Espetáculo policial bem construído

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Em nome do jogo, original do britânico Anthony Shaffer, é uma dessas raras ocasiões de se assistir a uma peça com enredo policial. No caso, um escritor bem sucedido de romances policiais atrai à sua casa o amante da esposa, um dono de loja de origem italiana, portanto imigrado, relativamente mal-sucedido nos negócios, antípoda, portanto, do principal personagem. No primeiro momento do enredo, o escritor, vivido impecavelmente por Tadeu Aguiar, parece querer convencer o rival efetivo a praticar um roubo de joias, pertencentes a ele mesmo, num crime perfeito, com que todos lucrariam. Esta seria a única alternativa para que os amantes arranjassem dinheiro para sobreviver, já que ele, o marido traído, não pretendia conceder o divórcio à esposa. No desenrolar da trama, o jovem amante acaba aceitando a proposta mas, quando o roubo se completa, ele é traído pelo rival que atira com sua arma sobre o outro, simulando legítima defesa. É assim que se encerra o primeiro ato deste espetáculo, dirigido por Gustavo Paso, que já esteve em Porto Alegre há alguns anos.
No segundo ato, um inspetor de polícia chega ao apartamento do escritor e, muito rapidamente, avança em suas descobertas que incriminam o outro. De nada adianta ao escritor acabar admitindo a situação, mas defender-se, dizendo que havia utilizado balas de festim, mas que o jovem italiano se mostrara covarde, desmaiando de puro medo. O policial é implacável e leva o escritor a uma situação desesperadora, em que ele se sente absolutamente condenado. É então que o outro se revela: é o próprio amante, agora transformado em um espírito vingativo, que pretende levar o escritor à morte.
De certo momento, até aqui, temos uma espécie de receita tradicional de uma peça bem escrita, com bom suspense: Eron Cordeiro vive o jovem amante e se destaca neste segundo momento, sobretudo pelo ritmo alucinante que imprime ao diálogo entre os dois personagens, com o que, evidentemente, ganha a encenação.
É no terceiro momento do espetáculo, contudo, que as coisas ganham em interesse e a situação se desenvolve de tal modo que uma série de acontecimentos que se sucedem sem descanso, e rapidamente, levam ao desenlace. Schaffer mostra um bom artesanato e Paso evidencia pulso firme para manter o ritmo do espetáculo.
A encenação é meticulosamente realista, com cenário do próprio diretor, reproduzindo o clima dos antigos filmes noirs da década de 1950 do cinema norte-americano e francês. A trilha sonora de Caique Botkay sublinha fortemente a ação dramática. A iluminação de Paulo César Medeiros sublinha o clima de suspense. Os figurinos de Teca Fichinski reforçam a pretendida diferença social e de caracteres de ambos os personagens. Enfim, toda a produção é cuidadosa e bem acabada. Pode-se concordar ou não com este tipo de espetáculo. Pode-se gostar ou não do texto e da linha do espetáculo. Mas não se pode negar que a produção é extremamente cuidadosa, bem acabada, e que existe um plano de conjunto que define todo o trabalho.
Pessoalmente, não tenho preconceitos para com um teatro de divertimento, quando ele é inteligente e bem feito, como neste caso. Foi um bom divertimento, ao longo de cerca de uma hora e meia de encenação. É importante que tenhamos todos os tipos de trabalho para que possamos escolher e nos darmos por satisfeitos. A encenação de Gustavo Paso procurou sublinhar e fortalecer a linha de criação dramática do texto, com bom resultado. O trabalho é eficiente, prende a atenção e envolve o espectador. Certamente, é mais fácil escrever um romance de ficção policial do que uma peça dramática de enredo policial. Porque, no teatro, o espaço para o imaginário fica menor. Neste sentido, acertou Gustavo Paso que assumiu para si a responsabilidade de definir, com absoluta clareza, e por isso, com total unidade, a linha do espetáculo. Com um bom resultado final.