A saga da construção do Canal do Panamá

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História secreta de Costaguana (264 páginas, L&PM), segundo romance do colombiano Juan Gabriel Vásquez, com tradução de Heloisa Jahn, narra a heróica saga da construção do Canal do Panamá, entre 1880 e 1914. O tradutor e colunista literário Vásquez ingressou na literatura com brilho através do romance Os informantes, publicado pela L&PM em 2010, e estará na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2012. Tal como no romance anterior, Vásquez reflete sobre as relações entre a literatura e a vida e explora as fronteiras entre as Histórias e as histórias privadas. Narrado em primeira pessoa por José Altamirano, o romance parte do encontro do protagonista com o imortal novelista inglês Joseph Conrad em Londres, em 1903, e resgata a história da Colômbia e do Panamá quando estes não eram países diferentes, de 1820 a 1904. O segredo do romance está num país que não pode ser encontrado no mapa. Costaguana pertence à literatura. A história revela um dos grandes roubos da literatura - a apropriação indevida por Conrad da vida de Altamirano e como o grande romancista transformou a história pessoal do ambíguo Altamirano, traidor da pátria, no clássico Nostromo. De maneira poética e provocadora, Vásquez recupera a especulação de que Conrad teria passado pela Colômbia em 1876 como um jovem contrabandista de armas e de que teria baseado Nostromo na história política da Colômbia do século XIX. No enredo estão descritas em detalhes as vivências de três gerações da família Altamirano, a saga heróica da construção do Canal do Panamá e os conflitos que levaram à independência do Panamá da Colômbia. Como se sabe, a trágica construção do canal deu lugar a uma disputa internacional e sua finalização só foi possível sob o patrocínio dos Estados Unidos que, além de financiar a construção dessa obra faraônica, tiveram papel preponderante na independência panamenha, visando manter o controle do canal. Vásquez, ao mesmo tempo em que retrata conflitos familiares, desvela o colonialismo em todas as suas facetas e expõe as fraquezas e o ridículo da política sul-americana, com uma irreverência recheada de referências históricas e literárias. O romance ganhou o Qwerty de melhor romance em língua espanhola e o Fundación Libros&Letras - Bogotá e foi indicado ao britânico Independent Foreign Fiction Prize. O The Independent classificou Vásquez como o novelista colombiano mais erudito e inventivo da atualidade e a mídia espanhola definiu a obra como “poderoso exercício metaliterário”. Por aí.

e palavras...

A deputada aposentada na Padre Chagas
A deputada aposentada está sozinha, tomando seu chá num café da Padre Chagas. Seus olhos plastificados contemplam, sem tristeza ou alegria, as últimas horas do domingo frio, que escorrem junto com a garoa. Seu rosto tem marcas de décadas de história recente do Rio Grande e do Brasil e sinais de procedimentos estéticos revitalizadores bem-sucedidos. Maquiagem suave, cabelos de comprimento médio, penteado sóbrio, roupas clássicas, gestos comedidos e a discreta cadeira numa mesinha de canto permitem que ela fique em paz, anônima quase, em meio ao burburinho da Rua da Praia do século XXI. O cronista municipal a observa, mas não a aborda, acha melhor não invadir o momento individual da senhora. Em que pensa a parlamentar jubilada? No marido, nos filhos, nos netos? Será que pensa que deveria estar no calor do Rio de Janeiro ou de Paris, nesta altura do ano e do campeonato? Ou será que pensa nas voltas loucas da política desse País e deste Estado? Depois de várias décadas de atividade pública, de risos, lágrimas, aplausos e críticas, perdas e ganhos, ela está tomando seu chá, em paz, sem alarde, talvez resignada. Não parece muito feliz. De certo ainda se sente indignada com os menores e maiores de rua, com as injustiças, a corrupção, os descaminhos. De certo pensa que fez sua parte, que tentou fazer o melhor e que o mundo e as pessoas são o que são. Talvez pense que acertou e errou, que viveu e deixou de viver, que fez e não fez, como a maioria de nós. Ela deve pensar que está viva, deixou a História para entrar na história. Não parece ter muita saudade da vida pública e do poder.  Talvez lembre Fernando Pessoa: tudo vale a pena, se a alma não é pequena. Ou Mario Quintana: Todos estes que aí estão/atravancando o meu caminho/Eles passarão/ Eu passarinho! Talvez pense apenas no filme que verá, no jantar ou no remédio que vai comprar. Cronistas imaginam, viajam na maionese, piram na batatinha, inventam para caramba. Ela se levanta com calma, vai até o caixa. Depois, sai caminhando, lentamente, com passos privados, elegantes, sumindo na noite, em direção às luzes do shopping. Ela sabe que, muitas vezes, em porta de casa de parlamentar sem mandato, só o vento bate. Mas sabe que viveu muito, que muito valeu a pena, que amanhã é segunda, preto na folhinha, e que o segundo tempo ainda está longe de terminar. (Jaime Cimenti)

lançamentos

  • Releituras da História do Rio Grande do Sul, com organização de Sandra da Silva Careli e Luiz Cláudio Knierim, traz textos de Paulo Roberto de Fraga Cirne, Márcia Eckert e Edisson Bisso Cruxen, entre outros, sobre novas abordagens sobre nosso Estado, com inclusão de atores sociais até então esquecidos. Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, Corag.
  • Amor e obstáculos, de Aleksandar Hemon, nascido em Sarajevo e autor de As fantasias de Pronek, reúne as tramas de um narrador, jovem filho de um diplomata, numa Sarajevo tão comunista quanto cosmopolita, que deixa o país para ir aos Estados Unidos. Logo após os conflitos étnicos da antiga Iugoslávia começarão. Rocco, 208 páginas.
  • A escolha, romance de Nicholas Sparks, oito vezes número 1 do The New York Times, traduzido para mais de 40 idiomas, com 50 milhões de exemplares vendidos, trata da história de Gabby e Travis. Ela certinha, ele não. Mas são vizinhos e amam cachorros. Primeiro amor, casamento, família e até onde você iria para manter o amor de sua vida são as questões. Novo Conceito, 304 páginas.
  • Assassinatos demais, de Colleen McCullough, autora do best-seller Liga, Desliga, se passa em 1967. O planeta está à beira de um holocausto nuclear em plena Guerra Fria. Doze assassinatos ocorrem num só dia na pequena Holloman, Connectitut, terra da Universidade Chubb e da gigante de armamentos Cornucópia. O detetive Delmonico vai ter muito trabalho. Bertrand Brasil, 448 páginas.

e versos

Pastor de Nuvens
O mar é profundo,
bem no fundo
fica o mar
profundo.
O céu é largo,
azul,
bem no alto fica
o céu azul e largo.
Meu Deus, por que me chamaste
para pastorear as ovelhas
e crianças,
se me fizeste essencialmente
pastor de nuvens?
A mata é verde
que te quero verde ,
é bem verde
a mata verde.
A casa é grande
e tem até piscina.
Meu Deus, por que me deste
uma casa com palmeiras,
se sabias que minha casa
não tem endereço
na estrada comprida?
Ah! Pastor de nuvens é meu nome.
Nada mais!
Antonio Ventura, em  O catador de palavras, Topbooks Editora