. Olhando o passado você pode escolher seu futuro", pondera Eiko.
Inicialmente criada para homenagear a irmã de Puccini, Suor Angelica, hoje, homenageia o universo feminino, que busca se estabelecer em lugares antes negados. A montagem cria um lugar de acolhimento e afeto entre as integrantes da produção, que quer transbordar para a plateia. "A gente vem lidando muito bem com essa noção de empatia entres as mulheres, tanto no coro quanto na ficha técnica, e queremos causar isso no público. Trazer esse questionamento pro hoje, sobre esse lugar de repressão", comenta Camila Bauer, diretora cênica do espetáculo.
Além da dificuldade de montar uma peça totalmente feminina, há um certo distanciamento do grande público com obras como esta. O canto erudito, historicamente, tem sido um espaço de classes mais altas: foi inicialmente construído justamente para abrigar a elite social, muito em virtude de seus altos preços de produção e de acesso. Quebrar com essa barreira é tarefa de quem quer que sua voz alcance a todos. "Nessa montagem a gente traz uma linguagem de encenação contemporânea, buscando essa aproximação com o público de hoje", comenta Camila. "Deixamos a obra num contexto atemporal e criamos uma linguagem visual contemporânea, entendendo também que a história se passa num contexto historicamente orientado, mas pode dialogar com qualquer espectador hoje em dia."
A ópera é cantada em italiano, tendo transcrição de legendas em português durante toda a apresentação. "É um trabalho muito difícil de fazer: cantamos por cinco, seis horas, temos que aprender várias línguas, ler partituras", enumera Eiko. "Então queremos mostrar que é difícil, mas que é muito digno. E esse trabalho está sendo maltratado muitas vezes, por esse mito: as pessoas tratam como coisa de elite, que não serve pra nada, que não se entende a linguagem… Para quebrar tudo isso, a Cia. de Ópera do Rio Grande do Sul está fazendo essa difusão."