Fim de semana de gala

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Apesar do tempo chuvoso e frio que temos enfrentado, não podemos nos queixar do que o teatro tem nos apresentado. Quer em termos de produções locais, quer em termos de produções que nos visitam, temos tido a oportunidade de assistir a trabalhos que evidenciam, sempre e sempre, que para ser inteligente e ter sensibilidade não se precisa, necessariamente, de uma produção rica. Pelo contrário, a simplicidade propicie melhores ideias.
Tome-se o caso de A caravana da alegria, que Airton de Oliveira assina. A partir de um texto de Alex Riegel, adaptado por Rodrigo “Kão” Rocha, vamos ter uma proposta tão simples quanto sensível: um gaúcho se desloca de seus pagos para levar uma tropilha e atravessa o País de ponta a ponta, propiciando que se conheça um pouco dos “causos” e das músicas das múltiplas regiões. Assim, Dejayr Ferreira - excelente através dos tipos que apresenta - Jadson Silva e o próprio Rodrigo “Kão” Rocha tocam, cantam e contam histórias divertidas, que prendem a atenção tanto das crianças das mais variadas idades quanto dos adultos que as acompanham (ou não), durante uma hora que passa rápido, tal o envolvimento de todos.
Valendo-se de pequenos adereços, num espaço simplificado, trocando constantemente de figurinos, os três intérpretes vivem personagens variados e divertem com as histórias múltiplas que apresentam, evidenciando a riqueza cultural do País e, ao mesmo tempo, a necessidade de estarmos sempre atentos ao novo que pode nos aparecer em qualquer curva do caminho.
Do mesmo modo, encerrando o Festival do Teatro Brasileiro - Cena Mineira, o diretor Álvaro Apocalypse assina a felicíssima adaptação da obra musical de Sergei Prokofieff, Pedro e o lobo. A obra original está dirigida para orquestra e atores vivos. Aqui, fez-se uma adaptação num espetáculo que mistura intérpretes verdadeiros e bonecos, numa simbiose muito feliz quanto inteligente. No começo, temos os atores apresentando os instrumentos musicais, exatamente como o roteiro musical original prevê. Para isso, sem ter uma orquestra ao vivo em cena, o grupo valeu-se de uma gravação, diga-se de passagem, de excelente qualidade na reprodução.
Feitas as apresentações, passamos ao enredo conhecido. O lobo ameaça o sítio, chega a comer o pato, até que o valente Pedro amarra o animal de tal sorte que ele não pode mais fazer mal a ninguém. Quando chega o caçador, o que lhe resta fazer? E para felicidade de todos, inclusive do avô, até mesmo o pato, que se imaginava morto, comido pelo lobo, reaparece. O enredo simples permite, contudo, um sem-número de brincadeiras do elenco. A manipulação dos bonecos, pelos três atores-intérpretes, é feita às claras, de modo visível para a plateia, mas de maneira exímia, o que permite um ritmo constante do espetáculo, que encanta a todos. Mais que isso, a alternância permanente entre a cena com os bonecos e a cena com os próprios atores, permite uma interatividade inteligente e eficiente com as crianças, que cantam, dançam e torcem pelos personagens, do mesmo modo que ocorria em Caravana da alegria, em que os personagens fazem com que a plateia se levante, dance e até mesmo viva uma ciranda, para delícia de todos. Em nenhum dos dois casos pode-se falar de artificialidade na maneira de construir os espetáculos. Pelo contrário, há um diálogo aberto, fácil e natural entre o espaço do palco e o espaço do público, de modo que todos se integram e se rompe a barreira divisória entre quem faz e quem assiste.
Ao final de ambos os trabalhos, temos aplausos demorados e a dificuldade do público aceitar que o espetáculo terminou e que a plateia precisa ir embora. Um grupo pode querer maior consagração do que esta?