Doação de órgãos, circo Mirage e Marcos Frota

Por Antonio Hohlfeldt

Voltei ao circo, no último dia 28 de agosto, por um motivo muito simples, mas importante: o ator Marcos Frota decidiu liderar a campanha de doação de órgãos que a Secretaria de Estado da Saúde, por iniciativa de sua titular, Arita Bergmann está iniciando e, assim, seu lançamento ocorreu no circo Mirage, que recebeu pacientes à espera ou já receptores de órgãos doados, além de equipes da Secretaria da Saúde de todo o Estado. O espetáculo seguiu, basicamente, o mesmo roteiro daquele a que havia assistido anteriormente, mas algumas novas atrações foram trazidas ao picadeiro, o que evidencia haver um repertório que permite alternar suas propostas conforme o público e a melhor ou menor disponibilidade de seus artistas.
Quem pesquisar a respeito da carreira de ator de Marcos Frota logo verá que ela se desenvolve sobretudo na televisão e no cinema. Embora as peças que interpretou tenham sido relativamente poucas, foram significativas, dramaticamente, e pelo menos a primeira delas, Feliz ano velho, baseada no livro de Marcelo Rubens Paiva, a respeito do jovem que se torna tetraplégico, foi aquela encenação que o revelou para o mundo cênico, do mesmo modo que a telenovela Cambalacho, de Sílvio de Abreu, em que viveu Henrique, um jovem universitário que tudo abandona para ser trapezista de circo, também decidiu outra etapa de sua vida. De personagem, Frota tornou-se, de fato, artista circense, trapezista, em especial, e a partir daí dedicou-se sobretudo a esta atividade, mantendo, inclusive, uma Universidade do Circo, para a formação de jovens artistas.
Mas por que seu envolvimento com uma campanha como a de doação de órgãos? Pois uma boa conversa com o ator e empresário nos ajuda a entender tudo isso. Não foi só em Feliz Ano Velho (1983, reencenada em 2000), que Frota viveu um personagem com dificuldades vitais. O tetraplégico da peça deu lugar, na telenovela Vereda tropical (1984), a um personagem gago; mais tarde, em Sexo dos anjos (1989), a Thomás, deficiente auditivo; em Mulheres de areia (1993), reprisada atualmente, interpreta Tonho, um autista; por fim, em América (2005), deu corpo a Jatobá, outro deficiente visual. Ou seja, o ator, de certo modo, especializou-se em personagens com tais características, embora não se tenha dedicado a tais interpretações exclusivamente.
Creio que se deve refletir um pouco a respeito desta aparente realidade tão contrastante: o profissional circense precisa do máximo de qualificação física para poder atuar. Isso vale para os trapezistas, claro, mas para ilusionistas, equilibristas, motociclistas do globo da morte ou participantes daqueles números de contorcionismo. Pois é uma troupe circense que se decide pelo apoio a uma campanha que visa resgatar pessoas que não apenas possuem eventuais deficiências físicas quanto, especialmente, a necessidade de órgãos vitais, como rim, coração, fígado etc.
Na tarde de lançamento, por isso mesmo, foi importante termos a presença e a fala de um receptor de coração, operado há três anos e que se encontra em excelente estado de saúde; e de uma receptora de rim, uma baiana que se incorporou à realidade do Rio Grande do Sul e hoje lidera este movimento. Valeu, também, o depoimento emocionado do médico Fernando Lucchese, à beira da aposentadoria depois de 50 anos de atividade, responsável por mais de 30 mil transplantes. Como ele disse, o médico faz a cirurgia, mas depende de um doador. A campanha pretende ampliar a relação de doadores, mas, sobretudo, pressionar o Senado Federal a aprovar o Projeto de Lei 3176, de 2019. A proposta, do falecido senador Major Olímpio, pressupõe que todo cidadão brasileiro seja doador desde o nascimento, e quem não se dispuser a isso deve registrar em cartório sua discordância. Esta legislação equipararia o Brasil a uns poucos países em que a doação é extraordinariamente valorizada, como Espanha, Portugal, Bélgica, Noruega, Croácia, Áustria, Holanda e República Checa.
Este o teor da campanha ora lançada, no picadeiro do circo Mirage, com a liderança do ator Marcos Frota. Se aprovada a lei, daríamos um salto de civilidade. Até lá, é importante a sensibilização das pessoas: afinal, quem de nós, um dia, não precisará de um doador?